Matheus Berriel
20/07/2025 21:59 - Atualizado em 21/07/2025 14:09
Péris Ribeiro
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Foto: Reprodução
Morreu na noite deste domingo (20) um expoente histórico da imprensa de Campos. Biógrafo do também campista Didi, o jornalista esportivo Péris Ribeiro tinha 80 anos e foi a óbito no Hospital Dr. Beda II, onde estava internado desde o último dia 12, tratando uma pneumonia e um quadro de água na pleura. Casado com Graça Jóia Mota, ele não teve filhos, mas deixa órfãs várias gerações da comunicação goitacá, que tanto beberam do seu vasto conhecimento e se alimentaram da impressionante memória, capaz de vencer até um Acidente Vascular Cerebral (AVC), em 2004. O velório acontece na capela do cemitério do Caju, onde será realizado o sepultamento, às 16h desta segunda-feira (21).
Com mais de 50 anos no jornalismo, José Peres Pinto Ribeiro afirmava que escolheu a crônica esportiva por paixão e vocação. Uma vocação, aliás, que não demorou a ser reconhecida. Péris estreou no extinto jornal "A Notícia" no final dos anos 1960, presenciando o auge do Campeonato Campista, com times históricos de Americano, Goytacaz, Rio Branco, Campos Atlético e das usinas de cana-de-açúcar. Em meados da década seguinte, já estava morando em São Paulo e trabalhando na revista "Placar", até hoje considerada a principal do país no gênero. Foi nessa época que conheceu e entrevistou vários dos maiores craques do futebol brasileiro. Considerava seu principal trabalho a cobertura do título paulista do Corinthians em 1977, encerrando o jejum de 23 anos sem uma conquista.
Frequentador do Maracanã desde garoto, Péris Ribeiro era torcedor do Flamengo (inclusive no remo e em outros esportes olímpicos), mas o clubismo não superava seu fascínio pelo futebol-arte. Como não aplaudir também o Santos de Pelé? Ou o Botafogo do seu grande ídolo, Mané Garrincha, a quem exaltava pelos dribles artísticos? Outro "cobra" alvinegro, o conterrâneo Didi acabaria se tornando um amigo e personagem da sua principal obra. Ampliação do livro homônimo de 1993, a segunda edição de "Didi, o gênio da Folha Seca" (2009) rendeu a Péris o Prêmio João Saldanha em 2011, na categoria literatura, com o troféu sendo entregue pela Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro (Acerj) na sede do Botafogo.
— Ambos nascemos em Campos, e a amizade existia há muitos anos — contou Péris em 2009, numa entrevista ao site da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). — O Didi sempre foi extremamente diplomático, mesmo em suas visitas a Campos. Diziam que ele não ia à sua terra, que ele jamais quis receber homenagem nenhuma de lá e aquelas coisas todas. O Didi nunca deixou de ir lá. Eu fui apresentado ao Didi pelo Pinheiro (ex-zagueiro e técnico do Fluminense), e aí a amizade floresceu e fomos amigos pela vida toda, até o Didi falecer — recordou. Nesta segunda-feira, uma matéria sobre o falecimento do jornalista foi publicada no site oficial da ABI.
Como escritor, Péris Ribeiro também publicou uma terceira edição da biografia de Didi, em 2014, além dos livros "O Brasil e as Copas" (1986) e "Em cima do lance" (2001). O interesse pela pesquisa histórica foi o principal fator para que se dedicasse à literatura, mas seu texto (leve e criativo) também continuou a serviço da imprensa, tendo colaborado eventualmente com veículos como "Jornal do Brasil", "Jornal da Tarde", "O Estado de S. Paulo", "Folha de S.Paulo" e "Lance!".
O retorno de Péris a Campos marcou seu ingresso na Folha da Manhã, com o qual possuía relação afetiva, pois era amigo de infância do fundador Aluysio Cardoso Barbosa. Na Folha, fez parte da criação do Troféu Folha Seca, que desde 2000 homenageia campistas com destaque nas suas áreas de atuação. Por sugestão sua, o primeiro homenageado foi Didi, cujo chute mais famoso dá nome à honraria.
Referência na profissão
Durante a extensa trajetória, Péris Ribeiro tornou-se grande amigo de jornalistas do naipe de Juca Kfouri e José Trajano, com os quais mantinha contato frequente. “Estou muito triste, gostava muito dele. Um queridíssimo amigo. Me correspondia muito com ele, por intermédio da Graça, mulher dele. Arrasado aqui", lamentou Trajano, antes de também se manifestar por meio de uma publicação no Instagram: "Tristeza imensa. (...) Amigo do peito e um dos maiores jornalistas esportivos do país".
Em Campos, Péris estimulou e influenciou jornalistas que começavam a se destacar, como Elso Venâncio, Eraldo Leite, Cahê Mota e Wesley Machado. Em parceria com Elso, elaborou recentemente o livro "Mensagens da bola", ainda a ser publicado, com crônicas dos dois. Igualmente incentivado por ele, o radialista Arnaldo Garcia ressalta três paixões do amigo: além da crônica esportiva, a boemia e a música.
— Em 1983, fazíamos incursões pelas concentrações dos times cariocas que vinham a Campos para enfrentar, principalmente, o Americano. Péris me incentivou a escrever e, certa vez, participamos de um concurso de crônicas esportivas, em que ele foi premiado no primeiro lugar, e eu, em terceiro. Um contador de histórias, personagem de uma época em que eu era muito jovem, mas já participava de rodadas de cerveja, ouvindo boa música no Cabana's Bar, do Hotel Planície. Ali, Péris, Ângela Bastos, Del Braga, professor José Nilson e tantos outros se reuniam para conversas sadias, normalmente nas tardes de sábado. Fã de Didi, Péris era presença marcante sempre que o bicampeão mundial vinha a Campos. Com ele, aumentei o meu gosto pela leitura, principalmente pelas histórias do esporte. Como também era apaixonado por música, a Bossa Nova fascinava o meu amigo e fascina a mim, graças a ele — destacou Arnaldo Garcia.
O jornalista Chico de Aguiar fala de Péris como amigo de uma vida inteira.
— Morador da Rua Pedro Tavares, era meu vizinho quando eu vivia a infância na casa dos meus pais, na Rua do Ipiranga. Depois nos tornamos, também, colegas pelo jornalismo, que eu cursei em São Paulo. E a amizade floresceu quando, de retorno a Campos para morar, eu o acompanhei na missão mais relevante do seu trabalho de jornalista: a autoria da biografia de Didi, apelido do também campista Valdir Pereira. "Didi, o craque da Folha Seca" conta a história do mais vitorioso jogador de futebol nascido em Campos, principal jogador brasileiro na vitoriosa campanha da Copa do Mundo de 1958. Foi através de Péris Ribeiro que eu fiz foto com esse gigante do nosso futebol; foto que eu guardo com carinho no meu álbum de ídolos. Depois, foi correr para o abraço ao Péris e permanecer no seu rol de amigos eternos. Mensalmente eu o visitava para o lanche de mesa farta de delícias da culinária, que sua mulher, Graça, e a cunhada Hélia preparavam para me receber. Ah, sim, também estava sempre presente o cunhado Juninho. Era o mundo familiar de Péris, que eu conheci e pude viver na intimidade entre as delícias da gastronomia e papos amistosos — descreveu Chico.
Também amigo de Péris Ribeiro, o professor Ricardo Antônio Machado Alves assistiu com ele a final da Copa do Mundo de Clubes, entre Chelsea e Paris Saint-German, no último domingo (13). "Fui ao Beda visitá-lo. Ele estava fraco, com dificuldade para se alimentar, mas totalmente lúcido. Conversamos, vimos o jogo, e depois me despedi. Um amigo querido, admirável. Uma memória fantástica. Adorava conversar com ele e ouvir seus relatos, suas lembranças", relatou Ricardo.
O vasto conhecimento de Péris foi destacado pelo jornalista Paulo Renato Porto, outro amigo próximo, em postagem no Facebook. "Antes de conhecer o Péris Ribeiro, minha relação com o futebol se restringia a atividades triviais como assistir os jogos, por entretenimento ou dever profissional, ler os jornais e as crônicas do (João) Saldanha e de outros mestres. A convivência com Péris reforçou minha visão do futebol como fenômeno da criatividade de um povo, logo elemento da cultura popular, fonte influenciadora do caráter e do ânimo do brasileiro", comentou Paulo Renato.
Do jornalista Álvaro Marcos Teles veio a recordação de um episódio inusitado, que revela o talento de Péris Ribeiro no ato da apuração. O fato ocorreu em junho de 2007, quando Álvaro e o também jornalista Leandro Nunes tiveram o auxílio de Péris para fazer uma matéria sobre as obras preparatórias do Maracanã para os Jogos Pan-Americanos. Para driblar os seguranças, o mais veterano do trio teve a ideia de se passar por engenheiro da obra, numa atuação digna de Oscar.
— Bem devagar, Perinho percorreu todas as instalações, com nós dois à tiracolo. Apontava para o alto, franzia a testa e gesticulava em nossa direção, como se pedisse para anotarmos algo. O "doutor Perinho" viu tudo, nós fotografamos e publicamos em duas páginas do Na Rede na edição do mesmo mês. Saímos ilesos do Maracanã e com o pessoal da obra ainda perguntando o que ele tinha achado. Perinho fez o gesto com os dedos indicadores em círculo, indicando que o resultado da vistoria ficaria pronto depois. Foi um tal de "doutor pra cá", "doutor pra lá...". Saímos e fomos comemorar a façanha, com muitos chopps, no Petisco da Vila. Esse foi Péris Ribeiro, genial sem dar uma palavra — relatou Álvaro.
Em nota, a Associação de Imprensa Campista adjetivou Péris Ribeiro como um "profissional de talento e dedicação ímpar, que deixa um legado inestimável para o jornalismo e a memória do esporte brasileiro".
— Sempre se destacou por seu compromisso em preservar e contar, com sensibilidade e rigor histórico, as trajetórias que marcaarm o nosso esporte. Seu trabalho não apenas resgatou momentos fundamentais do futebol brasileiro, mas também inspirou gerações de jornalistas e amantes do esporte. Neste momento de dor, expressamos nossa solidariedade aos familiares, amigos e colegas de profissão, certos de que sua contribuição jamais será esquecida — diz um trecho da nota.
Brilhante como um Garrincha e criativo como um Didi, Péris fez das páginas o seu campo. Recluso nos últimos anos de vida, se despediu com a suavidade de um Tom Jobim.