Guilherme Vasconcelos Pereira
22/08/2025 11:52 - Atualizado em 22/08/2025 11:52
Panorâmica Porto do Açu
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Acervo pessoal Guilherme Pereira
O Porto do Açu, em São João da Barra, pode ser considerado um símbolo da estratégia de desenvolvimento econômico realizada no Brasil no início do século XXI. Em geral, a estratégia envolve o incentivo à realização de projetos relacionados à produção de commodities e a construção de infraestrutura capaz de lançar essas mercadorias no mercado internacional, mobilizando grandes montantes de capital e transformando o uso dos solos.
Originariamente, o porto serviria para exportação de minério transportado pelo mineroduto de 525 quilômetros. Com as ampliações, a estrutura foi aproveitada para outras atividades. Entre 2014 e 2023, 97,3% das movimentações portuárias de longo curso realizadas nos terminais do Açu foram de exportação, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
Desde 2022 o Terminal de Petróleo, localizado no terminal offshore e responsável pelo transbordo e exportação do petróleo, está entre os terminais mais importantes do país. Em 2023 ele assumiu o papel de principal terminal de exportação dessa commodity no Brasil, correspondendo naquele ano, segundo a Antaq, a 50% do total exportado, reafirmando a importância do empreendimento.
O complexo também se insere na dinâmica de produção de energia. Em 2021, a Gás Natural Açu I (GNA I), termelétrica movida a gás natural, foi inaugurada — e, além dela, o terminal de gás natural liquefeito (GNL) para o abastecimento da usina. Em 28/07 foi inaugurada a GNA II. Juntas, as duas usinas podem gerar até 3 GW de energia — suficiente, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para abastecer 14 milhões de residências.
Ainda segundo a Aneel, a GNA II consta como obra do novo PAC. Dos R$ 7 bilhões de investimentos, R$ 3,93 bilhões foram financiados pelo BNDES. Importante destacar que o acionamento das termelétricas depende da demanda de energia pelo sistema nacional, e desde seu início de operação a GNA I foi acionada todos os anos.
O acionamento das usinas depende da demanda nacional. A partir de 2015, a Aneel adotou o sistema de bandeiras tarifárias, refletindo o custo de produção de energia no Brasil, que aumenta com o uso de usinas termelétricas. Em fins de julho foi acionada a bandeira vermelha patamar 2, gerando, na conta de luz, aumento de R$ 7,87 para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
Outra questão em jogo é a das isenções fiscais. Em 2024, o governo do estado do Rio de Janeiro proporcionou regime fiscal diferenciado para as termelétricas (Lei 10.456/24), isentando de imposto a importação de gás natural. Entre os beneficiados está justamente o complexo do Açu. A renúncia fiscal envolvida em 2025 é estimada pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Rio de Janeiro (Sinfrerj) em R$ 13,5 milhões.
Também importantes são os efeitos ambientais. O Sistema de Estimativas de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Seeg) indica que a produção de energia na GNA I desde 2021 aumenta significativamente as emissões de gases carbono equivalente (métrica GWP-AR5). As estimativas indicaram que em 2021, início da operação e produção por seis meses, as emissões causadas pela produção de energia aumentaram em sete vezes em relação ao ano anterior. Mesmo depois desse pico, nota-se que em 2023 a produção de energia respondeu por 66% do conjunto de emissões no município.
Essa realidade indica a necessidade constante de discussão sobre o empreendimento instalado em São João da Barra e o padrão de desenvolvimento econômico produzido ali. Ali e no país de modo geral.
Guilherme Vasconcelos Pereira é economista, doutor em Sociologia Política pela Uenf e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do Observatório das Metrópoles.