Mário Barreto Menezes
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Arquivo Pessoal
Marcamos de tomar um café na última vez que nos encontramos, na fila de banco, em São Francisco de Itabapoana. Pouco depois, infelizmente, soube que o encontro não seria mais possível. Confesso que “vamos tomar aquele café” saiu mais na força do hábito naquele dia; não marcamos, nem definimos nada com dia e lugar. E também não seria aquela a primeira promessa automática que faria a ele.
Em minha defesa, queria que o café fosse tomado à três: eu, ele e meu pai. E era mais difícil conciliar as agendas. Era uma desculpa esfarrapada, eu sei, principalmente aos olhos de hoje, depois de sua morte aos 98 anos, na última terça-feira.
Conheci Mário Barreto Menezes por intermédio de meu pai (por isso queria que estivesse presente no café não-marcado), durante o lançamento de seu livro intitulado “São Francisco de Itabapoana”. O livro era uma homenagem à terra que Seu Mário era devoto, e que conhecia como poucos. Enquanto aquele senhor simpático autografava a obra, meu pai me soprou no ouvido que estávamos diante de um profundo conhecedor da história, não apenas de São Francisco, mas de toda a região; o que não demorei para confirmar.
Apresentações curtas, livro debaixo do braço, alguns apertos de mão, e fomos embora. A partir daquele dia, Seu Mário se tornou um amigo e uma fonte de conhecimento — empírico e historiográfico. Mário Menezes foi servidor do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e por dever de ofício e por amor tinha uma enormidade de informações, que iam desde a topografia do Norte Fluminense até os dados sociais e econômicos.
Mas era o amor pela história o que tínhamos em comum, mais que tudo. E eu gostava de fazer com que ele me contasse qualquer passagem de sua vida, nos encontros que tivemos depois daquele lançamento de livro. Seu Mário escreveu mais algumas obras e era colaborador de jornais de São João da Barra, Campos e São Francisco. Foi citado em algumas teses acadêmicas, como fonte, personagem e divulgador da história oral de uma gente que se adaptou a viver em uma planície alagadiça.
Mário nos deixou numa terça-feira modorrenta, enquanto dormia. Até o último suspiro era dono de uma lucidez invejável e praticante de um humor ácido e veloz; e carismático que só. Estava sempre disposto a contar sobre a segunda grande guerra, as mudanças do mundo, o começo da urbanização de Campos, a vida na roça, os elementos culturais materiais e imateriais da região, ou qualquer outro assunto relacionado com história, cultura, arte, literatura e geografia. Até os mais chatos, das ciências exatas, ele sabia conversar e ensinar, como poucos.
Se tivesse chance de completar um centenário, Seu Mário ia gostar. A esposa, filhos, netos e amigos que deixou certamente gostariam de soprar as 100 velas acima de seu bolo. Mas, nos 98 anos que esteve neste plano, ele nos ensinou muitas coisas, e a principal delas foi que o conhecimento compartilhado não morre jamais.
Pré-candidaturas em São Francisco. Da esquerda para direita, Rodolfo Elias, Marcelo Mansur, Frederico Barbosa Lemos - para deputado estadual. Papinha e Léo Francisco - deputado federal.
São Francisco de Itabapoana é um município extenso. Em seus mais de 1.100 km² — que formam o quinto maior município em extensão territorial do Estado —, a produção agrícola é a vocação natural. Emancipado em 1995, quando foi desmembrado de São João da Barra — integravam o mesmo território em 1536, pertenciam à Capitania de São Tomé — São Francisco é marcado pela polarização política entre duas famílias: Barbosa Lemos e Cherene. Porém, a disputa dos clãs, até o momento, não aparece para as próximas eleições ao legislativo.
Nas últimas eleições majoritárias no município, a prefeita Francimara (SD) foi reeleita em votação apertada. Concorrendo com o ex-prefeito Pedrinho Cherene, recebeu 13.464 votos, ou 47,59% — apenas 690 a mais que seu adversário. Francimara é casada com Frederico Barbosa Lemos, que deverá ser o candidato principal da máquina, e do grupo, ao legislativo estadual. Ao blog, Frederico não confirma sua pré-candidatura, mas também não nega, dizendo esperar o “momento certo”.
— Estamos muito felizes por ter nosso nome lembrado por muitos amigos, São Francisco de Itabapoana precisa de um representante no estado, sem sombra de dúvidas. Precisamos dialogar sempre, e no momento certo vamos nos posicionar em relação à pré-candidatura. — diz Frederico Barbosa Lemos.
O grupo do ex-prefeito Pedrinho Cherene ainda não definiu um nome de consenso para 2022. Marcelo Garcia, candidato a vice na chapa de Pedrinho nas últimas eleições, disse ao blog que não estará na disputa, devendo se dedicar ao “desenvolvimento regional” em outras frentes, sem candidatura própria. Marcelo está apoiando a pré-candidatura de Murilo Gouvea, em Itaperuna, que considera "uma nova liderança de muito potencial". Gouveia é atualmente secretário de Governo e filho do prefeito da cidade do Noroeste. Pedrinho Cherene não retornou o contato.
Representação ausente no legislativo
São Francisco talvez tivesse em João Peixoto o seu maior representante no legislativo estadual. Político de sete mandatos na Alerj, faleceu há pouco menos de um ano em decorrência da Codiv-19. Peixoto, que recebeu 2.279 votos no município em 2018, foi inequivocamente um dos principais responsáveis pela "Ponte da Integração", que ligará os municípios de São João da Barra, São Francisco e Campos, sobre o rio Paraíba. Faltando apenas as cabeceiras e acessos, a obra foi objeto de grande empenho dos últimos mandatos de João, que faleceu antes de vê-la concluída (veja reportagem da Folha sobre a retomada das obras aqui).
Ex-deputado João Peixoto, morto em 2019 pela Covid-19.
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Foto: Rodrigo Silveira - Folha da Manhã
Com a morte do experiente parlamentar, São Francisco ficou órfão de representação no legislativo estadual. Já para a Câmara Federal, os votos do município foram, em sua maioria, para o deputado Aureo Ribeiro (13,3% dos votos, totalizando 2.921). Aureo, que é do mesmo partido da atual prefeita, Solidariedade, foi apoiado pelo governo municipal. O partido hoje é o que tem mais cadeiras na Câmara de Vereadores, elegendo três edis. Wladimir Garotinho (PSD), atual prefeito de Campos, também foi bem votado naquelas eleições em São Francisco, recebendo 1.480 votos (6,75%).
Pré-candidaturas para 2022 em SFI
Além de Frederico Barbosa Lemos, outros nomes aparecem como pré-candidatos. Alguns pela primeira vez, se apresentando como opção à polarização histórica entre as famílias Cherene e Barbosa. Como é o caso de Rodolfo Elias, de 36 anos, que é muito conhecido na cidade, mas deverá tentar, pela primeira vez, uma candidatura. Rodolfo, que é engenheiro, funcionário da Petrobrás e empreendedor do ramo de construção, apareceu bem cotado em enquetes de rede social, e se diz surpreso, pois mesmo sem confirmar a pré-candidatura, seu nome foi citado pelo eleitorado.
— Ainda estamos avaliando a pré-candidatura. Estamos com o apoio de pessoas independentes da máquina pública, que querem uma renovação na classe política do município e que veem em mim uma pessoa que pode representar essa mudança, pois não pertenço a nenhum grupo político já existente, nunca tive mandato eletivo e nem sequer fui candidato a nenhum cargo. Os pontos chave que vejo para o desenvolvimento de São Francisco, além do fortalecimento da agricultura, da pesca e do turismo, também é a atração de empresas para geração de emprego e renda. — Informa Rodolfo.
Outro nome que se coloca como pré-candidato ao legislativo estadual, é Marcelo Mansur. Ele seria candidato a prefeito em 2020 caso não tivesse a candidatura indeferida pelo TER. Dessa vez, pelo Avante, confirma sua pré-candidatura a deputado estadual e se diz “independente”. Mansur, de família tradicional em São Francisco, se coloca como apoiador incondicional ao presidente Bolsonaro: “vamos apoiar a candidatura do presidente Bolsonaro à reeleição, e para governador vamos apoiar quem o presidente indicar”.
Nome conhecido e sempre cotado em São Francisco estará fora da disputa. Renato Roxinho, mais votado no município para deputado estadual em 2018 (5.735 votos, totalizando 25,15%), disse ao blog que não estará nas próximas eleições como candidato, mas que apoiará Frederico.
Concorrendo para a Câmara Federal, quem se coloca como opção novamente é Papinha (REP). O ex-vereador de Campos e ex-deputado estadual, foi candidato a prefeito de São Francisco em 2020, recebendo 2.054 votos. Ao blog, disse que terá “apoio da família Bolsonaro”.
A novidade no pleito federal é o presidente municipal do PSB, Léo Francisco, que anunciou sua pré-candidatura ao legislativo em Brasília, depois da visita do Deputado Federal Alessandro Molon, do mesmo partido, em visita à região na última semana. Léo aposta no crescimento do partido, que deverá ter candidato próprio ao governo do Estado. “Minha pré-candidatura é por amar essa terra, e para ampliar um trabalho que já venho fazendo aqui (SFI), de base partidária e ligado a movimentos sociais do município. Tenho muitos serviços prestados também em atividades religiosas, em todo Estado. São Francisco tem muito potencial político, amo minha terra. Precisamos colocar nossa cidade no lugar que ela realmente merece estar”.
Polarização nacional e municipal fora do tabuleiro a princípio
Se a polarização local parece não ser a tônica das próximas eleições em São Francisco, as questões nacionais também se mostram bem definidas. Bolsonaro recebeu 15.425 votos, impressionantes 71,10% no segundo turno. Haddad ficou com 6.269 votos. O colégio eleitoral no município gira em torno de 37.000 eleitores.
Mesmo em um município essencialmente rural — setor da economia que serviu como uma das principais bases eleitorais ao bolsonarismo — e de perfil conservador, a diferença entre os candidatos à presidência no segundo turno impressiona. Apesar do recente desembarque do agronegócio do governo Bolsonaro, São Francisco deverá manter o perfil do eleitorado, não apresentando até aqui sinais de mudança. Caso esteja nas próximas eleições, Bolsonaro poderá ser um cabo eleitoral essencial no município.
Ainda sem definição do grupo do ex-prefeito Pedrinho Cherene para as próximas eleições, a polarização histórica em São Francisco não apresenta contornos visíveis, mas ainda se mostra muito presente no eleitorado. Mesmo que não lance um nome ao pleito, deverá influenciar o resultado.