A IA encara a democracia: o algoritmo vai ao Orçamento Participativo
Nilo Lima de Azevedo, Bruna Marcelle Bastos Dias Marinho e Tauã Lima Verdan Rangel 16/09/2025 16:08 - Atualizado em 16/09/2025 16:08
¨Tecnologia da IA incide no debate sobre governança urbana.
¨Tecnologia da IA incide no debate sobre governança urbana. / Rawpick Freepick - Agência Brasil
Ao se falar em inteligência artificial, o que vem à sua mente? Às nossas vêm computadores superpoderosos e empresas globais onde jovens de moletom jogam sinuca, tomam Starbucks e programam os algoritmos mais incríveis, revolucionando e dominando o mundo. Mas, convenhamos, o problema não é a sinuca, nem o café, nem os algoritmos geniais. O problema é esse detalhe de querer dominar o mundo.
Não estamos falando aqui da dominação das máquinas sobre os humanos. Trata-se, como sempre, da velha dominação de alguns humanos sobre outros.
Essa dominação pode acontecer de várias formas, mas admitimos que nos falta criatividade suficiente para explorar universos alternativos. Por isso, vamo-nos limitar a duas, que se misturam constantemente: o domínio sobre as nações e o domínio sobre os indivíduos. Queremos abordar isso em uma das dimensões mais sensíveis: a da igualdade.
No recém-lançado livro Igualdade: significado e importância, Thomas Piketty (economista francês) e Michael Sandel (filósofo estadunidense) discutem o tema em três aspectos. O primeiro envolve o acesso universal a bens básicos como saúde, educação, alimentação e habitação. O segundo enfoca a igualdade política: formas de participação, capacidade de expressar valores e interesses e realização do princípio “uma pessoa, um voto”. O terceiro aspecto refere-se ao reconhecimento da igual dignidade de todos os indivíduos. Neste artigo, vamos focar a igualdade política.
Não nos iludamos: pensando a dominação entre nações, as big techs são também instrumentos estatais de poder. Achamos ilustrativo o diálogo do então ministro da Justiça Flávio Dino, em 2023, com representantes dessas grandes empresas.
O Brasil enfrentava uma onda de ataques a escolas, e se discutia o papel das redes sociais. Já era consenso entre os estudiosos a importância de não exibir imagens e nomes de autores desses ataques — pois isso funciona como estímulo para outros episódios —, mas as advogadas do Twitter (atual X) insistiam que os termos de uso da plataforma não permitiam essa medida. Eis o que ouviram do ministro:
— Não estou preocupado com os termos de uso dos senhores. (...) Nós não vamos deixar uma epidemia de assassinatos nas escolas por causa dos termos de uso do Twitter. Não são os senhores que interpretam as leis no Brasil.
Esse é, sim, um caso de dominação de grandes corporações sobre pessoas e Estados nacionais. E a inteligência artificial é a nova atualização dessa dominação. A IA é intuitiva, como tudo nesse mundo tecnológico, mas é também relacional e envolve confiança, reconhecimento e acolhimento. Se pensarmos IA como uma equação, talvez seja “algoritmo + dados + afeto = poder”.
Por isso, junto aos avanços tecnológicos, palavras como transparência algorítmica, regulação, governança e soberania entraram no foco dos estudiosos. E aí — quem diria? — eles já não olham apenas para computadores superpoderosos e jovens de moletom, mas também para experiências democráticas, incluindo o Orçamento Participativo (OP). Inventado em Porto Alegre (RS) e mundialmente reconhecido, o OP foi apontado como inspiração de co-governança pela edição 138 da Harvard Law Review, uma das revistas mais prestigiadas do mundo na área do Direito. O OP permite que cidadãos debatam e definam onde investir parte do orçamento da cidade.
Como afirma o capítulo 3 da revista de Harvard, “a inteligência artificial está prestes a mudar o mundo: todos sentirão seu impacto. E, se for assim, todos deveriam ter um papel na sua governança.” É assim que podemos encarar a dimensão da igualdade política que havíamos mencionado anteriormente.
Enfim, nesse mundo cada vez mais tecnológico, as inovações políticas e sociais são, muitas vezes, tão importantes quanto as inovações digitais. Ou até mais.

Nilo Lima de Azevedo é doutor em Sociologia Política e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.
Bruna Marcelle Bastos Dias Marinho, doutora em Sociologia Política e Pós Doutoranda no Programa de Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Tauã Lima Verdan Rangel é doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF), pós-doutor em Sociologia Política (UENF) e pós-doutorando em Políticas Sociais (UENF)

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