Um Arquivo único que querem fazer de ordinário
11/11/2024 | 10h01



Talvez o atraso nas obras do Arquivo Público Municipal de Campos não seja culpa da Uenf. Aliás, devemos penalizar, quando há dolo, as pessoas à frente das instituições; e não a institucionalidade. Mas toda essa história tragicômica talvez mostre a cara de alguns outros vilões.

Mas antes de apresentá-los, é preciso fazer algumas ponderações históricas.

O Arquivo de Campos nasceu de uma iniciativa legislativa, em maio de 2001, proposta pelo então vereador Edson Batista. Na ocasião, a Uenf havia começado a preparar um solar do século XVII, em Tocos, para abrigar sua escola de cinema. A ideia não deu certo — havia uma dificuldade de preenchimento de vagas dos docentes e uma cultura de produção e comercialização cinematográfica teria que ter certa aceitação na região. Com a descontinuidade, esse prédio, o Solar do Colégio, ficaria novamente abandonado, apesar de sua importância. E para aproveitá-lo, o Arquivo nasceu ali, como Campos, na Baixada.

Como o nome sugere, se tratava de um solar jesuítico. Foi construído para impor religião e a “domesticação” indígena, essencialmente. Após a expulsão da Companhia de Jesus dessas terras, em 1759, a edificação é vendida a Joaquim Vicente dos Reis por 187 contos 953 mil réis. Depois, Sebastião Gomes Barroso, genro de Joaquim, cria ali um grande engenho de açúcar.

O Solar do Colégio e o Solar dos Airizes (às margens da BR-356) são representantes fiéis de como Campos e a região se constituíram: enormes fazendas, plantações de cana-de-açúcar e escravidão. As fazendas eram centros de serviços públicos, havia hospitais e maternidades, escolas e amontoados de casebres que formavam pequenas comunidades.

O centro urbano de Campos crescia sustentado pela plantation, e queria a todo custo ser o Rio de Janeiro, ou qualquer cidade europeia. Cafés, livrarias, hotéis e teatros eram frequentados por motivo de status, não de cultura. Os preços das commodities eram definidos nos cafés e os teatros apresentavam musicais enlatados vindo do Rio.

Pois bem, Campos acabou se tornando uma cidade de costas para sua história, querendo ser o que não era e consumindo cultura alheia. Havia alguns elementos culturais orgânicos, que vinham principalmente da baixada. Até de costas para o rio Paraíba Campos está.

Parte significativa dessa história está no Arquivo Público. Jornais, documentos de tribunais, cartas testamento, registros de nascimento e morte, comprovações dos movimentos revolucionários contra a Coroa Portuguesa, cartas de fundação das primeiras Câmaras, e toda sorte de atrocidades registradas em comercialização de seres humanos advindos da diáspora africana.
Citei o Airizes acima por ele também ser um estorvo para a maioria dos campistas — algo a ser demolido para dar espaço a algum condomínio.

Há pouco mais de entrei no Solar e vi no fundo de um cômodo algumas dezenas de sacos de lixo. Eles encobriram milhares de fotos, documentos, obras de arte, mapas, livros e correspondências pessoais dos antigos moradores. Certamente, muito a ser contado dali, caso o destino não fosse a fogueira.

Além desse acervo recente, o que havia de valioso (valor histórico, cultural e financeiro) foi vendido para um museu em Niterói e para a USP. O geógrafo e escritor Alberto Lamego, proprietário do Solar dos Airizes e garimpeiro desse acervo, era visto com desconfiança pelos campistas, que achavam que era tudo falso e sem valor, mas o Solar era constantemente visitado por gente como Oswald de Andrade.

Mas o assunto aqui é o Solar do Colégio e o Arquivo Público. E os vilões.

A Uenf recebeu R$ 20 milhões há quase três anos para restaurar o prédio e fazer a digitalização do acervo. Além de oferecer as mínimas condições de funcionamento e visitação de ambos. Por diversas desculpas, uma parte minúscula do dinheiro foi aplicado, e o Solar continua sob risco, assim como o acervo que guarda.

A Uenf não tem expertise para tocar uma obra dessa complexidade, e não faz parte de sua atividade fim fazer intervenções em patrimônios históricos. E ao que parece, a aceitação da missão aconteceu sem ouvir a universidade e seu Conselho. Mas o fato é que aceitou. E também é fato que a lei que rege o Fundo Especial da Assembleia Legislativa, de onde veio o recurso, exigia à época que fosse destinado a alguma instituição estadual ou federal.

Mas, ficam algumas perguntas.

Deveria a Uenf ter aceitado? Sim. O Solar do Colégio tem uma relação próxima e bela com a universidade, e tratar documentos históricos, possibilitando que eles sejam fonte de pesquisa, é algo que a Uenf deve zelar, além de ser uma universidade que nasceu para cooperar com a comunidade que está inserida.

Precisava de tanta burocracia? Sim. Trata-se de dinheiro público e de um patrimônio histórico de alta relevância. Além de abrigar um acervo inestimável. É preciso dar transparência, lisura e abertura ao processo. E contratar empresas de alto gabarito. E existem leis que regem com muita rigidez algo assim.

Demora tanto assim? Não. Há um leque enorme de excelentes empresas no Brasil que aceitariam essa obra, que participariam das licitações e entregariam algo sensacional em bem menos tempo. É possível licitar obra e projeto juntos, desde que cumpra-se alguns requisitos.

Devemos culpar a Uenf? Não. A universidade, enquanto sua institucionalidade, está prestando um serviço e precisa direcionar esforços de uma estrutura apertada e sem experiência em obras. Porém, gestores podem ser culpabilizados. Prioridades foram definidas e o Arquivo e Solar não estavam nelas. Se algo acontecer nesse período de chuvas, podem e devem responder pela letargia e omissão na aplicação de recursos públicos.

O Arquivo poderia estar no centro de Campos? Claro. Seria o ideal. Um Palácio da Cultura climatizado, acessível, com funcionários concursados tratando documentos antigos e catalogando os atuais, e com agendamento frequente das escolas. Mas além de ser utópico na realidade atual, perderíamos um local único, carregado de história, exalando educação patrimonial. Desistiríamos de particularidades excepcionais para aceitar algo ordinário, comum. Isso se o comum fosse existir, de fato.

Os vilões possíveis

E então chegamos aos vilões. O mundo real dificilmente é explicável pela dicotomia herói-vilão. Há uma zona cinzenta entre essas personas que é onde a maioria está. Talvez todos estejamos, instituições e pessoas.

Mas o descaso com o Solar do Colégio, dos Airizes e com o Arquivo é a metástase de um patologia que Campos arrasta através dos séculos. A culpa, caso seja possível definir, é de uma sociedade que quebrou os espelhos, que vive olhando para as sombras na parede da caverna.

Mas se há um verdadeiro vilão possível, está entre os que olham para a história, a entende, compreende sua riqueza, percebe a existência de um elemento extraordinário, que alia patrimônio e pesquisa, algo de potencial inexaurível, e diz que é melhor abandonar. “Deixa cair”; “não gosto de fulano e fulana, melhor que aquilo acabe”; “aqui é assim mesmo”.

Se há vilão possível, está em quem lava as mãos.
 
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Em seu aniversário UENF recebe pedidos de presente
18/08/2022 | 07h21
Reprodução
29 anos. A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) teve a primeira aula ministra em 16 de agosto de 1993. A universidade foi criada por um movimento orgânico, em Campos. Fruto de articulações e um conjunto de forças locais que buscavam uma instituição de ensino pública que olhasse para o interior. As primeiras comissões e grupos de trabalho criados contaram com intelectuais e acadêmicos campistas.
20 milhões. Esse foi valor conseguido em um acordo firmado entre Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ), Prefeitura de Campos e UENF, para o restauro do Solar do Colégio e para digitalização do acervo do Arquivo Público Municipal, abrigado no mesmo prédio. O Termo de Cooperação Técnica foi assinado em 19 de maio, no Palácio da Cultura.

100 dias. Esse é o tempo que a UENF ficou como responsável pelas obras no Arquivo Público, com os recursos em caixa.

136 dias. É o tempo que falta para acabar o ano de 2022, quando os 20 milhões correm o risco de voltar para a ALERJ.
Os Pedidos
O tempo, implacável, cobra que se inicie um novo ciclo quando um aniversário é comemorado. E que promessas sejam cumpridas. 


Na semana de comemorações da UENF, o presidente da CDL Campos, Edvar Jr., procura este espaço para intermediar um pedido de “presente” à universidade: “O aniversário é da UENF e eu que gostaria de pedir um presente; o restauro do Solar do Colégio e as intervenções no Arquivo Público”.

O jornalista Aluysio Abreu Barbosa, lembra no grupo de WhatsApp do seu blog Opiniões e do programa Folha no Ar, o aniversário da coordenadora do Arquivo, Rafaela Machado, nesta quinta-feira (18):

— Em meu nome e, quero crer, do grupo, os parabéns pelo dia de hoje à historiadora Rafaela Machado, que tem desenvolvido um trabalho digno de elogio à frente do nosso Arquivo Público Municipal, à espera de uma reforma com dinheiro já disponível e que parece não sair nunca.

Como resposta, a historiadora também pede esse “presente” à UENF:

— De fato, o maior presente será, acredito muito nisso, ver Arquivo e Solar receberem tão sonhada obra.

O “presente” pedido, não somente por Edvar, Aluysio e Rafaela, mas por todo campista que se preocupa com o patrimônio histórico e cultural da cidade, é justo. E a UENF, que foi a responsável pelo renascimento do Solar há 29 anos, precisa presentear a todos com aplicação dos recursos. Antes que a universidade comemore 3 décadas.
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Novela do Arquivo Público completa 90 dias
08/08/2022 | 03h27
Vinte milhões. Esse foi valor conseguido em um acordo firmado entre Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Prefeitura de Campos e Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), para o restauro do Solar do Colégio e para digitalização do acervo do Arquivo Público Municipal, abrigado no mesmo prédio. O Termo de Cooperação Técnica foi assinado em 19 de maio, no Palácio da Cultura.

O valor do acordo foi repassado na forma de duodécimos à Uenf, que ficou com a responsabilidade de realizar as intervenções no Arquivo. Em uma novela que se arrasta há mais de 90 dias, os recursos estão em caixa, à disposição da Universidade, porém sem ações efetivas até o momento. 
O Solar do Colégio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1946. Nos anos 1990, a própria Uenf realizou um restauro parcial, inicialmente para servir a uma Escola de Cinema. O projeto não foi concluído, e em 2001 o Solar foi adaptado para abrigar o Arquivo. O espaço — Solar e Capela do Engenho do Colégio — foi testemunha do processo de colonização campista, com construção iniciada em 1652, sendo sede da fazenda dos jesuítas.
Essa construção fortificada passou por dificuldades; não foi exceção em uma cidade que não soube cuidar do seu patrimônio histórico. Passou longos períodos de abandono, mas renasceu há duas décadas, quando abrigou a instituição de memória. 
Porém, são 20 anos sem manutenção devida, o que pretende ser corrigido com o acordo atual. Para as obras serem executadas é preciso autorização do Iphan. “Autorizada o desenvolvimento do anteprojeto de Restauro do Solar do Engenho do Colégio. Agora, o Iphan aguarda o interessado encaminhar o anteprojeto completo e os projetos executivos", disse o órgão em consulta recente. 
Feijoada da Folha
Na tradicional feijoada da Folha da Manhã, neste domingo (7), André Ceciliano, então presidente da Alerj na assinatura do acordo, Rafaela Machado, coordenadora do Arquivo e Edvar Jr., presidente da CDL, tiveram um encontro, e as obras no Solar do Colégio foi o assunto principal.  
O que diz a Uenf
Embora haja sinalização do Iphan para aprovação das obras, e autorização já concedida para intervenções emergenciais — principalmente no telhado, sua área mais sensível —, a Universidade alega a necessidade de realização de processo licitatório para o seu início. 
Desde a assinatura do acordo, em maio, a Uenf não deu andamento significativo na licitação. De acordo com representante da Universidade, faltariam documentos a serem enviados pela prefeitura, para que fosse atendidos aos preceitos da Lei de Licitações. 
No último dia 05 de julho, a prefeitura encaminhou os documentos, conforme demonstra documento protocolado pela Reitoria. Segundo fonte da prefeitura, não haveriam outros procedimentos para o início do processo licitatório, o que dependeria exclusivamente da Uenf. 
O Blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbora, publicou (leia aqui) o acordo em outubro de 2021, onde a Uenf já teria ciência de sua responsabilidade com a assinatura do acordo. 
O fato é que o risco de incêndio, vazamentos, e deterioração do acervo por climatização inadequada, continuam presentes no Solar do Colégio. A instituição que guarda elementos essenciais para compreender a história de toda região — e do Brasil —, segue possuindo recursos para a salvaguarda correta, mas não recebe intervenções por inércia de quem ficou responsável pela aplicação. 
A Uenf persiste em manter-se alheia ao senso de urgência necessário na questão. E pode passar de uma postura responsável de aplicação de recursos, exigindo a licitação, para uma posição de demora injustificada. 
Os recursos parados podem ser uma dor de cabeça ainda maior à Universidade, caso continuem desse modo. Existem muitos motivos para exigir a aplicação correta, mas pela falta de ação e em caso de perda dos recursos, vão ser precisos 20 milhões de justificativas. 
Coordenadora do Arquivo, Rafaela Machado e o prefeito Wladimir Garotinho, em visita recente à instituição.
 
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Arquivo Público de Campos em pauta na Alerj nesta quarta
10/11/2021 | 03h50
Wladimir Garotinho e o projeto de restauro do Solar do Colégio, construção de 1652 que abriga o Arquivo Público de Campos.
Wladimir Garotinho e o projeto de restauro do Solar do Colégio, construção de 1652 que abriga o Arquivo Público de Campos. / Reprodução de rede social
Símbolo da história e da memória de Campos e região, o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho foi pauta de reunião nesta quarta-feira na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), com a presença do prefeito Wladimir Garotinho e Raul Palacio, reitor da Uenf. O objetivo do encontro foi a apresentação do projeto de restauro do prédio do Arquivo e a digitalização do seu acervo.
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No último dia 29, Wladimir informou ao Blog Opiniões da Folha1, do jornalista Aluysio Abreu Barbosa (veja aqui), a existência de acordo firmado com o presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT) no valor de R$ 20 milhões, valor que será repassado na forma de recursos duodécimos à Uenf para as intervenções no Arquivo. As obras serão executadas em conjunto, com todas as instituições envolvidas — Arquivo, Uenf, Alerj e Prefeitura.
Na reunião de hoje foi apresentado o projeto à Alerj e ajustados os detalhes para o repasse dos recursos. O projeto é fruto de Termo de Cooperação Técnica com a Sociedade Artística Brasileira (Sabra), firmado em agosto deste ano, e da construção e dedicação da equipe do Arquivo de Campos.
Nas redes sociais Wladimir disse, ao lado de Raul, e debruçado sobre a planta do Solar do Colégio — construção secular que abriga o Arquivo: “isso aqui é um sonho!”.
— Foi uma excelente reunião onde apresentamos o projeto e as expectativas em relação à parceria entre as três Instituições. Vamos continuar trabalhando para a execução do projeto — disse ao blog o reitor da Uenf, Raul Palacio.
O Solar do Colégio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1946, e nos anos 1990 foi parcialmente restaurado pela Uenf para servir à Escola de Cinema. O projeto não foi concluído, e em 2001 o Solar foi adaptado para abrigar o Arquivo. O projeto atual já possui trâmite no Iphan, que precisa autorizar qualquer intervenção na construção histórica tombada. O espaço — Solar e Capela do Engenho do Colégio — foi testemunha do processo de colonização campista, com construção iniciada em 1652, sendo sede da fazenda e engenho dos jesuítas.
A restauração do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho representa um alívio para quem se preocupa com a cultura e a preservação do patrimônio histórico em Campos, principalmente em tempos de perdas como as ocorridas com os incêndios do Museu Nacional, no Rio de Janeiro em 2018, e da Cinemateca em São Paulo, neste ano.
Instituição que carrega registros significativos de toda região Norte Fluminense, o Arquivo de Campos é considerado por historiadores e pesquisadores como uma “jóia” incrustada na baixada campista, região da origem do município.
Com 20 anos de atuação o órgão foi criado por lei, de autoria do vereador Edson Batista. Com idas e vindas do destino, o mesmo parlamentar, voltando para a Câmara nesta legislatura, foi autor de indicação legislativa para a criação de Fundo Municipal para conferir autonomia orçamentária e de gestão ao Arquivo. Aprovada por unanimidade na Câmara de Vereadores, a proposta já foi analisada pela procuradoria do município e transformada em Projeto de Lei, assinado pelo prefeito, que deve ser apreciado novamente pelo legislativo nas próximas sessões. A expectativa é de aprovação novamente com concordância de todos edis.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com