Matheus Berriel
17/02/2025 17:41 - Atualizado em 18/02/2025 17:25
Membro da turma de 1983 da FMC, Marco de Maria teve relacionamento de 13 anos com Ney
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Foto: Reprodução/Instagram
Com trailer lançado e estreia nos cinemas prevista para este ano, a cinebiografia de Ney Matogrosso tem entre os seus principais personagens um médico formado em Campos. Trata-se do paulistano Marco de Maria, que viveu um relacionamento amoroso com o cantor por mais de uma década e morreu em 1990, em decorrência da Aids. Pouco divulgada, a relação de Marco com a planície goitacá é lembrada por campistas que o conheceram do final dos anos 1970 ao início da década seguinte.
A confirmação está na lista anual de formandos da Faculdade de Medicina de Campos (FMC). Durante os seis anos de curso, Marco Antônio de Maria integrou uma turma da qual também fazia parte o pediatra Wilson Cabral, ex-deputado estadual e ex-secretário de Saúde de Campos, que guarda boas lembranças da convivência quase diária na instituição.
— A gente entrou na FMC em 1978 e se formou em 1983. Éramos 96 alunos. Tínhamos um convívio natural, por sermos colegas de turma. Lembro que ele era muito inteligente, carismático, extrovertido, e tinha um sorriso fácil, que iluminava o ambiente. Se expressava muito bem e demonstrava ter muita empatia com os colegas. Infelizmente, teve uma morte precoce. Até hoje, nossa turma tem encontros regulares, anuais, e eu gostaria muito que ele estivesse conosco nesses encontros — lamenta.
Wilson Cabral e outros colegas de turma não sabiam, mas há relatos de que alguns conhecidos já comentavam sobre um possível namoro entre Marco de Maria e Ney Matogrosso. Hoje com 59 anos, o comerciante Herval Gomes Júnior garante que Ney chegou a visitar Marco na cidade por volta de 1980. Quando adolescente, Herval conhecia Marco porque o então estudante de medicina visitava amigos numa pensão administrada pela sua mãe, na rua Voluntários da Pátria, em trecho próximo à FMC.
— Lembro muito bem dele. Andava com aquelas bolsinhas peruanas, era também artista plástico. Lembro que ele tinha alguns quadros — conta Herval, atualmente dono de uma livraria e papelaria na avenida Alberto Torres.
Num período em que muitos estudantes de outros estados prestavam vestibular para a FMC, boa parte dos aprovados passava a morar em repúblicas de Campos. Segundo Herval Gomes Júnior, o próprio Marco de Maria residiu em uma, perto do antigo Cine Goitacá, antes de se mudar para uma casa na rua Salvador Corrêa.
— Certa vez, num domingo, chegou alguém falando que o Ney Matogrosso estava lá nessa casa, que não existe mais. Já rolava uma fofoquinha de que o Ney namorava o Marco. Então, eu e alguns estudantes que moravam na pensão da minha mãe fomos até lá para ver o Ney. Era um grupo de umas seis pessoas, com a desculpa de que alguém ia pegar matéria da faculdade com o Marco. Ninguém ali tinha preconceito; o interesse de saber se era o Ney foi por pura tietagem. Quando chegamos, havia um Passat branco estacionado, com placa do Rio, e o Ney estava na janela da casa, de costas para a rua. Era uma casa com frente ampla, deu para ver que o biotipo era idêntico ao dele. Quando ele percebeu a nossa chegada, se afastou da janela. Logo depois, o Marco veio atender à gente, dizendo que estava com gente de fora e só poderia nos receber à noite. Então, a gente foi embora. Nosso contato era mais porque ele vinha à pensão da minha mãe. Ninguém sabia que ele seria personagem importante na vida do Ney — afirma Herval.
A atriz Lúcia Talabi também se recorda de conhecidos comentarem sobre visitas de Ney Matogrosso a Marco de Maria, sempre em encontros resguardados. Cursando letras na Faculdade de Filosofia de Campos (Fafic) e não adepta à tietagem, ela teve contato apenas com Marco, a quem conheceu no início dos anos 1980, em edições do Festival Universitário de Teatro. Engajado, ele atuava como um agitador cultural na FMC, tornando-se figura importante no movimento universitário da cidade.
— Marco era muito bacana, uma linda pessoa. Não era meu amigo de convivência, mas a gente se encontrava nos movimentos culturais e políticos. Gostávamos muito de conversar. Tenho lembrança de estarmos algumas vezes em grupo no Bar Vermelho. Era um período de ditadura, pré-abertura política, e a gente fazia muitas coisas através das faculdades. O Festival Universitário de Teatro era pulsante, então, os envolvidos trabalhavam muito, se identificavam e também bebiam juntos. Estávamos sempre em confraternização por algo. Éramos jovens muito inquietos, todos os diretórios eram presentes, e o Marco estava no meio disso tudo — destaca Lúcia, que o reencontraria anos mais tarde, em um desfile da Banda de Ipanema, quando ambos já moravam no Rio de Janeiro.
De fato, Marco de Maria era uma figura conhecida entre a juventude universitária de Campos. Costumava frequentar, por exemplo, a casa do músico Luizz Ribeiro, um dos pioneiros do rock na cidade. O diretor teatral Fernando Rossi e o professor Marcelo Sampaio foram outros a conhecê-lo. Antes de estrear como colunista social, Marcelo cursava história na Fafic. Foi nessa época que teve contato com o então estudante de medicina, de quem se tornou amigo, a ponto de presenciar dois dos encontros com Ney.
— Marco era uma pessoa muito agradável! Não tinha parentes aqui, mas fez amizades. Almoçou algumas vezes com minha família, em minha casa, e jantei duas vezes, com ele e Ney Matogrosso, na casa em que ele morou na rua Salvador Corrêa, perto da pracinha do Sossego. Lembro disso sempre que passo por lá — diz Marcelo.
Conhecedor da música popular brasileira, o jornalista campista Chico de Aguiar assegura que Marco de Maria e Ney Matogrosso se conheceram por intermédio de outro acadêmico da FMC. O mineiro Manuel de Abreu Pereira integrava a turma de 1981 e teria sido o responsável por apresentá-los.
— Tive alguns contatos com Marco de Maria, que morreu antes do Manuel, ambos com o vírus HIV. Outro amigo meu, Sandoval Outeiro Costa Filho, que foi um entalhador conhecido em Campos, também tinha amizade com Manuel e Marco. Foi Sandoval quem me apresentou a eles. Como Sandoval também tinha amizade com Ney Matogrosso, eu o acompanhei por duas vezes em visitas à casa de Ney — detalha Chico.
No livro de memórias "Vira-lata de raça", publicado com Ramon Nunes Mello em 2018, Ney Matogrosso mencionou um envolvimento momentâneo de Marco de Maria com o cantor e compositor Cazuza, a quem o ex-integrante da banda Secos & Molhados já havia namorado.
— Quando comecei a relação com o Marco de Maria, Cazuza ficou enciumado, morto de ciúmes, e disse que iria transar com o meu namorado. Eu falei que podia, a relação era aberta e não tinha problemas, inclusive avisei meu namorado que o Cazuza ia procurá-lo para transar. Um dia Marco me contou que ele foi à praia com Cazuza e depois para a casa dele transar. Em seguida, Cazuza me encontrou e disse que tinha transado com Marco. Ficou tudo bem, só perguntei: “Foi gostoso?”. Ele disse que sim. Respondi: “Pensa que eu estaria com alguém se não fosse bom?". Depois desse episódio continuamos amigos, transamos algumas vezes. E também dormimos juntos sem transar, era gostoso dormir com ele simplesmente para desfrutar da sua companhia. Não tínhamos problemas de posse em relação ao outro, ninguém tinha problemas, havia muita liberdade. Até que chegou a Aids e nos fez regredir em nossos comportamentos de liberdade sexual, trazendo a morte e o medo como um fantasma a pairar sobre nossas vidas — escreveu Ney Matogrosso, hoje com 83 anos.
A relação de Ney com Marco de Maria durou 13 anos. Nos quatro últimos, inclusive, eles moraram juntos, pois Ney cuidou do companheiro após este ter sido diagnosticado com Aids. Foi tempo suficiente para que o considerasse seu "amor e amigo", e não marido, pois não tinham essa visão do relacionamento.
Em setembro de 2018, Ney Matogrosso publicou no Instagram uma imagem de Marco, elogiado por seguidores do cantor como um "homem lindo", de "olhos bonitos". Já em recente entrevista sobre as gravações do filme "Homem com H", Ney confessou ter se emocionado ao assistir uma cena envolvendo o ex-companheiro.
— Era eu chegando à minha casa com o Marco, que já estava doente. Eu dizia a ele que não entendia por que meu exame de Aids tinha dado negativo. Então, ele me perguntava se eu ia ficar com ele mesmo "magro, feio, com cabelo caindo, manchas pelo corpo". Eu respondia: "Claro!". Os atores foram tão convincentes que tive uma coisa assim... eu perdi o controle. Sou um cara controlado emocionalmente. E não é que comecei a chorar, as lágrimas pulavam do meu olho e eu não tinha controle sobre aquilo — disse Ney Matogrosso ao jornal "O Globo", em abril do ano passado.
Escrito e dirigido por Esmir Filho, "Homem com H" tem o ator Jesuíta Barbosa no papel principal. Bruno de Montaleone foi o responsável por interpretar Marco de Maria, num elenco que também conta com Jullio Reis, Hermila Guedes, Rômulo Braga, Mauro Soares, Jeff Lyrio, Carol Abras, Lara Tremoroux e Céu. A produção é da Paris Filmes, com supervisão do próprio Ney Matogrosso.