Um museu de vaidades
05/03/2023 | 09h34

O Museu Olavo Cardoso é uma casa. É, sim, um relevante equipamento cultural de Campos dos Goytacazes, mas é apenas uma casa na área central da cidade. Pertence à municipalidade por ter sido doada em testamento, assim que morresse seu último herdeiro, pelo usineiro que batiza a instituição museística.

A ideia de Olavo era que sua residência servisse como um local de preservação da memória e da história de Campos. Não conseguiu. Apesar de sua boa intenção, o museu-casa está abandonado há anos. No final de 2020, um caminhão baú levava boa parte do que havia sobrado no Olavo Cardoso, mas não era para restauro ou alguma exposição; criminosos furtavam a mobília, livros, quadros, peças de arte, objetos de decoração e itens históricos de alto valor.
Museu Olavo Cardoso em nova tentativa de furto
Museu Olavo Cardoso em nova tentativa de furto / Reprodução

Ontem, sábado (4), o Olavo Cardoso sofreu outra ação criminosa. Dessa vez os alvos foram as estruturas de ferro que compõem o entorno da casa, que ainda estão gradeando o belo jardim, e que o deixam visível para quem transita pela rua dos Goitacazes e pela avenida Sete de Setembro. Durante a tentativa, os golpes de marreta dos bandidos foram impedidos por uma equipe de policiais militares que faziam a ronda pelo local, impedindo que um novo furto acontecesse.

Campos tem uma longa — e trágica — história de descaso com seus patrimônios. Explicado por vários motivos, mas que destacam-se a vontade frustrada de ser capital do Estado do Rio de Janeiro, processos de modernização cafonas e superficiais, distanciamentos propositais da população campista de sua história e de suas origens rurais, ausência histórica de um projeto de educação patrimonial e problematização dos processos de exploração humana que construíram a cidade, e por uma característica usual dos personagens que sempre estiveram envolvidos com a questão cultural em Campos: a vaidade.

O antigo Cine Teatro Trianon, com suas galerias que lembravam o Municipal, do Rio, veio ao chão para que desse lugar à uma agência bancária. O prédio da antiga Santa Casa de Campos, na praça São Salvador, da Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens, com sua emblemática Roda dos Expostos, transformou-se em ruínas para que um estacionamento fosse instalado. O Hotel Flávio, também no centro, palco de importantes acontecimentos, foi consumido pelo fogo há pouco tempo. Tudo isso sob muitos olhares inertes e inexplicavelmente vaidosos.


Hoje, ano 23 do século XXI, o Olavo Cardoso agoniza, totalmente abandonado, com ruína iminente. O Solar dos Airizes, importante construção de valor nacional, às margens da BR 356 (Campos x São João da Barra), apresenta a mesma situação. Ambos, de total responsabilidade da prefeitura. O primeiro por pertencimento, o segundo por decisão judicial com trânsito em julgado.

.
.
Mas eles possuem uma diferença fundamental: o Solar dos
Airizes é um enorme Solar do século XIX, de restauro extremamente dispendioso. Já o Olavo Cardoso é apenas uma casa. Não há justificativa para que esteja nessa situação. Sua reforma (em princípio não há necessidade de restauro) é uma bagatela para a realidade do erário público de Campos e seu uso pode ser definido de diversas formas pela sua localização central. Além disso, projetos para captar recursos de leis de incentivo não são complexos para o Museu-Casa Olavo Cardoso.

Em uma cidade que gasta 100 milhões de reais em um sambódromo que nunca foi usado devidamente — outra prova inequívoca de cópia sem razão de ser da capital —, e que outros bilhões já passaram pelos seus cofres,  precisa repensar como cuidar de seu patrimônio histórico-cultural.
Vale lembrar que outro elefante branco definha em plena Pelinca: o Palácio da Cultura. Essa construção, assim como o novo Trianon, poderiam perfeitamente compor um programa de parceria com a iniciativa privada, através de concessões responsáveis e condizentes com usos culturais, para que o Olavo Cardoso e o Solar dos Airizes pudessem ser ocupados por órgãos públicos de cultura e educação, que promovessem eventos e abrigassem políticas públicas dessas áreas.

O que não é possível, é que continue assim.
Comentar
Compartilhe
Um Solar indo para o brejo
15/05/2022 | 10h05
 
Solar dos Airises, construção histórica e residência dos Lamegos, às margens da BR-356, que encontra-se há décadas em situação de abandono e ameaça de ruína, pode finalmente ser restaurado por força de decisão judicial e parceria com sociedade civil. História, valor cultural, decisão judicial, estado atual, a palvara do Iphan e uma entrevista exclusiva com a Sabra.
15.mai.2022 às 22h00
____________

Alberto Ribeiro Lamego, geólogo e escritor brasileiro importante, nasceu em Campos, no ano de 1896. A casa de sua família, onde morou até seus 10 anos — quando foi estudar na Europa, retornando após o fim da Primeira Guerra —, era um Solar majestoso.

O jovem Lamego, passeando pelos corredores da construção feita em “U”, conseguia ver o Paraíba pelas janelas em arco dos grandes salões, percorria um enorme biblioteca e pinacoteca, descia para uma bela Capela do pavimento inferior e podia ver que, nas terras da fazenda, não possuíam mais pessoas escravizadas, embora incomodava-se com a persistente situação de exploração.

João Pimentel - Campos dos Goytacazes em Fotos
O Solar dos Airises, quando ainda completamente de pé, abrigou a família Lamego desde que ele foi herdado com a morte do Comendador Cláudio Couto e Souza — quem construiu o Solar em meados de 1840. A residência de Alberto Lamego foi visitada pelo imperador (D. Pedro II, no final dos anos 1800), por escritores, políticos e artistas do Brasil inteiro.
Pai e filho Lamego eram homens cultos e produziram vasto acervo cultural, seja em livros de suas autorias, seja em obras de arte ou documentos trazidos do velho continente sobre Campos dos Goytacazes. O Solar não foi relevante por sua imponência arquitetônica, ou localização privilegiada, apenas. A vida que existia no seu interior conferia a sua real grandeza, a ponto dele ter sido frequentado por poetas como Mário de Andrade, um dos fundadores do modernismo no Brasil. Entre as obras literárias mais emblemáticas do Lamego Filho está “O Homem e o Brejo”.
O Solar e o Brejo

Veja primeira publicação jornalística sobre o processo que envolve o Solar aqui: Uma Verdade Solar

 
Os tempos de glória deram lugar a um período de ruínas. A “meca dos campistas” — apelidado assim pela intelectualidade goitacá da época — deu lugar a escombros, vazios e lendas. Moradores do entorno juram terem visto, mais de uma vez, um espectro feminino abrir e fechar as janelas do Solar. Alguns dizem ser a escrava branca, de nome Isaura, personagem do escritor Bernardo Guimarães e tema de telenovela da rede Globo.
João Pimentel - Campos dos Goytacazes em Fotos
A comprovação de que o Solar foi morada de Isaura nunca apareceu. Historiadores nunca conseguiram comprovar o que não passou de uma lenda. Assim como as gravações da novela, que teriam acontecido no local, mas que nunca foram, igualmente, confirmadas — as locações teriam sido em Conservatória e Vassouras.
O que se confirma a olho nu é o estado atual do Solar dos Airises. Com parte da construção já no chão, esquadrias e paredes deterioradas, permanece erguido por ter recebido intervenções no telhado há alguns anos. Com história e enorme potencial para voltar a ter uso e servir de equipamento cultural e de educação patrimonial, e turístico, muitos projetos permeiam o Solar. Dentre os mais falados, a criação de um “Museu do Açúcar” que pudesse contar a história, como foi, da exploração dessa atividade econômica na região.
Apesar de tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a pedido do próprio Lamego em 1940 — caso raro de solicitação de tombamento feita pelo proprietário —, e com precarização visível por quem passa pela BR-356, a caminho de Atafona, o Solar agoniza. Assim como parte do acervo que ainda se encontra sob sério risco, em interior.
A pinacoteca e grande parte das obras literárias e documentação, foram vendidas por Alberto Lamego (pai) para o Museu Antônio Parreiras, em Niterói, onde estão até hoje. Alguns itens, principalmente documentos de origem portuguesa sobre Campos, estão na Universidade de São Paulo (USP).
Museu Antônio Parreiras - Niterói
Com os projetos sem andamento definitivo e a ausência de obras de contenção no local, parte relevante da história recente de Campos e região — e também do país — ameaça desaparecer,em pouco tempo.
O que diz a justiça e o Iphan
Reprodução
O restauro de uma construção como o Solar dos Airises é dispendioso, complexo e demorado. Impor aos herdeiros a conservação do prédio parece ser inviável e se mostra, na prática, o caminho mais rápido para a ruína total. Ao Iphan, cabe a aplicação de multas e o acompanhamento dos bens tombados no país inteiro. No caso do Solar dos Airises, o processo 01450.001244/2022-98 traz os atos do órgão que pode ser consultado por qualquer cidadão.
Apesar do aparente impasse, a legislação (Decreto-lei nº 25, de 1937) que regula os tombamentos é clara: “O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras” e diz ainda que “consideradas necessárias as obras, o diretor (do Iphan) mandará executá-las, a expensas da União”. E dá prazo para o início das obras: seis meses.
A justiça, através do Ministério Público Federal (MPF), mostrou reconhecer essa situação e cumpriu sua parte. Ao menos, até a conclusão do processo judicial, que tramitou na 2ª Vara Federal de Campos — o processo foi redistribuído recentemente para a 1º Vara. Já com sentença declarada, com trânsito em julgado, quando não cabe mais recurso, ficou definido que a Prefeitura de Campos é a responsável pelo restauro e manutenção do Solar, sendo cedido ao ente municipal, assim como o entorno. E deu prazo para as obras: imediatamente.
Apesar da decisão, a execução da sentença ainda não aconteceu. A prefeitura foi notificada e pediu prazo para cumprimento. Consultado sobre o assunto, o Iphan comentou, através da assessoria de comunicação, sobre o andamento do caso Airises.
“É importante apontar sobre a necessidade de ações de manutenção e conservação emergenciais já sinalizadas ao proprietário ou responsável do Solar dos Ayrizes, em diversas manifestações do Iphan anteriores ao presente documento”, disse o Iphan, em Brasília.
Informa ainda que há projeto de restauro “analisado e aprovado” dentro do órgão. O “pedido de reforma simplificada do Solar do Ayrizes e intervenção emergencial para o bem cultural” foi feito pela Sociedade Artística Brasileira (Sabra), uma associação civil e captadora de recursos, sem fins lucrativos, com sede em Betim, Minas Gerais.
A Sabra atualmente também figura como parceira da execução do restauro de outro prédio importante de Campos, igualmente tombado pelo Iphan: o Solar do Colégio, que abriga hoje o Arquivo Público Municipal. Com recursos já em caixa — conseguidos através do governo municipal atual, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e Assembleia Legislativa Estadual (Alerj) —, as obras foram prometidas ainda para este ano.
O que diz o prefeito
No programa "Pílulas da História" (veja aqui), produzida pela equipe do Arquivo Público Municipal, publicado há cerca de cinco meses, o prefeito Wladimir Garotinho, disse que recebeu "uma decisão muito forte da justiça", reconhecendo a possível improbidade, caso não realize a restauração. 
O atual prefeito afirmou que "colocou no orçamento para os próximos anos" os recursos necessários, para "pelo menos iniciar a obra". E cita o convênio com a Sabra. Wladimir disse que aguarda o projeto chegar às suas mãos e que busca outros parceiros para ajudar nas obras de restauro. Sobre um possível futuro uso para o Solar, ele expõe sua preferência para servir com um "Museu do Açúcar", o que é corroborado pela apresentadora do programa e coordenadora do Arquivo, Rafaela Machado. 
Finalizando a entrevista, o prefeito disse que é um "sonho" restaurar o Airizes, e quando existe um sonho é preciso "correr atrás" para realizá-lo.
Uma esperança solar – entrevista exclusiva com a Sabra
Agindo na omissão de décadas do poder público local e instituições campistas, uma associação de Minas Gerais prontificou-se a salvar algumas de nossas construções mais relevantes.
Márcio Miranda, presidente da Sabra, concedeu uma entrevista exclusiva sobre as ações que pretende empreender em solo Goytacá. Representando uma entidade que busca recursos públicos através de editais e leis de incentivo para agir em prol da cultura, Márcio fala sobre o Solar dos Airises, e como a esperança que vem de outro Estado pode ajudar a trazer de volta o uso e a vida desse marco da história fluminense:
Edmundo Siqueira - Segundo informações, existem três projetos em andamento em Campos que a Sabra estaria envolvida: restauração do Solar do Colégio, onde funciona o Arquivo Público Municipal, restauração do Solar dos Airizes, na BR-356 e um pré-projeto no Museu Olavo Cardoso. Em quais desses patrimônios a Sabra está diretamente responsável pelo projeto? Existem outros ainda em estudo?
Sabra - Na verdade, estamos envolvidos nos três. Mas, o projeto do Museu Olavo Cardoso terá início nos próximos dias. Não temos outros em estudo ainda. Nosso foco está em finalizar estes três para que a Prefeitura, em seguida, indique os próximos a serem trabalhados.
Especificamente sobre o Solar dos Airizes, as intervenções são urgentes. A construção apresenta sério risco de ruína e obras de contenção são necessárias, antes mesmo da execução do projeto de restauro. Assim como o Colégio, o Airizes tem tombamento federal, pelo Iphan, o que exige, mesmo para contenções, autorização daquele órgão. Como está o andamento das tratativas para o restauro do Airizes? Já foram escolhidas as equipes que atuarão no projeto? Existe previsão das obras de contenção para evitar a ruína do prédio?
Reprodução Rede Social
Sabra - Temos a aprovação pelo IPHAN de nosso projeto para a intervenção emergencial no Solar dos Airizes há uma semana (a entrevista foi concedida no último dia 5). As equipes só podem ser escolhidas após contratação dos serviços, pois os profissionais não podem ficar aguardando por tempo indeterminado. Acontecendo a contratação, sabemos onde buscar as equipes. Não temos previsão para início das obras. Isso está à cargo do poder público.

Sabemos que o tombamento abrange o prédio e seu entorno. Apesar de possuir enorme valor histórico-cultural para o país, não só para Campos, encontra-se em total abandono pelos proprietários, onde figuram os herdeiros da família Lamego. Porém, existe processo jurídico, com trânsito em julgado, repassando a responsabilidade da conservação à Prefeitura de Campos. Caso o projeto que a Sabra desenvolve ali esteja em estágio avançado, existem ações jurídicas, pela Sabra, já em andamento ou previstas, com objetivo de fazer cumprir a decisão judicial?
Sabra - Pelo que temos acompanhado, o prefeito está tomando todas as medidas para cumprir a decisão judicial. O Solar dos Airizes já está com decreto de utilidade pública e a prefeitura está tramitando o processo de desapropriação. Todas as tratativas da Sabra com Iphan estão sendo apresentadas no processo judicial demonstrando que o projeto emergencial já está aprovado, e que nossa equipe técnica e a própria Prefeitura estão trabalhando para solucionar a questão. Entretanto, não cabe à Sabra qualquer movimento jurídico. Estamos aqui para atender aos anseios da Prefeitura de Campos sobre bens tombados.
Lamego, o brejo, a escravidão, a terra Goytacá e a esperança dos Airises
Uma construção histórica que carrega esse peso em suas paredes, não apenas precisa ser conservada, mas também é necessário que lhe seja conferido uso. As várias ideias que surgem para que o Solar dos Airises volte a existir, de fato, precisam convergir e caminhar conjuntamente com a execução das obras e da decisão judicial.
Com inequívoco apelo cultural em seu uso e restauro, reviver o Solar passa por políticas públicas culturais bem estruturadas. A criação de um Museu, ou centro cultural e educacional, precisa ser acompanhada de projeto para que conceda acessibilidade, e que seja sustentável, sob pena de novamente “ir para o brejo”.
O Solar dos Airises não conta apenas histórias bonitas e repletas de cultura e erudição. Ele nos mostra como foi feita a exploração desta planície, localizada no Norte Fluminense, suas relações econômicas, o papel institucional e político das grandes fazendas do período e a permissividade com a escravidão. A educação patrimonial que traz o Solar é fundamental para entender a sociedade campista.
Deixar que o Solar vire apenas uma lembrança, e que venha a ruína definitiva, impede não apenas o uso da construção material, mas dificulta ainda mais que o conhecimento produzido e reproduzido pelos pesquisadores da família Lamego, pai e filho, volte ao local de origem, ou pelo menos acessível aos campistas. À margem do rio Paraíba, a caminho de Atafona, o Solar dos Airises ainda resiste. Não se sabe até quando.
João Pimentel - Campos dos Goytacazes em Fotos






 
Comentar
Compartilhe
17 de Agosto: Campos pode comemorar o Dia do Patrimônio Histórico?
17/08/2021 | 08h35
A situação atual dos principais patrimônios materiais históricos em Campos, as promessas de restauro e veja quais construções são tombadas por órgãos federais e estaduais.
Um dia como hoje, em um 17 de Agosto de 1898, nascia Rodrigo Melo Franco de Andrade, o primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O advogado, jornalista e escritor — e pai do Iphan — foi um grande defensor da memória brasileira, e se tornou o maior responsável pela consolidação jurídica do tema ‘Patrimônio Histórico Cultural’ no Brasil. Em sua homenagem, hoje se comemora o Dia Nacional do Patrimônio Cultural.
Campos dos Goytacazes é uma cidade histórica. Eleva-se a essa categoria em 1835, mas é reconhecida como uma importante Vila do Império já no século XVII. Um conjunto de construções foi erguido por esse processo colonizatório — e também de invasão e eliminação cultural dos povos originários. Edificações que contam sobre os ofícios, lugares, modos de fazer, saberes, celebrações e expressões culturais transmitidos de geração a geração, construindo identidades, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade campista. E que ensinam, e portanto evitam, a repetição da tolerância dessa mesma sociedade à exploração de mão de obra escrava, desigualdade e miséria.
Algumas dessas construções foram reduzidas a cinzas, e a educação patrimonial que carregavam em seus muros, impedida de ser exercida. Alguns exemplos emblemáticos podem ser citados: o Cine Teatro Trianon — um dos mais belos teatros do Brasil, demolido para dar lugar a uma agência bancária —, o Cine Don Marcelo e o Coliseu, e a Santa Casa, grandiosa e altamente representativa, que veio ao chão para dar lugar a um estacionamento.
Antiga Igreja Mãe dos Homens e ao lado o Hospital Santa Casa de Misericórdia, em frente a Praça das Quatro Jornadas, início do séc. XX, restaurada e colorida Marcelo Carvalho - Arca Photovideo
Antiga Igreja Mãe dos Homens e ao lado o Hospital Santa Casa de Misericórdia, em frente a Praça das Quatro Jornadas, início do séc. XX, restaurada e colorida Marcelo Carvalho - Arca Photovideo
Outras tantas construções estão em situação de total abandono. O Solar dos Airizes, que foi residência de Alberto Lamego, vem perdendo esquadrias, portas e janelas a cada ano e tem sua ruína anunciada. O histórico prédio da Lyra de Apollo, no centro da cidade, de visível beleza arquitetônica, sofreu um incêndio nos anos 1990 e foi reconstruída pelo esforço da sociedade, mas continua em estado lastimável. O Solar da Baronesa, construído em 1844, que foi sede da Fazenda do Barão de Muriaé, também abandonado. O Hotel Amazonas, Hotel Flávio, e tantos outros a mercê do tempo e do desuso.
Veja a situação do Solar dos Airizes aqui.
Os bons exemplos: o patrimônio histórico precisa e sobrevive com seu uso
Não apenas de ruínas vive o patrimônio histórico em Campos.
O Solar do Colégio, mais antiga e maior construção histórica em alvenaria da cidade, construído pelos padres da Companhia de Jesus, no século XVII. Uma fortaleza erguida em Tocos, na mítica Baixada Campista, que resistiu aos séculos e ao abandono, até seu renascimento, há duas décadas, quando foi escolhido para abrigar o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. Hoje, além de cumprir a função de abrigar uma instituição pública essencial, é objeto de uma parceria entre a Sociedade Artística Brasileira (Sabra) e a Prefeitura de Campos que objetiva restaurá-lo com completo.
Veja mais sobre o Solar do Colégio aqui
O Solar do Visconde de Araruama, construção histórica no entorno da principal praça da cidade, que serviu de sede do poder público municipal e da Câmara de Vereadores no início do século XX, foi restaurado para abrigar o Museu Histórico. Hoje exerce suas funções com plenitude. O Arquivo e o Museu são equipamentos administrados pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL).
Veja mais sobre o Museu Histórico aqui.
A Casa de Cultura Villa Maria, construída em 1918, foi um presente a Maria Queiroz de Oliveira, que por sua vez a deixou, em testamento, à primeira universidade que viesse a instalar-se na cidade. E assim foi feito. Com a criação da Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), a Villa foi doada para que ali se instalasse a sua administração. Hoje, encontra-se preservada.
Há outros bons exemplos. Mas estamos longe de poder comemorar o Dia do Patrimônio. Em âmbito municipal, os tombamentos são feitos pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). Mas, com o potencial que Campos possui, e o retorno que a preservação — e uso — do patrimônio poderia trazer, é exigido que festejemos esse dia quando não mais permitirmos que construções de alto valor histórico, social, educacional e de memória afetiva sejam destruídos para se transformarem em estacionamentos.
Os 100 anos do Mercado Municipal
Foto: Ralph Braz
Foto: Ralph Braz
O Mercado Municipal de Campos — uma edificação de 1920 com arquitetura inspirada no conceito do Mercado de Nice, na capital da Riviera Francesa — foi tombado pelo Coppam. O mesmo órgão, porém, autorizou em 2014 que as obras propostas para seu entrono fossem iniciadas, que na prática o descaracterizava, uma vez que mantém sua fachada e lateral encobertas. Com a aprovação do Coppam as obras iniciaram, mas não foram concluídas. O que mudou com a decisão recente do desembargador Agostinho Teixeira, da 13º Câmara Cível, autorizando o reinício.
Veja mais sobre o marcado aqui e aqui.
Inaugurado em 15 de setembro de 1921, prestes a completar 100 anos, portanto, o Mercado de Campos foi construído para ser símbolo do progresso. Recebia mercadorias pelo Canal Campos-Macaé, uma das maiores obras de engenharia do Brasil no século XIX. O Mercado é um bom exemplo que o uso deve ser racional, para que o patrimônio possa exercer toda sua plenitude, e potencial econômico e turístico.
Veja quais Patrimônios Históricos são tombados pelo Iphan em Campos (disponível em http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126):
Solar e Capela do Engenho do Colégio – Tombado em 1946 – Atualmente abriga o Arquivo Público
Solar do Visconde de Araruama – Tombado em 1943 – Atualmente abriga o Museu Histórico.
Solar dos Airizes – Tombado em 1940 – Atualmente é objeto de decisão judicial transitado em julgado que o cede à prefeitura.
Solar da Baronesa de Muriaé – Tombado em 1974 – Atualmente encontra-se abandoando sem previsão de uso ou restauro.
Mosteiro de São Bento – Encontra-se em processo de "instrução" no Iphan - localiza-se no distrito de Mussurepe
Veja os Patrimônios Históricos tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) – disponível em http://www.inepac.rj.gov.br/index.php/acervo/detalhar/32/0:
Liceu de Humanidades (antigo Solar do Barão da Lagoa Dourada), na Praça Barão do Rio Branco n° 15 – Tombado em 1988 – Ainda abriga o Liceu de Humanidades.
Solar do Visconde de Araruama, na Praça São Salvador nº 40, Lira do Apollo, na Praça São Salvador nº 63, Hotel Gaspar, na Praça São Salvador nº 30, Hotel Amazonas, na Rua Barão do Amazonas nº 58, Coreto na Praça Barão do Rio Branco – Tombados provisoriamente em 1987.
Canal Campos-Macaé, trechos 1,2,3,4 em Campos dos Goytacazes – Tombado em 2002.
Prédio do Colégio Estadual Nilo Peçanha, situado à Rua Dr. Lacerda Sobrinho, n°119 – Tombado em 2003.
Praça do Santíssimo Salvador, esquina da Rua 21 de Abril
Praça do Santíssimo Salvador, esquina da Rua 21 de Abril / Amicampos

 
 
 
 
 
 
Comentar
Compartilhe
"Estamos focados na cultura" - Entrevista com o vereador Edson Batista
15/07/2021 | 03h04
A principal motivação de uma pessoa pública deve ser — ou deveria, em uma sociedade com preceitos éticos bem desenvolvidos — a possibilidade de deixar legados. Por legado, aqui, leia-se transformação, mudanças deixadas no mundo, que passa a ser outro depois da ação daquela pessoa. As decisões, deliberações e escolhas tomadas no presente — e as consequências imaginadas no futuro — , determinam a qualidade de um legado, que deve ser sempre coletivo quando tratamos de pessoas investidas em cargos públicos.
Hoje (14), o recém-empossado vereador Edson Batista (veja mais aqui), visitou um de seus legados. O Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, que foi criado por uma lei (7.060/2001) de sua autoria, recebeu o vereador e mostrou o serviço de excelência que realiza, com muito esforço, dada a equipe reduzida (veja mais aqui). Além do Arquivo, Edson criou, quando exerceu a presidência da Câmara de Vereadores (2013-2016), a TV Câmara Campos, a Escola Municipal do Legislativo (Emugle), O Bonde da História - Estação Câmara, o Corredor Cultural, o Centro de Documentação Audiovisual (Cedav), a Editora Câmara Campos e a Biblioteca Campistana.
Deixou um relevante legado na área cultural — inegavelmente. Não o fez sem entender que legados também se constroem sendo um potencializador de inciativas e garantidor ou facilitador de um trabalho de excelência. E no cumprimento de pactos. Hoje, no Arquivo, Edson Batista selou outro pacto para cumprir neste mandato, que chama de “último”. Na entrevista, reproduzida aqui, ele fala sobre Arquivo, papel da Câmara como agente da área cultural, e outros compromissos. Caso consiga cumpri-los — como já demonstrou ser possível —, deixará novos legados, e onde o potencial transformador é maior: na cultura.
Confira a entrevista com o Vereador Edson Batista:
Edmundo Siqueira - Dr. Edson, o senhor teve uma atuação na Câmara de vereadores marcada por ações culturais relevantes, muito elogiadas, e que permanecem até hoje. Posso citar o Arquivo Público, uma instituição de excelência, que foi criado através de uma Lei do senhor. Nessa nova legislatura, a cultura será o foco principal?
Edson Batista - Sim, estamos focados na Cultura. Temos um olhar especial pela Cultura. Deixamos alguns legados como vereador e, em especial, como presidente por duas legislaturas, em especial na área cultural. Como você citou, sou autor da Lei de criação do Arquivo Público Municipal, que foi instalado no Solar do Colégio, que foi cedido pelo estado à época governado pelo Anthony Garotinho. Como presidente da Câmara, na área cultural criamos o Corredor Histórico e Cultural com bustos e estátuas de vultos históricos de Campos, onde estudantes visitavam o espaço a aprendiam sobre a nossa história. Criamos a TV Câmara Campos e a colocamos em sinal de TV aberta. Para a TV Câmara Campos produzimos documentários sobre os vultos históricos de Campos, que foram premiados na Associação de Televisões e Rádios Legislativas (Astral). Os vultos históricos também ganharam livretos e DVDs que foram distribuídos entre os estudantes que assistiam às sessões de exibições dos vídeos no plenário da Câmara. Conseguimos a aprovação do projeto da Rádio Câmara Campos. Criamos o Parlamento Mirim, que foi premiado na Câmara dos Deputados em Brasília entre 600 Câmaras de todo o Brasil com um projeto sobre Audiovisual. Enfim, são muitos projetos na área cultural.
Edmundo Siqueira - Ainda sobre o Arquivo, é necessário para que ele cumpra seu papel plenamente - previsto na Constituição Federal e na Lei de Transparência, obrigatória, portanto, aos municípios - a desvinculação dele da condição de departamento e passe a ser uma Instituição da administração pública direta. Qual o caminho para isso?
Edson Batista - Entre as novas missões, junto com o prefeito Wladimir Garotinho, estamos pensando em transformar o Arquivo Público Municipal em uma fundação para que possa receber investimentos federal e estadual, além do municipal, para a digitalização do acervo do Arquivo Municipal, conservação do prédio e realização de cursos.
Edmundo Siqueira - O senhor também foi determinante na criação da Emugle (veja aqui). Como está esse equipamento hoje? Ele será usado para políticas públicas culturais novamente?
Edson Batista - A Escola Municipal de Gestão do Legislativo (Emugle), criada na minha administração como presidente da Câmara, foi premiada em nível nacional em 2015 pela Associação Brasileira de Escolas do Legislativo (ABEL) nas categorias melhor portal e melhor ensino à distância. Na Emugle foram realizados cursos do Arquivo Público Municipal, de Paleografia e Restauração de Documentos, com a historiadora e atual coordenadora do Arquivo, Rafaela Machado, e equipe. O atual presidente da Câmara, Fábio Ribeiro, está empenhado em reestruturar a Emugle e utilizá-la para a função a qual foi destinada, que é a qualificação de servidores municipais, inclusive na área cultural.
Edmundo Siqueira - Podemos citar o corredor cultural na Câmara, onde alguns vultos históricos são apresentados. Muitos deles vinculados a patrimônios materiais e imateriais que temos. Como a Câmara pode ajudar na preservação dos Solares e prédios históricos?
Edson Batista - Quando presidente da Câmara visitamos os solares de Campos, que precisam realmente ser preservados e restaurados. No caso específico do Solar do Colégio quando o Arquivo Municipal for transformado em fundação vai poder receber recursos para a restauração do prédio.
Edmundo Siqueira - Politicamente, como o senhor pretende construir uma ponte entre legislativo e executivo e como poderá sensibilizar o prefeito Wladimir nas questões culturais?
Edson Batista - O prefeito Wladimir visitou o Arquivo Municipal no aniversário do Arquivo e ficou muito sensibilizado com o trabalho desenvolvido pela coordenadora Rafaela Machado e equipe desde à época do museólogo Carlos Freitas. Os pais de Wladimir, Garotinho e Rosinha têm uma história no teatro de Campos, que assim como o rádio foi importante para a primeira eleição de Garotinho à prefeito.
Comentar
Compartilhe
Museu Histórico de Campos reabre ao completar nove anos de existência
28/06/2021 | 02h10
Museu Histórico de Campos programa sua reabertura ao público com programação “híbrida”, com início hoje (28), indo até a próxima quarta-feira (30).
Museu Histórico de Campos programa sua reabertura ao público com programação “híbrida”, com início hoje (28), indo até a próxima quarta-feira (30).
Depois de dezesseis meses fechado, o Museu Histórico de Campos inicia sua reabertura ao público com programação “híbrida”, começando hoje (28), e seguindo até a próxima quarta-feira (30). O portal da Fundação Cultual Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), no YouTube (link aqui), terá, às 18 horas, evento virtual com a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, com o tema: “Os Museus e a memória material: por que é tão importante preservar?”. Amanhã, o Museu campista completa nove anos de existência, e terá uma solenidade em seu interior, com poucos convidados, seguindo os protocolos sanitários impostos pela pandemia.
O Solar do Visconde de Araruama, construído no final do século XVIII, que hoje abriga o Museu, já foi sede da Câmara de Vereadores nos anos 1870. A Câmara adquiriu o imóvel por 50 contos de réis. A Prefeitura também se instalou no mesmo prédio, em 1904, onde permaneceu até 1969, quando o gabinete do prefeito foi instalado em um edifício construído para esta finalidade. O Solar integra um grupo de quatro importantes imóveis, localizados no centro histórico de Campos. Em conjunto com o Hotel Gaspar, Lira de Apolo e Hotel Amazonas, representam parte importante da história de Campos, devendo ser preservados, para continuar cumprindo seus objetivos de educação patrimonial e cultural.
A coordenadora do Museu Histórico, Graziela Escocard, fala sobre a expectativa da reabertura: “a melhor possível. A equipe está muito animada, com retorno do Museu, aos poucos. Passamos por conservação e higienização do acervo que vai estar exposto para o público logo após o aniversário do Museu, de seus nove anos”.
— Vamos ter uma programação (do aniversário do Museu Histórico) híbrida, de forma tanto virtual quanto presencial. A presencial vai ser uma solenidade, com poucos convidados, por conta da pandemia, para seguir todos os protocolos, e no dia 28, 29 e 30 vamos ter apresentações virtuais, lives, no canal do YouTube da FCJOL. Quero que toda população venha conhecer sua história, através do Museu Histórico, que fica aqui na Praça São Salvador, estamos fazendo por agendamento, pelas redes sociais , pelo portal da prefeitura e pelo portal da TV Câmara, que é um dos nossos parceiros, onde vocês podem conhecer a nossa história. O Museu tem vasto acervo, que pode contar e contextualizar a nossa história regional. — Informa Graziela.
Amanhã, dia do aniversário do Museu, está programada ainda a exposição da “Coleção Olavo Cardoso” (confira aqui), composta por peças resgatadas do Museu Olavo Cardoso, transferidas para o Museu Histórico de Campos em janeiro deste ano. O MOC sofreu um furto em dezembro de 2020, quando foi levada parte considerável de seu acervo. O que restou comporá a exposição, que será temporária e foi pensada para as comemorações dos nove anos do Museu Histórico de Campos dos Goytacazes.
"Um país, um estado, um município, são construções histórica. Formam uma comunidade, em que as pessoas se reconhecem como pertencentes. Nenhum território brotou do nada. Todos são resultados de um processo histórico, que pode ser mais ou menos violento, que pode ter sido construído por meio de mais acordo ou de mais batalhas. Então, se são o resultado de um processo histórico, esse processo precisa ser pensado, mostrado, criticado, discutido até para que possamos entender: como foi que a gente chegou até aqui? E o que faremos com isso?".
Comenta Auxiliadora Freitas, presidente da FCJOL, responsável pela cultura do município. Sobre o Museu Histórico e as comemorações de seus nove anos de existência, ela diz que o "desafio é fazer com que o campista, de qualquer idade, possa dizer: Esse museu é meu", onde a preservação se dará a partir do momento que "as pessoas se apropriem desse espaço, desse acervo" e terem um "sentimento de perecimento em ralação ao nosso patrimônio".  Auxiliadora ainda complementa: 
— O Museu é o lugar onde guardamos nossa história. As pessoas pensam que museu é um depósito das coisas antigas que fomos acumulando com o passar do tempo. Ou, às vezes, fazem até algum elogio, como se fosse uma relíquia ou uma coisa que a gente tem que preservar, porém intocada. A expressão ‘peça de museu’ representa bem isso. Mas Museu é um lugar onde a gente guarda a nossa história, a história de quem está aqui hoje. É um local que nos faz pensar o que nós somos. Um museu é uma porta, uma janela, uma interface para uma visão de mundo mais ampla. Comemorar 9 anos da inauguração do nosso Museu e a sua retomada, dentro das normas sanitárias, é um grande prazer.
Comentar
Compartilhe
O Solar e o Arquivo - simbiose que há 20 anos salva a história de toda uma região
18/05/2021 | 05h16
PMCG
Alguns séculos antes do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho existir, a construção que o abriga já estava lá — bela e imponente. Essa coisa da “imponência” pode chegar aos “ouvidos” de quem lê de formas diferentes. A forma intencional aqui é trazer ao leitor as projeções mentais de uma construção antiga, sólida e grande. A maior construção histórica em alvenaria de toda região Norte Fluminense. O Solar do Colégio — morada do Arquivo há 20 anos — foi construído pelos padres da Companhia de Jesus, no século XVII. Uma fortaleza erguida em Tocos, na mítica Baixada Campista, que resistiu aos séculos e ao abandono, mas que renasceu há duas décadas.
Como toda construção histórica, carrega em suas paredes marcas de um passado glorioso. Mas também tenebroso. Marcas que visíveis no Solar. No século XIX, ele foi sede de uma das maiores fazendas escravistas do Brasil, contando à época com mais de 1500 escravos, entre nativos e negros. Como conta a historiadora Larissa Manhães, hoje integrante da equipe do Arquivo: "ele (o Solar) foi construído com tijolos queimados e telhas fabricados na própria fazenda. Cada um desses tijolos continham as marcas de produção deixadas pelos cativos que lá trabalhavam, marcas que, feitas com as mãos são um registro da severa escravidão ocorrida naquele local”. O majestoso Solar também abrigou em seu interior o primeiro hospital da região, destinado a prestar atendimento de saúde aos escravos.
Seu antigo proprietário, João Batista Vianna Barroso, o “Sinhô Barroso”, se recusou a abandonar o Solar e apenas depois de sua morte, em 1980, a desapropriação foi finalizada. Antes disso, e ainda de acordo com Larissa, no dia 24 de julho do ano de 1946 — e graças a uma campanha feita por Alberto Lamego, um pesquisador e memorialista campista, nascido em Itaboraí — o Solar do Colégio e outros bens foram tombados pelo Iphan. O Solar foi inscrito no Livro de Belas Artes sob o número 308. O Solar é considerado como sendo um exemplar da arquitetura jesuítica e portuguesa, valorizada à época.
PMCG
Hoje ele continua uma fortaleza. É guardião nossa história. Abriga uma das instituições culturais mais importantes da região e é considerado o 5º melhor Arquivo Público do país. O nosso Arquivo comemora hoje 20 anos de existência. Na concepção fria, um Arquivo tem a função de conservar e tronar disponível os documentos acumulados por órgãos dos poderes executivo e legislativo, no âmbito da administração municipal, garantindo a memória do município através desses documentos. Mas, em uma região essencial para compreensão do país como é o Norte Fluminense, o Arquivo se torna um instrumento vivo, protegido pelos tijolos cheios de marcas do Solar do Colégio. Que devemos lutar para que assim permaneça. Vida longa ao Arquivo!
Rafaela Machado, atual diretora: 
 
“A comemoração desses 20 anos do Arquivo é certamente um marco na história da instituição e representa divulgar ao público e tronar cada vez mais conhecido o Arquivo e seu acervo. Eu sempre repito que não existe Arquivo sem o Solar e Solar sem o Arquivo, a gente precisa de um e do outro para dar vida. E pensar também, nesse momento tão importante da história que precisamos defender a descentralização dos equipamentos culturais, dos espaços de cultura e universalizar o acesso. É isso que a gente planeja e pretende para os próximos anos de atividade do Arquivo”.
 
Carlos Freitas, primeiro diretor do Arquivo:
“Esse 18 de maio, e os próximos, deve ser comemorado como um marco para a preservação da memória da região Norte Fluminense, pois o Arquivo Público Municipal, criado há 20 anos, é um fato da mais alta importância. Não consigo esquecer as lutas e conversas com políticos e pessoas envolvidas com a cultura de Campos. Justiça deve ser sempre feita à luta e perseverança da professora Lana Lage e apoio de instituições como a UENF. Essencial foi o apoio do vereador Edson Batista, autor do projeto da lei municipal de criação do Arquivo. Não consigo citar todos os que apoiaram esse projeto, mas foram essenciais também. 
Uma instituição de preservação de documentos é primordial para que os cidadãos e o poder público possam contar com informações sobre o passado da região, e assim, se basear em novos empreendimentos. Desejo, profundamente agradecido, a todos os que partilharam comigo da implantação do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, o mesmo entusiasmo e dedicação, além de trabalho árduo, para o engrandecimento e continuidade de uma instituição com permanente dedicação à preservação da memória da região Norte Fluminense”.
Edson Batista, ex-vereador, autor da Lei que criou o Arquivo:
"Quando decidi criar a Lei do Arquivo Público Municipal de Campos em 2001 foi para centralizar os documentos da história de Campos, que estavam dispersos em vários locais. O acervo da UENF estava na Casa de Cultura Villa Maria e o Solar do Colégio iria ser a sede da Escola Brasileira de Cinema e Televisão que o Darcy Ribeiro havia projetado para a UENF, mas que não saiu do papel. Foi quando o governador Anthony Garotinho então cedeu o prédio do Solar do Colégio, que pertencia ao estado e iria ser utilizado para a Escola Brasileira de Cinema e Televisão da UENF, para ser a sede do Arquivo Público Municipal de Campos com o objetivo de guardar e disponibilizar para pesquisas o acervo da nossa história.
"Quando os Diários Associados encerraram o Monitor Campista, o acervo do Monitor foi para os Diários Associados no Rio de Janeiro. Houve um movimento pela volta do acervo do Monitor para Campos e eu pude colaborar para a volta do acervo do Monitor para Campos porque entre os locais pensados a Câmara foi escolhida para ter a guarda do acervo do Monitor, que depois foi encaminhado para a Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro para digitalização. Na Escola Municipal de Gestão do Legislativo (Emugle), criada na minha administração, tínhamos a Central de Digitalização, onde digitalizamos documentos como atas da Câmara, livros de escritores de Campos e revistas de Campos, que foram disponibilizados na Biblioteca Digital Campistana hospedada no portal oficial da Câmara Municipal. Depois de 20 anos de história da minha Lei que criou o Arquivo Público Municipal de Campos, a luta agora deve ser pela digitalização do acervo do Arquivo Público para que este possa ser disponibilizado para o mundo inteiro por meio da internet. O caminho é este. Na Emugle também realizamos cursos sobre a História de Campos, de Paleografia e Restauração de Documentos, em parceria com o Arquivo Público, ministrados pela Rafaela Machado e sua equipe para qualificação de pessoal para realizar serviços específicos necessários para o trabalho fundamental desenvolvido pela equipe do Arquivo Público, que é um patrimônio de Campos e região, que precisa ser valorizado, recuperado e preservado porque trata-se da nossa memória e da nossa história, que não pode ser perdida e esquecida. Vida longa ao Arquivo Público Municipal de Campos!"
Comentar
Compartilhe
Arquivo Nacional faz 183 anos e Arquivo de Campos corre perigo
02/01/2021 | 09h07
Ontem (2), tomei conhecimento, através de uma postagem do historiador Carlos Freitas, no grupo de WhatsApp do programa Folha no Ar, da FolhaFM e do Blog Opiniões, do jornalista Aluysio Abreu Barbosa, sobre o aniversário do Arquivo Nacional (AN), comemorado naquele dia. O AN fez longos 183 anos. A Cultura faz parte do meu dia, tanto na atividade jornalística, quanto nos projetos que estou envolvido. Mas, sinceramente, não havia me atentado pela data.
A Folha da Manhã noticiou ontem o furto no Museu Olavo Cardoso (MOC), localizado no centro de Campos, que encontra-se fechado há anos. Eu e o jornalista Matheus Berriel começamos a apuração tão logo tomamos conhecimento sobre a ocorrência, e escrevemos a matéria (confira aqui). Conversei com várias pessoas e representantes da cultura do município. O roubo aconteceu no início da semana, e o MOC sequer tinha um diretor ou diretora nomeado ou nomeada, apesar do que representa e do que havia em sua guarda. Estamos em um momento de transição de governo e sigo apurando para obter acesso à relação completa do que havia efetivamente no acervo antes e depois do furto. A pauta ainda está muito viva, pela sua importância.
Uma das pessoas que consultei e que sempre defendeu arduamente os equipamentos culturais de Campos, foi Rafaela Machado, que é diretora do Arquivo Waldir Pinto de Carvalho, equipamento cultural que conta com uma equipe aguerrida, mas com fragilíssima estrutura para trabalhar. Tiverem energia cortada diversas vezes nesse ano que passou, cortes na equipe e falta de segurança.
Wladimir Garotinho, prefeito que tomou posse no último dia primeiro, escolheu Auxiliadroa Freitas para a FCJOL. O seu plano de governo, durante a campanha de 2020, foi analisado por alguns representantes da cultura campista.
Wladimir Garotinho, prefeito que tomou posse no último dia primeiro, escolheu Auxiliadroa Freitas para a FCJOL. O seu plano de governo, durante a campanha de 2020, foi analisado por alguns representantes da cultura campista. / Edmundo Siqueira
O Arquivo Nacional dos Estados Unidos da América, tem sua segurança feita pelo FBI, a Polícia Federal americana. Aqui no Brasil, a guarda é terceirizada e diminuída nos equipamentos culturais — ou deixa de existir — quando há corte de orçamento. Lá, existem exposição permanente da Declaração de Direitos, da Constituição, e da declaração da Independência. São documentos de formação da identidade americana. São visitados constantemente por estudantes, formando uma geração que se importa com a História do país.
O Arquivo Nacional brasileiro, que é detentor da Lei Áurea, das Constituições Brasileiras, do Processo de Condenação de Tiradentes, da Fundação do Banco do Brasil em 1808, e de outros tantos documentos, também deveriam formar identidade. Mas, a maioria esmagadora dos brasileiros, sequer sabe que eles existem. Assim como os campistas não sabem o que existe no Arquivo, no Museu Histórico, nos porões do Palácio da Cultura, ou mesmo quem está em seu Pantheon.
E nunca vai saber o que havia no Museu Olavo Cardoso. A instituição teve seu acervo subtraído, sob a “proteção” da prefeitura. Acervo que poderia estar sob a guarda de outro aparelho em atividade, como o Museu Histórico, com direção de Graziela Escocard, ou ainda no Arquivo, que Rafaela e equipe protegem apesar da falta de apoio. Escolhida para a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), a professora Auxiliadora Freitas precisará se esforçar bastante para que o que foi feito até aqui, com muito esforço das equipes desses instrumentos culturais, seja ao menos preservado.
Não queremos a proteção do FBI nos nossos equipamentos culturais. Mas, ao menos, devemos exigir que nossa história seja preservada, para que uma identidade campista seja criada e nosso Arquivo também possa fazer 183 anos.
Comentar
Compartilhe
Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com