* Arthur Soffiati
28/06/2025 08:43 - Atualizado em 28/06/2025 08:42
Arthur Soffiati
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Divulgação
A Capitania do Rio de Janeiro foi constituída com a capitania de Paraíba do Sul (antes São Tomé) e a parte norte da capitania de São Vicente. Em 1742, o setor setentrional da nova capitania subordina-se à justiça da capitania do Espírito Santo, condição que perdura até 1832. A influência do Espírito Santo ultrapassou de muito a aplicação da justiça e entrou pela esfera econômica e política.
As capitanias eram divididas em distritos. O Distrito de Campos dos Goitacazes correspondia à antiga capitania de São Tomé/Paraíba do Sul. Abrangia toda a área hoje correspondente ao Norte e ao Noroeste Fluminense com ligeiras diferenças que serão acertadas do futuro.
No final do século XVIII, a parte correspondente ao Noroeste Fluminense ainda era mal conhecida. No mapa de Manoel Martins do Couto Reis, de 1785, ele é denominado sertão do Muriaé e sertão do Paraíba. O cartógrafo executou excelente mapeamento da área correspondente ao atual Norte Fluminense, mas não se aventurou além do rio da Onça, afluente do rio Muriaé, hoje na localidade de Outeiro. Pelo rio Paraíba do Sul, ele chegou até a foz do rio Pomba, anotando que as condições climáticas não permitiram que ele subisse seu curso. A noroeste, ele explorou o sertão de Macabu, dando notícia dele em texto inédito (“Breve notícia dos índios que habitam nos Campos dos Goytacazes”. Manuscrito com 13 folhas sem indicação de local e data). Trata-se de documento que aguarda publicação.
A área entre o Norte Fluminense e a Zona da Mata Mineira, hoje correspondente ao Noroeste Fluminense, era coberta por florestas estacionais semideciduais. No bioma Mata Atlântica, ela corresponde àquelas florestas que perdem de 20% a 50% de folhas na estação seca. Os rios eram limpos e pujantes. A diversidade animal era grande. Mas o que assustava os portugueses e seus descendentes eram os “índios brabos”. As matas eram ocupadas por povos do grande grupo linguístico macro-jê.
Mas aventureiros brancos já seguiam os cursos dos rios por via fluvial ou por trilhas. Os rios que permitirão a penetração para o interior são Itapemirim, Itabapoana, Muriaé, Carangola, Paraíba do Sul e Pomba. Eles buscavam ouro e poaia, uma planta muito cobiçada por suas propriedades medicinais.
Que nenhum habitante das atuais cidades do Noroeste Fluminense alimente complexo de inferioridade por eu escrever que o povoamento e a urbanização da região começaram no século XIX. O norte do Rio de Janeiro foi área pioneiro na colonização europeia por estar próximo à costa, como aconteceu em todo o Brasil. A discussão sobre quem chegou primeiro nada tem de científica. É puro provincianismo. Portugueses e espanhóis chegaram ao âmago da Amazônia no século XVI porque a rede hídrica era e ainda é um mar de água doce. No entanto, só em 1755 foi criada a Capitania de São José do Rio Negro.
Os aventureiros foram sucedidos por colonos, que buscaram novas terras para a agricultura e a pecuária. Ambas as atividades implicaram num colossal desmatamento da região, provocando erosão e assoreamento de rios. Estradas de terra foram abertas nas margens de rios ligando Campos à Zona da Mata Mineira e ao interior do Rio de Janeiro. A navegação ainda era possível nos trechos não acidentados dos rios, como de São João da Barra a São Fidélis e a Cachoeira do Muriaé. Foi aberta uma estrada de Campos a Cantagalo. Outra, partindo de Ouro Preto, bifurcava-se em Presídio São João Batista (atual Visconde de Rio Branco). Um ramal dirigia-se a Campos dos Goytacazes seguindo o rio Pomba e outro seguia o curso do Itapemirim até a vila do mesmo nome, junto ao litoral da capitania do Espírito Santo. Essa estrada tornou-se famosa, tendo sido motivo do livro “A estrada geral de Minas a Campos dos Goytacazes”, de autoria de Maria Joana Neto Capella, Angelo Alves Carrara e José Flávio Morais Castro (Juiz de Fora: Editora UFJF, 2021).
A urbanização do Noroeste Fluminense, antes Distrito de Campos (período colonial), comarca de Campos (período imperial) e Norte Fluminense (período republicano), só se processou no século XIX. Arraias, curatos, freguesias e vilas foram fundadas por colonos. Os povos nativos foram progressivamente extintos diretamente ou por meio de doenças infecciosas para as quais não tinham anticorpos. Boa parte desses núcleos ganharam o estatuto de cidades e se tornaram sedes de municípios. O mesmo aconteceu no sul da Zona da Mata. Os limites entre as comarcas de Minas Gerais e Rio de Janeiro foram definidos no Império e na República.
Hoje, o Noroeste Fluminense comporta as cidades de Aperibé, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Italva, Itaocara, Laje do Muriaé, Miracema, Natividade, Porciúncula, Santo Antônio de Pádua, São José de Ubá e Varre-Sai. Na minha linha solitária de estudo, sigo o historiador francês Serge Gruzinski, quanto ao processo de globalização promovido pelo ocidente, e o historiador indiano Dipesh Chakrabarty quanto às relações sociedade-natureza.