Na manhã desta terça-feira (16), a Polícia Federal deflagrou a Operação Unha e Carne 2 para investigar a atuação de agentes públicos no vazamento de informações sigilosas que culminou com a interferência da investigação realizada no âmbito da Operação Zargun, deflagrada em setembro. Na ação, no Rio de Janeiro, o desembargador federal Macário Ramos Judice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), foi preso. Investigações da PF apontam indícios de que o desembargador ajudou a vazar a operação contra o então deputado estadual TH Joias. A ação desta terça também teve como alvo o deputado estadual licenciado Rodrigo Bacellar (União Brasil), que voltou a ser alvo de buscas.
A primeira fase da operação, realizada no dia 3 de dezembro, foi investigada na prisão do então presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União). Uma fonte da PF ouvida pelo blog do Octávio Guedes, no g1, diz que Macário estava com Bacellar, quando esse ligou para TH Joias para avisá-lo da operação. Bacellar e Macário estariam em um restaurante no momento.
Além desse indício, a PF encontrou, ainda, no celular de Bacellar, trocas de mensagens entre o então presidente da Alerj e o desembargador, que embasaram a operação.
O relatório da investigação cita textualmente que o vínculo foi constatado em razão das "palavras de afeto e troca de declarações efusivas de carinho, que denotam confiança e lealdade".
A quebra de sigilo telemático mostra que, em outubro de 2025, o desembargador Macário enviou a Bacellar a mensagem: "Te amo". O presidente da Alerj respondeu prontamente: "Deus te abençoe irmão. Sou teu fã". O magistrado replicou: "Recíproco".
Em outra conversa, em novembro, Bacellar reforçou o vínculo pessoal ao tentar tranquilizar o magistrado sobre um conflito político: "Vc é irmão de vida... Vc eu levo pro caixão meu irmão nunca duvide disso". Macário agradeceu: "Obg pela confiança".
A investigação aponta que essa amizade servia de base para a troca de favores. O documento cita um pedido de Macário por ingressos para um jogo do Flamengo. Bacellar se comprometeu a resolver a questão a qualquer custo: "Nem que eu arrebente o portão darei um jeito".
Na mesma conversa, o deputado reafirmou sua disposição em ajudar o desembargador em qualquer circunstância: "Sempre que precisar tô aqui pra qq parada, em especial na hora ruim".
Para a PF e o STF, essas mensagens não provam apenas uma amizade, mas a existência de um vínculo forte o suficiente para sustentar a tese de que ambos agiam em alinhamento para obstruir investigações e proteger aliados políticos e do crime organizado.
O Blog Opiniões, do Folha 1, do jornalista Aluysio Abreu Barbosa, antecipou no último dia 6 (confira aqui) que o desembargador do TRF 2 Judice Neto estava ligado ao caso. Não só da operação Unha e Carne, que prendeu Bacellar, como da Operação Oricalco, na qual outros cinco deputados estaduais do RJ também seriam alvo:
— Na decisão sobre a prisão de Bacellar, Moraes sinalizou que a investigação terá desdobramentos. Ele pediu o compartilhamento de informações da Operação Oricalco. Que, pelo menos publicamente, ainda não aconteceu. O processo está no TRF 2 e corre sob sigilo — revelou o texto reproduzido também na coluna Ponto Final, da Folha da Manhã.
— “Ao desembargador relator Júdice Neto, da 1ª Seção Especializada do TRF 2, (solicito) o compartilhamento de todos os elementos de convicção angariados em todos os procedimentos e processos relacionados à operação Oricalco”, despachou Moraes. Nos bastidores da Alerj, corre que, além de Bacellar, outros cinco deputados seriam alvo da PF — antecipou o blog Opiniões.
Na ação desta terça, a PF cumpre um mandado de prisão preventiva e dez mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.
O ex-governador Anthony Garotinho falou sobre as atualizações da 2ª fase da operação em suas redes sociais, ressaltando que prestará esclarecimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura o crime organizado, além de citar a prisão do desembargador federal e Rodrigo Bacellar no caso, denunciando possíveis novos alvos da PF.
“Eu me encontro em Brasília onde vou fazer esclarecimentos lá na CPI, que apura o crime organizado (…) Pode ser nos próximos dias a prisão do suposto operador financeiro de Rodrigo Bacellar, que seria o empresário do ramo de combustível chamado Fernando Trabach. Mas fiquem de olho porque senão esse cidadão mais uma vez vai conseguir se evadir do país e fugir. Grande parte dos postos de gasolina que seriam dele os recursos do Comando Vermelho poderiam ser lavados”, disse Garotinho, que falou ainda sobre Moraes ter pedido informações ao desembargador sobre a Operação Oricalco da PF, situação que foi lembrada pelo Ponto Final publicado no Blog Opiniões no último dia 6.
A ação se insere no contexto da decisão do STF no âmbito do julgamento da ADPF 635/RJ (ADPF das Favelas) que, dentre outras disposições, determinou que a Polícia Federal conduzisse investigações sobre a atuação dos principais grupos violentos em atividade no estado e suas conexões com agentes públicos.
Histórico do desembargador Judice Neto
De acordo com o blog do g1 da Camila Bomfim, o desembargador federal Macário Ramos Júdice Neto, preso nesta terça-feira, ficou quase 18 anos afastado do cargo por decisão do próprio tribunal. Em novembro de 2005, o Superior Tribunal de Justiça abriu um processo criminal contra ele para apurar possível participação em um esquema de fraudes em sentenças judiciais. Ele foi afastado das funções na época.
Sobre a prisão, a defesa do desembargador afirmou que "o ministro Alexandre de Moraes foi induzido a erro ao determinar a medida extrema", e que vai recorrer quando tiver acesso aos autos do processo.
Reprodução: TV Globo
Pouco mais de 10 anos depois, o plenário do TRF-2 decretou a aposentadoria compulsória de Macário, acusado de envolvimento na máfia dos caça-níqueis o Espírito Santo. Ele atuava na 3ª Vara Federal de Vitória. A decisão, no entanto, acabou revogada pelo CNJ. Em outra ação, julgada também ontem pelo TRF2, mas na esfera penal, ele foi absolvido.
Por que a decisão foi anulada?
Qualquer punição só pode ser aplicada a um magistrado por falha disciplinar caso a maioria absoluta do tribunal decida assim.
Como o TRF-2 tem 27 desembargadores e 26 estavam presentes à sessão, para aposentar Macário Júdice exigia-se o voto de pelo menos 14 magistrados. No entanto, apenas 10 votaram pela punição máxima e oito, contra.
O que também impediu o quórum mínimo foi o fato de nove desembargadores se declararem suspeitos e, portanto, impossibilitados de julgar o caso.
Transferência de TH Joias para presídio federal é autorizada
O ministro Alexandre de Moraes também atendeu um pedido da PF para transferência do ex-deputado estadual TH Joias a um presídio federal. Inicialmente detido em Bangu 8, no Complexo de Gericinó, ele foi levado para Bangu 1, etapa que antecede a transferência para o sistema penitenciário federal.
A defesa de TH Joias, em nota, informou que não teve acesso à decisão judicial e afirmou que não foi intimada ou comunicada formalmente sobre uma eventual transferência para presídio federal. A defesa declarou, ainda, que tomou conhecimento das informações por meio da imprensa.
Primeira fase da operação resultou na prisão de Bacellar
O deputado estadual Rodrigo Bacellar foi preso no dia 3 de dezembro pela Polícia Federal (PF) na primeira fase da Operação Unha e Carne. A prisão preventiva foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, que também determinou o afastamento de Bacellar do mandato. Segundo a PF, o deputado é suspeito de ter vazado informações sigilosas da Operação Zargun, em que o então deputado estadual TH Joias, ligado à facção criminosa Comando Vermelho, foi preso.
Já no dia 8 de dezembro, a Alerj decidiu, por 42 votos a 21, revogar a prisão de Bacellar. E no dia seguinte, 9 de dezembro, o ministro Alexandre de Moraes determinou a soltura do parlamentar, mediante o cumprimento de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica. Moraes destacou ainda que as medidas cautelares são necessárias para garantir a investigação criminal, a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal.