Neste Natal, a renúncia que nos faz humanos
Edmundo Siqueira 24/12/2025 20:41 - Atualizado em 24/12/2025 20:46
Pesquisas recentes informam o que eu já sabia: o brasileiro valoriza sobremaneira a família. Descontadas as margens de erro — que nada mais fazem além de ir ao encontro da ideia rodriguiana que a unanimidade é invariavelmente burra —, cerca de 90% de nós, nascentes e viventes nesta terra, creem ser o amor o sentimento fundante da família, independente do modelo que se adote. Por volta de 95% concordam com a frase que afirma ser a família a coisa mais importante da vida.

Não proponho ilusões aqui. Nem mesmo natalinas. O Brasil é um país autoritário e violento, e a mesma pesquisa demonstra que somos extremamente desconfiados, não acreditamos no vizinho, nas instituições e muito menos nos políticos. Depositamos nossa confiança na família.

O núcleo familiar, nem sempre composto por vínculos sanguíneos, é onde vivemos plenamente. É a nossa Ítaca, nossa terra, nossa pátria. Viver bem em família significa viver bem na vida, e o contrário se faz verdadeiro. Se houver alguma pesquisa entre pessoas em situação de rua será constatado que muitos estão na vida miserável pelo alijamento de sua família. Portanto, não se trata de uma casa, e sim relaciona-se com um lar.

A escolha de Ulisses (Odisseu) por Ítaca, presente nos cantos V e VII da “Odisseia”, escrita pelo poeta grego Homero, mostrou como o herói da guerra de Tróia respondeu à proposta mais indecente que um homem pode receber: não morrer.

Na ilha de Ogígia, a belíssima deusa Calipso lhe ofereceu a eternidade embrulhada em conforto. Juventude sem prazo de validade, amor divino, prazer sem consequência. Nada de rugas, nada de luto, nada de despedidas. Um paraíso administrado por uma deusa apaixonada. Mas Ulisses renunciou.

Ulisses renunciou por amor, mas principalmente para não renunciar à própria condição humana. Entendeu que a imortalidade cobra um preço alto demais, o levaria a deixar de pertencer a algum lugar, a alguém, a uma história que começa e termina. Ele escolheu Ítaca — pequena, pedregosa, cheia de problemas. Escolheu Penélope — mortal, envelhecida pela espera, imperfeita como só os humanos são. Escolheu o tempo, com tudo o que ele carrega: desgaste, perda, saudade e sentido.

Ao renunciar à Calipso, Ulisses faz a escolha mais radical da literatura ocidental: prefere ser homem a ser deus. Faz essa escolha na certeza de que mais vale ser um mortal em seu lar, em sua pátria e em sua família, a ser um deus imortal à distância física e emocional do que lhe constituía como pessoa.

O que Homero nos ensina escrevendo há cerca de 2.700 anos, é que há as renúncias necessárias e ao mesmo tempo há as renúncias inegociáveis. O Natal de hoje continua a exigir de nós a escolha de nossas renúncias. Porém, na contemporaneidade, renunciar ao ódio é fundamental. Porquanto, não é no ódio que está a confiança da quase totalidade dos brasileiros, e sim no amor, na família.

O que ainda é demonstrado na pesquisa, que também não carece de grandes comprovações, é que o brasileiro é religioso. E cristão, em sua maioria. Portanto, tem Jesus Cristo como o Messias escolhido para guia espiritual. Basta ler um pouco dos textos sagrados cristãos para perceber que é fundante em amor o que o judeu Yeshua trouxe ao mundo. E em renúncia.

O Natal representa o nascimento de Cristo, e para o brasileiro representa a família, em pé de igualdade em importância. As tradições e costumes natalinos acontecem em volta de uma mesa, com comidas e bebidas, assim como foi a Santa Ceia. Pão e vinho para a família, com todos seus significados.

Escolhemos nossas renúncias pela família. Que consigamos renunciar ao ódio em nome da coletividade de uma pátria que, gostemos ou não, é nossa Ítaca. Onde somos mortais e imperfeitos, mas onde nos reconhecemos. E onde criamos nossa família.























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