Edmundo Siqueira
22/06/2024 19:46 - Atualizado em 22/06/2024 20:18
Arte digital, criada por IA, por Edmundo Siqueira
Não trago boas notícias, infelizmente. Tentamos todos os dias, mas somos vencidos; violentamente vencidos. Batemos com o pulso fechado nas pontas de facas do atraso e do reacionarismo.
Não nos esqueçamos: mulheres extraordinárias pavimentaram os caminhos que vocês trilham hoje, meninas. Joana, Benta, Simone, Virgínia, Pagu, Nina, Bertha…e tantas outras desconhecidas, mas não menos incríveis, que lutam contra a misoginia e as violências recebidas, diuturnamente. São caminhos pavimentados, mas ainda bastante tortuosos, cheios de curvas perigosas e constantemente embaçado por neblina.
Digo para vocês que não está fácil, e não será fácil vencer esse estado de coisas. Estamos vivendo uma onda de extremismos que faz a gente duvidar da capacidade humana de refletir sobre os miseráveis erros cometidos — de muito antes e de tempos recentes. E isso aflora em algumas pessoas o pior, assim como exige de outras seu melhor e mais determinado lado. Porém, essa onda tem legitimando o que deveria ser banido.
Não vou negar, meu lugar de fala está entre os algozes. Sou homem cis, branco, hétero. Mas jamais estarei ao lado de quem não tem a decência de entender que o lugar da mulher é onde ela quiser. De quem mesmo depois de anos sendo apresentado aos números de feminicídio e violência sexual insiste em descredibilizar e minimizar a importância dessa luta. E nunca estarei no mesmo lado de homens que além de ignorar os fatos, concorrem para agravá-los.
Nos últimos dias, políticos em Brasília eaqui em nossa cidade, mostraram suas piores faces. Escancararam seus desejos de não apenas de manter o preconceito e a misoginia, mas descê-los aos níveis do esgoto. Chegaram a propor uma lei, veja vocês, que pune uma mulher que sofreu uma das piores violências possíveis, o estupro, com prisão duas vezes mais gravosa do que o homem estuprador.
A lei pretende punir também uma menina, como vocês, que decide não continuar uma gravidez indesejada e violentamente imposta, muitas vezes por alguém da família. Violentada, humilhada e emocionalmente destruída, esses homens querem vê-la ainda presa. E repito: com o dobro da pena de quem cometeu o bárbaro crime.
Retrocessos civilizatórios que me envergonho de relatar aqui. Um descalabro: meninas não são mães, estupradores não são pais. Parece óbvio, mas tristemente preciso dizer que ainda convivemos com a necessidade de lutar pelas obviedades e humanidades mais básicas.
Aqui em nossa cidade, um político que sequer é daqui, subiu em um palco armado por outros, esses locais, e agrediu a honra de uma mulher para atingir seu marido. Sem qualquer pudor, sob aplausos incautos e sorrisos omissos. Não se esperava descendência de quem ofendeu gravemente a imagem de uma mulher morta, política como ele, anteriormente. Como todo covarde, age contra quem não pode se defender, contra fragilidades históricas e a favor de vilezas. O que se esperava é que outros e outras no mesmo palco agissem para interromper o absurdo. Pelo menos para tentar se redimir da desonestidade moral de estar no mesmo palanque que alguém com aquele perfil.
Meninas, saibam que vocês estão numa terra onde mulheres se levantaram contra a tirania. Uma delas está no hino da cidade. Campos é um lugar onde as mulheres lutam.
Arte digital, criada por IA, por Edmundo Siqueira
E onde não o fazem? Todos os dias precisam conviver com o medo de saírem sozinhas, ou de mesmo em seu lar sofrer um abuso. Que precisam redobrar os esforços profissionais para não serem descredibilizadas apenas por serem mulher.
Queria poder dizer que estamos indo bem. Que a humanidade passa por um processo evolutivo, e que neste século pessoas não são escravizadas e mulheres não são estupradas. Mas não dá. E mesmo aceitando que essas perversidades sejam inevitáveis, sinto dizer que muitos estão batendo palmas e sorrindo para elas. E outros tantos se omitindo, justamente por medo de perder o lugar de privilégio.
Então não há esperança? Há. O sol vai nascer em um novo dia, e sempre será uma chance de continuar tentando iluminar preconceitos. E dando luz ao ensinamento basilar da civilização: somos todos iguais. Sujeitos de direitos e deveres universais.
Meninas, não trago boas notícias. Mas podemos deixá-las cada vez menos frequentes. E não se sintam, por favor, desestimuladas a participar da política e ocupar cargos de poder. Os esgotos hão de regurgitar e engasgar em seus próprios chorumes. Mas, se ainda estiverem provocando mau cheiro, vocês estarão lá para fechar as tampas do reacionarismo.