Finalmente consegui. Vasculhei boa parte da internet atrás do livro de cuja existência eu só conhecia por raras referências de pesquisa. Trata-se de “Flora sinensis, fructus floresque humilime” (“Flora da China, frutas e flores”), de Micha Piotr Boym. O livro foi publicado em 1656 em Viena. Trata-se de uma das primeiras obras sobre a flora chinesa escritas por um europeu. Seu autor nasceu em Lwów, Polônia, em 1612. Seu pai era um rico comerciante. Em 1629, Boym ingressou na Companhia de Jesus e se ordenou em 1641. Foi servir no oriente. Passou pela África.
O missionário não cuidava apenas do espiritual, tendo um interesse muito grande pelas criaturas de Deus. Ele foi o primeiro estudioso da natureza a utilizar o conceito de “flora” para definir o conjunto de vegetais de uma determinada região. “Flora sinensis” tem 48 páginas com texto e 23 ilustrações. No meio de plantas, aparecem cinco animais e a representação de uma gravura nestoriana, heresia cristã que se refugiou no Extremo Oriente.
A gravura do hipopótamo incluída no livro representa o animal visto pelo autor quando passou pela África. Boyn é também autor de uma breve história natural da África, escrita em 1644. Gostaria também de contar com um exemplar dessa obra, mas estou contente com “Flora sinensis”, na qual seu autor descreve as características físicas das plantas, seus nomes vulgares (comuns), distribuição geográfica e qualidades medicinais. Como Boyn estudou chinês, as gravuras contam com títulos nesta língua, transliterados para o latim. A edição do Jardim Botânico de Kew (Inglaterra) traz também o nome dos gêneros das plantas.
Reprodução
O que atraiu minha atenção de pronto foi encontrar no livro frutas do continente americano na China. O autor registra-as como chinesas. São os casos da goiaba (Psidium), mamão (Carica) abacaxi (Ananas), caju (Anacardium) e pinha (Annona). Boyn viveu no século XVII. A troca de vegetais e animais por portugueses e espanhóis já estava em curso há dois séculos e era intensa, como mostra José E. Mendes Ferrão em “A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses(Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1993). E de tal maneira adaptadas ao ambiente que passavam por nativas.
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Da mesma forma, Boyn registra plantas que nos são familiares. Para o senso comum, frutas como lixia, jambo, manga, jaca são mais do que brasileira, são plantas do meu quintal. No entanto, são originárias da Ásia. Também asiáticas são a canela, o gengibre e a pimenta, parte das conhecidas especiarias que tanto valor tinham na Europa e acabaram se adaptando bem ao continente americano.
As figuras originais que ilustram “Flora sinensis” não são coloridas. Algumas cópias foram coloridas à mão e se tornaram raras. A edição que encontrei e adquiri é italiana e datada de 2019. Compreende dois livros: A “Flora sinenseis” propriamente dita, com figuras em cores, e outro livro dedicada a ela com o título de “Una nuova natura: il gesuita Michal Boyn nella Cina del seicento”. Boyn morreu em 1659, na China. Dele não há túmulo conhecido.
Mas por que um historiador como eu se mostra tão empolgado com um livro de botânica produzido na Europa nos primórdios desse conhecimento? Sou um botânico frustrado e um historiador ambiental. Além disso, gosto de religiosos que não olham apenas para o céu, mas também para a terra.