Edmundo Siqueira
03/08/2025 18:36 - Atualizado em 03/08/2025 18:44
Héllen Souza - 31/07/2020 - PMCG
O purismo pode ser entendido como a vontade de manter algo em seu estado natural, puro. Nas artes, foi um movimento que buscava uma pintura sem subjetividades; pura, portanto.
No meio cultural de Campos, o purismo se manifesta. Basta um olhar — e ouvidos — mais atento às discussões em torno do caso do Mercado Municipal (esse fica para uma outra publicação, de discussão igualmente urgente e necessária) e do Palácio da Cultura para ver defesas apaixonadas para que tudo permaneça como está, ou volte a estados originais impossíveis de serem reproduzidos novamente.
Arquitetonicamente, o Palácio da Cultura é uma construção sacralizada. Os traços modernistas do arquiteto Francisco de Assis Leal ergueram um monumento circundado por jardins projetados por Burle Marx. O prédio é protegido pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam) desde 2013.
Simbolicamente, o Palácio possui um enorme valor afetivo, memorialista e de pertencimento ao campista. Abrigou a icônica Biblioteca Nilo Peçanha e foi palco de inúmeros eventos culturais. E guarda o Pantheon, onde estão depositados os restos mortais de personagens históricos da cidade. Nasceu no governo Rockefeller de Lima, que escolheu a antiga Praça da Bandeira — no coração da Pelinca — como terreno. Um local que, surpreendentemente aos olhos de hoje, era pouco frequentado e sem grande comércio ao redor.
O Palácio sempre foi palco de cultura, mas se elitizou. E sua localização acompanhou esse processo. Embora a cultura seja, por definição, plural e democrática, Campos historicamente manteve seus espaços culturais restritos, falando para um público específico e produzida por grupos pertencentes a esse mesmo público.
O fechamento do Palácio da Cultura parece ter incomodado menos que as propostas para sua reabertura. Desde 2014, as melancólicas portas fechadas escondem a omissão do poder público e a ausência de projetos para retirá-lo do abandono (veja aqui). A primeira proposta de reabertura dividia o Palácio em dois: metade seria ocupada por um “Centro Municipal de Inovação”; a outra metade abrigaria a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), com espaço para exposições e a volta da Biblioteca Nilo Peçanha — física e digital.
Na ocasião, por decisão da 4ª Vara Cível de Campos, a obra seria custeada como medida compensatória pela demolição de um prédio histórico na Rua 13 de Maio, onde funcionava o Casarão do Clube do Chacrinha, entre 2012 e 2013, demolido sem autorização dos órgãos competentes.
Mas, por mais omissão do poder público e rejeição da proposta pelo setor cultural — não determinante, mas influente em um governo impopular —, o Palácio permaneceu fechado. Como segue até hoje.
Rodrigo Silveira - Folha1
A proposta atual é semelhante. Com previsão de obras concluídas até o fim de 2025, a ideia é que o Palácio abrigue o Centro Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Cetec), além da FCJOL, a Escola de Formação de Educadores Municipais (Efem), os programas Mais Ciência, Startup Campos, Economia Criativa, e a reabertura da Biblioteca Municipal (veja matéria da Folha aqui).
Novamente, parte do setor cultural reage. E há um ponto legítimo nesse incômodo: quando o “cultural” se torna um adjetivo decorativo, o risco de o Palácio da Cultura virar palco de tudo, menos da cultura, é real. É razoável se preocupar com o esvaziamento simbólico e funcional do espaço.
O problema é quando a crítica se torna automática. O purismo cultural, diante da realidade atual do prédio, da Pelinca e de Campos, soa deslocado. Permitir que o local seja compartilhado e plural não é abandonar o compromisso com a cultura. Pelo contrário: é a chance de renovar esse compromisso. Cultura não é altar, é movimento. O que seria esse compromisso estrutural? Garantir programação permanente, orçamento definido, curadoria técnica, política pública transparente. Do contrário, resta apenas o aluguel de um prédio bonito para eventos ocasionais com carpetes vermelhos e figurões em paletós gastos.
O que se espera de um espaço cultural? Qual a razão de ser da produção artística e cultural numa cidade tão carente dessas expressões? Se a resposta estiver no público — e não apenas nos produtores —, abrir o Palácio para manifestações diversas é garantir que ele esteja vivo, pulsante, habitado. O tipo de ocupação deve ser debatido, sim. Mas manter como está parece ser a pior das opções.
Ocupar o Palácio da Cultura é urgente. Mas não com abraços em colunas nem faixas improvisadas na calçada. É preciso ocupá-lo com ideias, com arte, com gente. E se o prédio virou palácio demais e cultura de menos, talvez o erro não esteja nas propostas — mas no silêncio de quem, em nome de preservar, prefere deixar morrer.
Em Campos, a cultura precisa de teto, mas sobretudo de alma, que sempre foi visível por aqui, mas que precisa se reencontrar e abandonar vaidades.