José do Patrocínio: o voo da ave preta
13/07/2025 | 01h11
Arquivo Nacional
Havia algo de simbólico — apesar de triste — no fim do campista José do Patrocínio em Inhaúma, bairro da Zona Norte do Rio, próximo a Del Castilho e Pilares. Inhaúma vem do tupi ña'un, que significa “ave preta”. Patrocínio era exatamente isso: uma ave preta que insistiu em voar nos tempos perversos da escravidão. E conseguiu alçar seu voo mais alto pelas mãos de sua amiga, Isabel.

Depois da abolição, Patrocínio ainda queria voar. Mesmo com dificuldades financeiras, e longe dos jornais e do poder, resolveu construir, no final do século 19, o “Santa Cruz”: um dirigível de 45 metros. Isso depois de importar o primeiro automóvel a vapor ao Brasil. O Santa Cruz não saiu do chão, mas o projeto mostra claramente o caráter visionário do abolicionista, escritor, jornalista e farmacêutico: um homem que jamais se resignou ao chão.

José do Patrocínio nasceu em 1853, numa fazenda em Lagoa de Cima, no distrito de Ibitioca, em Campos dos Goytacazes. A maneira que ele foi gerado reflete a formação do Brasil, e também a história de Campos, como recebedora de um grande número de escravizados: Patrocínio é filho de um padre branco e uma escravizada negra (a sua história é mesmo afeita à simbolismos). Sua mãe, Justina do Espírito Santo, era uma jovem escrava mina (etnia de Gana) de quinze anos. O pai, João Carlos Monteiro, era vigário da paróquia de Campos dos Goytacazes, e um orador conceituado no âmbito sacro.

Mesmo nascendo livre — embora não tivesse a paternidade reconhecida pelo padre —, Patrocínio viveu sua infância presenciando todo tipo de abuso contra o povo negro escravizado na fazenda do pai. Talvez tenha sido essa realidade paradoxal que levou Patrocínio a carregar por toda vida um forte senso de justiça social.
Patrocínio e o escritor Olavo Bilac
Patrocínio e o escritor Olavo Bilac / Arquivo


Formado em Farmácia em 1874, Patrocínio nunca exerceu a profissão. Sua verdadeira vocação se manifestava nas palavras — primeiro em Os Ferrões (1875), depois na Gazeta de Notícias, onde iniciou, em 1879, a campanha abolicionista de forma mais ferrenha. Em 1881, já à frente da Gazeta da Tarde, fundou a Confederação Abolicionista, ao lado de Joaquim Nabuco e André Rebouças, defendendo a abolição ampla, imediata e sem indenização.

A palavra e a espada de José

O romancista e político inglês Edward Bulwer-Lytton, contemporâneo de século de Patrocínio, escreveu uma peça histórica: “Cardinal Richelieu”. No enredo, Richelieu, ministro-chefe do rei Luís XIII, descobre um plano para matá-lo, mas como padre ele é incapaz de pegar em armas contra seus inimigos. Seu pajem (uma espécie de ajudante de ordens medieval), François, aponta:

— Mas agora, ao seu comando estão outras armas, meu bom Senhor!

Richelieu concorda:

— A caneta é mais poderosa que a espada. Tire a espada; os Estados podem ser salvos sem ele!

Teria sido a primeira vez que o famoso ditado “A caneta é mais poderosa que a espada” foi escrito. A luta de Patrocínio era travada nas trincheiras da intelectualidade, da literatura e do jornalismo — mas por vezes escolheu a espada no lugar da pena: viajou ao Nordeste, ajudou na fuga de escravizados e organizou comícios que inflamavam massas — algo que seus cronistas lembram como oratória inflamada.

Criou (embora há divergências entre historiadores sobre a autoria de Patrocínio) ainda a Guarda Negra, composta por negros libertos fiéis ao império, para protegê-la — uma instituição incomum, vista por uns como milícia, por outros como irmandade.

As contradições, a República e Isabel, a redentora
Princesa Isabel
Princesa Isabel / Arquivo Nacional


A Guarda Negra representou a maior contradição de Patrocínio. Uma república parecia ser o modelo que o Brasil precisava, traria desenvolvimento, democracia e independência dos colonizadores. Derrubar o Império, porém, era impossível para José do Patrocínio.

A abolição — de direito, mais que de fato — aconteceu, realmente, pelas mãos do Império, em 13 de maio de 1888, pela “redentora” princesa Isabel. E em um gesto (mais uma vez) simbólico, Patrocínio beijou as mãos de Isabel após a assinatura da Lei Áurea.

Patrocínio era um homem de dois mundos naquele momento. Embora um defensor — talvez o maior deles — da abolição, não queria ver o Império expulso do Brasil aos pontapés. Não pelo rei, a quem tinha desprezo, mas pela gratidão e admiração que tinha por Isabel. A lei que ela assinou, no prédio do Senado, no centro do Rio, decretava que, a partir de sua publicação, nenhuma pessoa preta poderia permanecer escravizada no Brasil. Os homens e mulheres acorrentados seriam libertos.

Patrocínio sabia que o simples ato de Isabel não resolveria a exclusão e a violência, mas ficou extasiado vendo a princesa encarando os senadores — que eram todos homens — e usando seu poder para abolir aquele sistema perverso. Isabel era uma mulher de pele rosada, estatura baixa, com olhos azuis profundos e determinados, que lhe conferiam um ar de mandona; como de fato era.

No dia da assinatura, o Senado estava cheio e o movimento abolicionista movimentava todos no Rio de Janeiro. O “campo da cidade”, que mais tarde seria conhecido como “campo de Santana”, ficou repleto de curiosos. Os Senadores se acomodaram no interior do Palácio Conde dos Arcos — o prédio de quatro pavimentos formava uma ponta de flecha na perspectiva de quem entrava nele, onde Patrocínio entrou, minutos depois de Isabel, mesmo não sendo ele alguém que poderia entrar ali em dia de sessão. Mas foi convidado pessoalmente pela princesa, em reconhecimento ao fato de que poucas pessoas no país mereciam mais do que ele ver aquela lei ser assinada.

A sala da sessão seguia o padrão inglês de parlamento. Galerias circundavam uma espécie de arena, onde no centro ficavam duas mesas dispostas frente a frente; uma ao pé do grupo governista e outra do oposicionista, como se delimitasse e representasse cada grupo de senadores. Exatamente como uma arena, ou um estádio. As discussões daquele dia eram resultado de movimentos anteriores, e seria ali apenas uma formalidade para concluir o que já estava acordado. Abertos os trabalhos, Isabel pediu seu direito; queria usar de imediato a Fala do Trono e abolir a escravidão no Brasil (esse é um trecho do livro “As Asas de Um Dirigível”, com lançamento previsto para 2026).

O exílio e o fim

Por sua devoção à Isabel e à defesa do Império, Patrocínio entrou em rota de colisão com os republicanos, com luta armada, pela Guarda Negra e no apoio em outras revoltas que aconteciam no país. Mas, como se sabe, o Império foi derrubado e os republicanos estariam no poder do Brasil em pouco tempo depois da assinatura da abolição. E Patrocínio foi exilado no Amazonas.

Patrocínio consegue voltar alguns anos depois ao solo carioca, mas não deixou de ser persona non grata. Não conseguiu retomar o prestígio do Cidade do Rio — jornal que havia fundado em 1887 —, e politicamente manteve-se exilado.

José do Patrocínio coloca um ponto final em sua história em 29 de janeiro de 1905, em meio a uma crônica que escrevia sobre os direitos dos animais, sendo vítima de tuberculose. Seu funeral atraiu milhares de pessoas. A ave preta, moradora de Inhaúma, nascida em Lagoa de Cima, sucumbiu. O vento, antes cúmplice, não segurou seu mais seu voo. A pena de Patrocínio, leve demais para o chão, pesada, demais para o tempo, dançou sozinha no fim.

Bibi
Bibi / Arquivo Nacional
A história de amor e familiar de José do Patrocínio é deveras interessante, mas seus detalhes ficarão para outro artigo. Em resumo, teve cinco filhos com Maria Henriqueta Sena (Dona Bibi): dois faleceram ainda na infância, e Tinon (que desapareceu), Maceu e Zeca, este também jornalista como o pai.


Se o leitor aceitar um último simbolismo, Bibi era branca, e o casamento enfrentou resistência, especialmente do pai dela, o capitão Emiliano Rosa Sena, que mais tarde acabou cedendo aos encantos do genro o ajudou a comprar um jornal.

Patrocínio encarna o que há de mais rico em nossa memória comunitária, no Brasil, e especialmente campista, onde ele nasceu. Um homem que uniu emoção e ação, passado e futuro, com a coragem de sonhar alto — literalmente — ao construir seu próprio balão, o dirigível Santa Cruz.

Nem todo voo precisa de céu. Alguns precisam apenas de coragem.
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A polarização afetiva e as armadilhas coletivas
28/01/2024 | 12h47
Imagem gerada por IA - Edmundo Siqueira

Não seria impossível — talvez tenha existido de fato — ver um vendedor de rua em qualquer capital brasileira expondo suas camisas de time de futebol em um varal, e entre elas estivessem camisas da Palestina e de Israel. O Brasil atravessa um tempo de polarização extremada e de pensamento binário, que mesmo sobre qual lado você está em conflitos no Oriente Médio são determinantes para formar identidades.

Vivemos, por vários motivos, o que está sendo chamado de “polarização afetiva”, que é quando as discussões e ideologias deixam de ser políticas e passam a ser formadoras de identidade e de pertencimento de grupos sociais. Em outras palavras: a depender da opinião sobre um tema, alguém pode ser aceito ou expulso de uma tribo, de um grupo de pessoas que radicalizaram suas posições.

Relacionar identidade e pertencimento com posições políticas, transformam o jogo democrático em algo tribalizado, essencialmente emotivo e afetivo, portanto. Podemos culpar as redes sociais, mas determinar qual raça ou tribo alguém pertence sempre foi um instrumento poderoso para o ódio, esse significativamente mais antigo que as redes.

A grande contribuição que o mundo virtual trouxe para esse jogo antipolítico foi a gamificação. Uma armadilha que traz ao manipulado uma sensação de prazer e satisfação quando oferece recompensas imediatas por cumprir determinada tarefa ou agir de determinado jeito. Os “likes” e “cliques” se multiplicam por posições radicais, ou por conteúdos que geram discórdia.

Os algoritmos não estão interessados em posições moderadas, principalmente políticas. Mas, de novo, não podemos culpar os instrumentos. O algoritmo responde aos estímulos dados pelas pessoas, que mesmo manipuladas, refletem suas próprias posições extremadas.
Sacadas de apartamentos em São Paulo exibindo bandeiras de Israel e da Palestina.
Sacadas de apartamentos em São Paulo exibindo bandeiras de Israel e da Palestina. / Folhapress - Folha de S. Paulo
Essas armadilhas modernas são eficazes e massificadas. Instrumentos virtuais que utilizam-se de sensações e instintos humanos, esses universais. Portanto, mesmo que tenhamos consciência desses fatores, não é humanamente possível nos colocarmos alheios a esses estímulos, e possivelmente nos reconhecemos caindo em algumas dessas armadilhas.


Voltemos ao caso das camisas de time misturadas às predileções na guerra do Oriente Médio: embora seja um conflito importante, de contornos milenares e envolto em questões religiosas, assumir uma posição neutra ou mediadora não é aceitável nesse jogo antipolítico. Defender a solução de dois estados — Israel e Palestina — não é uma posição que gera “engajamento”. É preciso que você defina de que lado está, mesmo em uma situação de alta complexidade.

Além de permitir que mais e mais pessoas se engajem, estimular posições binárias permite que as soluções sejam de fácil entendimento. Ora, basta eliminar Israel para que o povo palestino deixe de sofrer com o genocídio. Ou, fortaleça o domínio de Israel na região e terá a paz.
Muro com inscrições em hebraico, português e inglês, onde se lê "paz", em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo.
Muro com inscrições em hebraico, português e inglês, onde se lê "paz", em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. / Folhapress - Folha de S. Paulo

O maniqueísmo proposital estimulado pelas redes simplifica decisões complexas, a ponto de pessoas determinarem que um semelhante está do lado do bem ou do mal por suas posições políticas. Se alguém é a favor de dois estados no conflito Israel e Palestina, está do lado do mais forte, portanto configura-se como mal na visão de alguém pró-palestina. E vice-versa.

Política e conflito - Radicalizar os temas se tornou crucial para os políticos que buscam visibilidade e engajamento virtual, e é preciso que um conjunto de posições seja pré-estabelecido para que esse representante seja aceito. Temas como aborto, armas e vacinas se tornaram dogmas definidores nos últimos tempos, no Brasil. Não há meio termo, é preciso que um combo decisório seja apresentado pelo político. Ou se é contra, ou se é a favor.

Há pouco mais de 80 anos, o mundo assistia tropas alemãs marcharem pela Europa em nome de dominação ideológica, maniqueísmo, radicalismo e tribalismo. Há pouco mais de 135 anos o Brasil açoitava e comercializava pessoas por questões raciais. Fatos que, historicamente, foram "ontem".

Discursos de ódio podem ser ouvidos hoje em mesmo tom, assim como camisas e bandeiras tremulam em varais e varandas ideológicas, esperando que o próximo manipulado as comprem e as exponham como sua identidade. São armadilhas perigosas. E repetidas. 

Senhora alemã lendo propaganda nazista exposta em locais públicos.
Senhora alemã lendo propaganda nazista exposta em locais públicos. / Holocaust Encyclopedia



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A pena a favor da República
01/03/2023 | 10h43
Hoje, primeiro de março, lamenta-se exatos 100 anos que Rui Barbosa deixou o mundo dos vivos, e passou à condição de imortalidade, através de suas obras. Considerado por muitos como o maior intelectual que o Brasil já teve, Rui foi um árduo defensor do federalismo e do abolicionismo, jurista, advogado, diplomata, ensaísta, orador, político e tradutor. Mas, acima de tudo, se considerava um jornalista. “Das minhas ideias fixas a que menos tem variado é esta: a do jornalismo”, disse em um dos artigos no jornal “A Imprensa”.


Rui Barbosa entendia que a imprensa era algo essencial para construir o estado democrático de direito — ainda é, apesar da insistente deturpação desse papel por veículos contemporâneos —, e sabia, desde sempre, que os ideais abolicionistas e republicanos dependiam diretamente da atuação do jornalismo independente e acessível à população. Estava certo. Está na ampliação jornalística das vozes de personagens como Luiz Gama, José do Patrocínio, Castro Alves e do próprio Rui, as bases da República e do fim da escravidão no Brasil.

A imprensa, e o direito, eram as suas principais ferramentas. Participou ativamente dos movimentos que levaram a fundação da República, inaugurou o Senado em 1890, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) e teve atuação fundamental para que o Supremo Tribunal Federal (STF) tivesse o papel de guardião da Constituição Federal. Era maçom, como muitos dos abolicionistas, e defendia a ampliação dos direitos trabalhistas, e é um dos pais do liberalismo social e democrático no Brasil, linha ideológica que em muito se afasta de premissas neoliberais vistas anos depois de sua morte.

Era também um homem de contradições — como qualquer um que se dedique muito tempo à exposição pública e a causas que atravessam tempos históricos. Em uma atitude completamente incondizente com o que defendia, Rui Barbosa decidiu queimar todos documentos que encontrou sobre a escravidão. Queria “acabar com o nosso passado negro”. Estava errado. Apagar a memória significa destruir a possibilidade de uma sociedade compreender de onde veio, de problematizar seus erros e de aprender com sua história.

Rui Barbosa via no jornalismo, além de tudo, uma forma de ser alguém do povo, partícipe das vivências cotidianas.
Rui Barbosa via no jornalismo, além de tudo, uma forma de ser alguém do povo, partícipe das vivências cotidianas. / Reprodução
Há também controvérsias quanto a sua capacidade como orador. Seus seguidores, fiéis até hoje, tratam de manter a lenda de que Rui era alguém dotado de uma enorme talento oratório. Seus inimigos, de antes e de agora, sempre o criticaram por proferir discursos maçantes e pouco eficientes quando analisados apenas pela oralidade.
Como verdade incontestável — e consenso mesmo entre os que criticam — está a sabedoria e profundidade de significados no que dizia Rui Barbosa. Mas, talvez, ele era alguém que precisava ser lido, não apenas ouvido. Mas, na cidade holandesa de Haia, na 2ª Conferência Internacional da Paz, em 1907, Rui foi considerado uma “águia”, ainda hoje reconhecido como tal, mostrando que também sabia ser ouvido. Essa, uma de suas boas contradições.
Sejam em discursos falados, ou eternizados pelo bico de pena, Rui Barbosa foi alguém que usou todos os poderes que a palavra pode conferir. No jornalismo e no direito, escreveu os caminhos da primeira República. A Constituição de 1891 foi praticamente escrita por ele, introduzindo nela os princípios republicanos e federalistas, a separação entre os Poderes e o regime democrático, em última análise.

Nascido em Salvador (BA), com praticamente 1 metro e meio de altura, Rui Barbosa mudou a história do Brasil e do mundo apenas com inteligência e com a palavra. Criou as bases civilizatórias que a sociedade brasileira precisava depois do Império, após abolir a atrocidade da escravidão. Em um dos seus textos mais famosos, a “Oração aos Moços”, lido em discurso a formandos da Faculdade de Direito de São Paulo (Rui estava acamado, não pode comparecer), dizia sobre o mal que estava, e continua a estar, no cerne de todos os problemas brasileiros: a desigualdade.
Disse, em um trecho:

“O direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos”.

Rui Barbosa não viveu para ver a ditadura militar de 1964, não pôde escrever sobre a redemocratização e a Segunda República, e não viu seu busto ser vandalizado no STF por bolsonaristas que queriam destruir as bases democráticas e republicanas. Quando completam 100 anos de sua morte, Rui Barbosa passa a ser novamente muito necessário. Ainda bem que é eterno.
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Eu, racista?
19/11/2021 | 11h07
Crioulinho. Neguinho à toa. Pretinho de alma branca. Só podia ser preto. Negro macaco. Tiziu. Negão bom. Mulatinha. Mulato. Se não faz na entrada, faz na saída. Tuas negas. Serviço de preto. Ela tem uma beleza exótica. Traços finos. Amanhã é dia de branco. Denegrir. Inveja branca. Tem um pé na senzala. Criado mudo. Macumbeiro. Lápis cor de pele. Esparadrapo de preto. Inhaca. Suor de preto. Blusa de estampa étnica. Samba do crioulo doido. Cabelo pixaim. Banzo. Nega maluca. Tostado. Passou do ponto. Tinha que ser preto. Escurinho. Moreninho. Sangue diferente. Tenho até amigo preto. Preto, mas gente boa. Cabelo duro. Casa de cupim. Tem aparência de ladrão. Com esse estilo, queria o quê. Branco correndo é atleta, preto é ladrão. Neguinho prestativo. Como se fosse da família. De cor. Pigmentado. Bem passado. Deve ser preto. Negro maldito. Na escravidão era pior. Não existe racismo. Nego sujo. Beiçudo. No escuro, só aparece os dentes. Cabelo de mola. Negra, mas bonita. Coisa de preto. Vai pra África. São preguiçosos. Roupa de preto. Carro de preto. Pretinho de estimação. Não é preconceito, é costume. Racismo é mi-mi-mi. 
Não, não é “sem intenção”. Não é preconceito cordial. Não é piada. Não é opinião. 
É racismo.
Simplesmente, pare. Usemos o Dia da Consciência Negra para olharmos para o nosso racismo cotidiano.
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Borba Gato, Bolsonaro, esquerda, cultura e os EUA - Como se constroem monstros
26/07/2021 | 02h37
Reprodução/TV Globo
Reprodução/TV Globo
O ataque à estátua do bandeirante Borba Gato na Zona Sul de São Paulo, neste sábado (24), é emblemático. Se vai servir mais às narrativas da extrema-direita, ou da esquerda mais radicalizada, o tempo dirá. Mas, o fato demonstra algumas tendências, e formam um objeto de análise necessário — apesar de sempre ser complicado analisar um fato histórico em seu curso. Para além de apoiar narrativas, queimar um monumento cultural é significativo em qualquer parte do mundo e costuma marcar a trajetória dos movimentos envolvidos.
Borba Gato foi um bandeirante. Os Bandeirantes desbravaram territórios no interior do país e, sim capturaram e escravizaram indígenas e negros, estupraram e traficaram seres humanos, além de roubar diversas aldeias. Segundo historiadores, acabaram por dizimar etnias, como explícito no livro "Vida e Morte do Bandeirante", de Alcântara Machado.
A avaliação de que estátuas em homenagem a um bandeirante são absurdas tem fundamento na realidade, porém questioná-las com atos de vandalismo e destruição ajudam a reforçar estigmas, e prejudicam a premente necessidade de educação patrimonial e histórica — educação que é quase sempre libertadora e gênese de senso crítico.
Influencia Norte-americana
Em junho de 2020, a estátua de Edward Colston, traficante de escravos, foi derrubada e jogada no rio em Bristol, na Inglaterra. Os autores foram manifestantes de atos antirracistas que ocorreram ao redor do mundo após a morte de George Floyd, cidadão negro sufocado por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos.
No lugar do monumento inglês, uma escultura de manifestante negra com o punho erguido foi colocada clandestinamente. A troca parece ser eticamente correta — e necessária — em uma sociedade que decidiu — acertadamente e tardiamente — combater o racismo em suas estruturas. Mas durou pouco. O ato foi desfeito pela prefeitura de Bristol e a estátua foi encaminhada para a coleção municipal.
A decisão de vandalizar ou destruir patrimônio público costuma relegar uma luta justa à marginalização —aqui ou em outros países. Atos violentos contra raças e etnias são uma constante na história da humanidade, incomparavelmente mais danosos que estátuas queimadas. O que é preciso avaliar é o benefício e as consequências desses atos para o objetivo maior e para propiciar um ambiente mais justo e equânime.
Estátuas que homenageiam torturadores e déspotas devem cair, mas pelos instrumentos democráticos.
YURI MURAKAMI/FOTOARENA/ESTADÃO
YURI MURAKAMI/FOTOARENA/ESTADÃO
 
 
As narrativas bolsonaristas – favorecidas?
A política é construída essencialmente de símbolos e imagens, que vão construindo narrativas. Por vezes hegemônicas e autoritárias. Desde a chegada ao poder de Jair Messias Bolsonaro, a democracia vem sendo solapada, justamente com discursos histriônicos e golpistas, que abrigam radicais e manifestantes de grupos que se dizem conservadores, mas atuam como reacionários na práxis. Esses grupos tentam impor a existência de um inimigo externo e interno que impedem o desenvolvimento e os “bons costumes”. O inimigo não precisa existir, de fato. O comunismo como um monstro a espreita para tomar o país, é um exemplo. A imprensa e a esquerda são inimigos domésticos frequentes.
Quando estátuas queimam cercadas por faixas com palavra de ordem progressistas, o reacionário tem o símbolo que buscava para “vender” seus monstros. E muitos acreditam na narrativa que as vítimas são algozes. O neofascismo deve ser abolido da vida política democrática. Queimar livros e a cultura é prática histórica de grupos reacionários, apropriar-se dessa prática provavelmente irá fazer igualar os justos aos monstros.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com