* Arthur Soffiati
03/05/2025 08:59 - Atualizado em 03/05/2025 09:00
Arthur Soffiati
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Vários cientistas vêm advertindo que as águas doces das geleiras e dos continentes estão fluindo para o mar, cujo nível se eleva progressivamente. Estudo recente efetuado por um grupo de cientistas liderados por Ki-Weon Seo e publicado na revista “Science” mostra que os continentes perderam água abruptamente entre 2000 e 2003. Operou-se acentuada queda no volume médio de rios e lagos, assim como no lençol freático. A perda foi orçada em 20 milímetros, enquanto os oceanos elevaram-se 4,4 milímetros.
A Groenlândia, que Trump anuncia recorrentemente anexar por razões geopolíticas, perdeu 900 bilhões de toneladas de água doce nos anos citados, enquanto os continentes perderam 1,6 trilhão de toneladas. A perda de água no aquífero Guarani, o segundo maior do mundo, vem se acentuando conforme estudos da Universidade Estadual Paulista. A retirada para consumo público e irrigação não está sendo reposta pelas chuvas devido à rapidez da retirada. Até mesmo o eixo de rotação da Terra foi afetado por esse desequilíbrio. É a chamada oscilação de Chandler.
Mas o que está acontecendo? Trata-se de um fenômeno natural ou provocado por ação da economia de mercado? Embora os cientistas não tenham chegado ainda a uma explicação clara, pode-se pensar, primeiramente, no descomunal processo de drenagem em todos os continentes. Essa drenagem jogou ao mar água doce acumulada em rios e lagos. Contudo, não se sabe que um elemento mineral pode apenas ter seu volume transformado e não esgotado? Por esse raciocínio, pode-se concluir que a água doce corra para os oceanos, seja evaporada (mesmo nos continentes), transforme-se em chuva e se precipite novamente nos continentes e no mar.
Acontece que, ao retornar aos continentes na forma de chuva, a água doce não encontre mais reservatórios naturais e não tenha tempo de se infiltrar no lençol freático. Rapidamente, ela escoa para o mar ou é evaporada. A parte que fica sofre poluição por esgoto e por resíduos físicos e químicos.
A divisão, assim, é clara: muita água no mar e pouca água nos continentes. Muita água salgada e pouca água doce, ambas poluídas. Entra em cena o aquecimento planetário, que aquece tanto a água dos oceanos quanto a água dos continentes. O aquecimento provoca evaporação. A água salgada e doce transforma-se em vapor e sobe para a atmosfera. Mas diz o ditado popular que o que sobe desce. De fato, na atmosfera, o resfriamento condensa o vapor, que se precipita na forma de chuva. A água cai nos continentes e nos oceanos. Como a superfície dos continentes é menor que a dos oceanos, chove mais sobre os oceanos que sobre os continentes.
E, de novo, o aquecimento planetário absorve a água precipitada. Nos continentes, a questão é mais grave porque a água é doce e encontra pouco lugar que possa retê-la. A que fica na superfície sofre poluição. A que se infiltra no solo ou não tem tempo de chegar ao destino ou é retirada por grandes empreendimentos, como o agronegócio. Assim, podemos concluir que o volume hídrico continua o mesmo, mas não está nos continentes nem nas geleiras, e sim no mar e na atmosfera, sendo que as águas continentais sofrem com o consumo crescente para abastecimento público, para a agropecuária e para a indústria.
Tomemos a planície do norte-fluminense entre os rios Paraíba do Sul e Macaé. A área mais drenada da região encontra-se entre eles, sobretudo entre o Paraíba do Sul e o canal da Flecha. No século XVIII, Manoel Martins do Couto Reis mostrou em seu famoso relatório e mapa o grande volume de água doce. Corre o ano de 2025. Se medirmos o volume de água doce nessa região continental nos dias hoje e o compararmos com o volume de 10 anos passados, a redução foi pequena. Contudo, se a compararmos com o volume existente há 100 anos, a redução foi brutal. Recuando mais 300 anos, verifica-se que o volume de água doce era colossal.
O que provocou redução tão drástica? Primeiramente, a abertura do canal do Furado, em 1688. Mas, como ele só permanecia aberto por ocasião das cheias causadas pelas chuvas, ao se fechar por força do mar, a água doce se acumulava novamente. No século XIX, a abertura de quatro canais de navegação dessecou várias lagoas, lançando suas águas no mar. No final desse século, a modernização das usinas exigiu mais cana. Era preciso terras para plantá-las. Elas estavam sob às aguas de lagoas. A sucessão de comissões de saneamento entrou em ação, mas não foram muito bemsucedidas. Finalmente, a criação da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, órgão federal, iniciou um colossal processo de drenagem. O Departamento Nacional de Obras e Saneamento deu continuidade a esse processo. A drenagem excessiva transformou a grande área úmida do norte fluminense em área seca. Eis um exemplo local que ilustra um processo planetário. Não podemos voltar totalmente ao passado, mas a recriação e proteção de uma área úmida é possível.