Edmundo Siqueira
05/01/2023 12:32 - Atualizado em 05/01/2023 13:02
Tarciana Medeiros falando com sua mãe, logo após a indicação de seu nome para a presidência do Banco do Brasil
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Não há possibilidade real de sair incólume de uma feira nordestina. A mistura de sabores, odores e sons que produzem os feirantes — e fregueses —, principalmente com as riquezas do Nordeste — que afetam sobremaneira os mesmos sentidos —, não permitem que os que lá circulam saiam indiferentes. A Feira de Campina Grande, município da Paraíba, é uma representante clássica desses centros comerciais movimentados e cheios de histórias.
Campina Grande nasceu enquanto vila no final do século XVIII, e foi elevada à categoria de cidade em meados dos anos 1860. Importante polo industrial e universitário, teve o algodão como responsável pelo crescimento econômico, que atraiu comerciantes de todo o Nordeste. A commoditie agrícola deu o título de "Liverpool Brasileira" à Campina Grande, na década de 1940, quando o município era o segundo maior exportador de algodão do mundo, atrás somente de Liverpool, na Inglaterra.
A história do centro urbano de Campina Grande se confunde com a de sua Feira. Como um local privilegiado de comércio e vivências sociais, na feira se concentravam muitas das necessidades de abastecimento do contingente populacional da cidade, que parecia ser mesmo vocacionada a ser grande e próspera. A Feira representa com muita fidelidade a sabedoria, inventividade e criatividade do nordestino — e de sua vocação negocial.
Serra acima está Campina/Grande é a sua feira/Tem gente de toda classe/da primeira à derradeira, assim descreveu a feira a potiguar Lourdes Ramalho, professora, poeta e dramaturga que fixou residência em Campina Grande, cidade onde viveu até o seu falecimento em 2019.
A Feira e a cidade — tratadas aqui como um organismo único — podem se orgulhar de sua mais nova filha ilustre: Tarciana Paula Gomes Medeiros. Na última sexta-feira (30), Tarciana foi escolhida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para presidir o Banco do Brasil.
O BB, uma das mais importantes estatais brasileiras, com mais de 200 anos de história, nunca havia sido presidido por uma mulher. “Tenho certeza que fará um lindo trabalho, sua indicação para a presidência representa um marco na história de nosso querido Banco”, disse o atual presidente da instituição, Fausto de Andrade, que passará a faixa para Tarciana em breve.
A próxima presidente do Banco do Brasil (Tarciana tomará posse em breve, após cumpridos os trâmites internos) iniciou sua carreira como negociante de feira. Como feirante em Campina Grande, ela aprendeu duas “artes” fundamentais para alguém que se dedica a gerir pessoas e a vender produtos e serviços: negociação efetiva e saber conviver com as diferenças.
Depois da feira, Tarciana decidiu ser professora no final dos anos 1990, ficando no magistério por dois anos. Suas experiências a fizeram entender que era em ambientes coletivos — onde se dependia dos colegas e das vivências para poder desenvolver um bom trabalho —, que ela estaria destinada a viver e fazer sua carreira. E gostava disso. Tarciana ainda equilibrava sua rotina com o basquete, seu esporte preferido, que igualmente exigia trabalho em equipe. Foi exitosa na atividade, chegando a jogar na seleção paraibana.
Mas o destino parecia reservar o auge de sua carreira no sistema financeiro. Por lá, a presidente indicada para o Banco do Brasil pôde exercitar tudo que aprendeu na feira, no basquete e na sala de aula.
Foto: Fernando Santos
As primeiras mulheres do BB - pioneirismo
A capixaba Odette Braga Furtado é considerada a primeira funcionária do quadro do Banco do Brasil. Pelos registros de jornais, ela teria ingressado no BB em 1923.
Odette nasceu em Vitória, capital do Espírito Santo, e também foi professora antes de entrar para o banco. Formou-se no curso normal e atuou como professora primária até 1921. Naquele ano, pediu licença da função de professora e em 1923 teria ingressado no Banco do Brasil .
Mais de sete décadas depois, em março de 2000, a professora Tarciana foi chamada para tomar posse no Banco do Brasil, após ter sido aprovada no concurso. Na pequena agência de Posto da Mata, cidade do interior da Bahia, iniciava a relação dela com o BB. Se formou e fez pós na área de Administração de Empresas, Negócios e Marketing.
Dois anos depois já tinha cargo de gerente, e em 2013 liderava uma Superintendência Comercial. Com a vontade de crescer que tinha adquirido desde nova, se preparou para voos maiores, e fez cursos para atuação em cargos de alta gestão executiva do Banco.
Foto: Fernando Santos
Embora seja um ambiente de presença masculina muito forte, principalmente nas diretorias, a multiplicidade de pensamento, estilos e visões de mundo se mostram primordiais para que bancos e financeiras possam se adaptar aos novos tempos e produzir soluções eficientes. Sem pluralidade, o sistema financeiro iria a ruína.
Porém, embora a ex-feirante da Paraíba tivesse uma carreira promissora, não poderia prever que uma conjuntura de fatores a levaria tão rápido ao cargo máximo da instituição.
Depois de vencer uma eleição extremamente polarizada, Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que alçaria mulheres para a presidência dos dois bancos públicos de varejo brasileiros. Cumprindo a promessa, indicou, via Ministério da Fazenda, Rita Serrano para a Caixa Econômica Federal e Tarciana para o Banco do Brasil.
Aos 44 anos, Tarciana Paula de Medeiros viu sua vida se transformar por completo, e seu nome aparecer nas principais notícias do país. O ineditismo de uma mulher na presidência do Banco do Brasil, sua origem nordestina, sua experiência pregressa como feirante e sua orientação sexual foram a tônica das matérias jornalísticas, inclusive na imprensa especializada em economia.
Nas redes sociais, Tarciana apareceu em um vídeo onde dançava e comemorava com amigos em um bar de Brasília quando foi confirmada sua indicação, demonstrando que ela saberá lidar com muita leveza os temas que não tenham relação direta com sua competência administrativa. Tarciana, que é mãe, ligou para sua genitora, em uma emocionante chamada de vídeo, logo após confirmada sua indicação para o BB.
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Assim como não é possível sair indiferente de uma feira nordestina, não poderá a primeira presidente mulher do Banco do Brasil fugir dos simbolismos que sua indicação carrega. Em um país que precisa se reconstruir e fortalecer suas instituições, os sinais que Tarciana emite ao ter sido escolhida para presidir um banco público do tamanho do BB são os melhores possíveis. Pluralidade e trabalho coletivo são fundamentais para qualquer empresa, principalmente para as que determinam os rumos do país.
Como demonstrou no decorrer de sua história, Tarciana não é de fugir de desafios, tampouco de simbolismos. “O propósito de atuar com proximidade com os diversos públicos, gerando valor de forma relevante, é um legado que buscarei honrar”, disse Tarciana logo depois de ser indicada.
E continuou, dizendo que o Banco do Brasil “leva desenvolvimento econômico e social para todos os brasileiros”, indicando que sua gestão buscará o que está na missão do BB: “atuar com espírito público em cada uma de suas ações junto à sociedade”.
A indicação de Tarciana Medeiros é um marco na história do banco; e do Brasil. Que venham mais Tarcianas.