Arthur Soffiati - Complexo hídrico Ururaí
* Arthur Soffiati 20/12/2025 07:18 - Atualizado em 20/12/2025 07:18
Existe, na região Norte Fluminense, um complexo sistema hídrico formado pelos rios Imbé e Urubu, lagoa de Cima, rios Ururaí e Preto, lagoa Feia, rio Macabu e canal da Flecha. O rio Imbé corre de oeste para leste, recolhe os pequenos rios que descem da Serra do Mar (com o nome local de Serra do Imbé) e desemboca na lagoa de Cima. Ao sul do seu curso, corre o pequenino rio Urubu, também com foz na lagoa de Cima. Esta deflui pelo rio Ururaí, que recebe o rio Preto e desemboca na grande lagoa Feia, a maior de água doce no estado do Rio de Janeiro. Nela, desemboca o rio Macabu.
No passado, a lagoa Feia defluía por inúmeros canais naturais que, reunidos, formavam o rio Iguaçu. Correndo no sentido oeste-leste, ele desembocava no mar depois de receber água de transbordamento do rio Paraíba do Sul.
Os rios Imbé e Urubu, assim como a lagoa de Cima, localizam-se em terreno com mais de 600 milhões de anos. Trata-se de formação mais antiga que a Serra do Mar. O rio Ururaí, por seu turno, é formado por águas da lagoa de Cima e do rio Preto, que também desce na Serra do Mar, com foz bifurcada: uma no rio Paraíba do Sul e outra no rio Ururaí. Este corre numa planície aluvial com menos de 5 mil anos. A lagoa Feia situa-se também nesse terreno novo. O rio Iguaçu corria entre a planície aluvial e terrenos de restinga.
Muitas transformações ambientais foram promovidas ao longo desse sistema hídrico a partir do século XVII. As florestas que cercavam os rios Imbé, Urubu e Macabu, assim como a lagoa de Cima, foram progressivamente derrubadas para fornecer lenha e madeira para engenhos, usinas e caixas para embalagem de açúcar. A foz do rio Preto no rio Paraíba do Sul foi canalizada e regulada por comporta. Restou o braço que desemboca no rio Ururaí. O trecho final deste, entre a BR-101 e a lagoa Feia, foi canalizado pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), assim como o rio Macabu. Um canal submerso ligou a foz do rio Ururaí ao canal da Flecha. Esse canal central recebeu canais submersos ligando a foz do rio Macabu e da lagoa do Jacaré, antiga enseada da lagoa Feia. Formou-se, assim, um canal submerso em forma de tridente.
Os antigos canais naturais que formavam o rio Iguaçu foram centralizados pelo canal da Flecha, aberto pelo DNOS na década de 1940. Este canal liga a lagoa Feia ao mar. Quando da sua abertura, o DNOS encontrou, junto à lagoa Feia, uma formação rochosa dura que não pôde ser removida com as técnicas da época. Trata-se de uma soleira batizada de “Durinho da Veleta” pelos pescadores. Entre 1979-81, o DNOS investiu na remoção do Durinho. Sua intenção era controlar o volume hídrico da lagoa por uma bateria de comportas no trecho final do canal da Flecha. Os pescadores ponderaram que o Durinho funciona como um regulador natural das águas da lagoa Feia e que as comportas poderiam ser manejadas de acordo com interesses de proprietários rurais.
Estudos que vêm sendo efetuados desde 1929 pelo engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito mostram a importância do rio Paraíba do Sul para a lagoa Feia e desta para as lagoas que a circundam, sobretudo no interior do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, além de ser a grande lagoa fonte de abastecimento público para o município de Quissamã.
O DNOS estampava na imprensa seus projetos e suas obras, pois, na época, elas representavam o “progresso”. O órgão federal acabou sendo extinto em 1990 depois de muitas críticas sofridas pela comunidade científica (inclusive a FEEMA) e pelo movimento ambientalista. O órgão federal não acompanhara os novos tempos, continuando com práticas antigas.
Contudo, as ações de canalização e drenagem continuaram por parte de proprietários rurais e do Inea. Agora em silêncio para não chamar a atenção de pescadores e ambientalistas. Volta-se novamente a cogitar nos bastidores a remoção do “Durinho da Valeta” e de uma soleira semelhante entre a lagoa de Cima e o rio Ururaí.
Além do mais, existe um importante aquífero na região conhecido como Emboré. Denúncias alertam que duas grandes empresas estão retirando água dele além da sua capacidade de recarga.
Diante de tais ações e de ameaças iminentes, vimos propor a proteção do sistema Imbé-Urubu-lagoa de Cima-Ururaí-lagoa Feia-canal da Flecha por ato legislativo que tome o conjunto do sistema como área de especial interesse para o ambiente, para as Unidades de Conservação que dependem dele (Parque Estadual do Desengano, APAs municipais da lagoa de Cima e do Itaoca, Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, APA do Lagamar e Parque Estadual da Lagoa do Açu), para a atividade pesqueira, para o abastecimento público de água das comunidades atendidas por ele e para a atividade turística.
*Professor, historiador, escritor, ambientalista e membro da Academia Campista de Letras

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