Henrique da Hora: "Tarifaço bagunça a economia"
Cláudio Nogueira, Gabriel Torres e Hevertton Luna 02/08/2025 09:20 - Atualizado em 02/08/2025 09:20
Professor Henrique da Hora
Professor Henrique da Hora / Reprodução
“Nosso suco de laranja, café, minério de ferro, nossa tecnologia, somos muito bons. Isso vai nos dar cartas para fazer a negociação”. Foi o que disse Henrique da Hora, professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) e diretor-executivo da TEC Incubadora, entrevistado desta sexta-feira (1) no programa Folha no Ar, da rádio Folha FM 98,3. Ele analisou as tarifas impostas ao Brasil pelos Estados Unidos e os desafios ao empreendedorismo brasileiro e de Campos neste cenário. Por fim, falou das inscrições no programa Startup Campos 2025.
Tarifas de Trump – “Acho que a curto prazo isso dá uma bagunçada na economia. Mas a longo prazo, e eu tenho lido muito isso, que os Estados Unidos estão jogando o mundo em desenvolvimento no colo da China.

Desdolarização – “Hoje o mercado negocia acordos internacionais com moeda americana, com dólar. Você viu que quando o Mercosul começou a crescer e falar que vão desdolarizar os relacionamentos, o Trump começou a ameaçar. Quando o BRICS fez a mesma coisa, que já tem um banco que hoje é presidido pela Dilma, que ele já está colocando. Antes era Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China. Hoje estão colocando mais países em desenvolvimento para criar um bloco ali e fortalecer. Se tirar o dólar desse relacionamento, a gente vai ter sanções. E o que eu verifico é que ele está indo a curto prazo tentando trazer benefícios para desenvolver a economia e ter mais independência, coisa que eu acho que não vai acontecer e a longo prazo é um tiro no pé.”

Impactos das tarifas – “Os fertilizantes que são utilizados naquela plantação, eles têm origem fora do país, eles são negociados em dólar. Isso de alguma forma vai pagar royaltes para os Estados Unidos. A empresa que tem aquela tecnologia, ou do fertilizante, ou do inseticida, tem operação nos Estados Unidos. Quando a gente fala do pequeno, talvez não faça muita diferença. Mas quando a gente fala do grande, que a gente está falando de outra escala, faz muita diferença. Esse tarifaço, eu já li muita coisa. Já li que vai ser grande, já li que vai ser pequeno, já li que vai afetar 0,6% do PIB brasileiro. Mas 0,6% do PIB brasileiro é muita coisa. Se a gente conseguisse crescer, 0,6% estaria ótimo.”

Isolamento – “Os Estados Unidos estão se isolando e como ele é um grande consumidor, um grande produtor de tecnologia e também um consumidor, vai haver aí consequências que a curto prazo acho que vai chegar no bolso do cidadão comum. Mas a longo prazo eu vejo que as coisas vão se reajustar. Os Estados Unidos, a última vez que eu vi, tinha mais ou menos 300 milhões de habitantes. É um bom mercado consumidor. Mas se a gente começar a fazer mais negócio com a China, lá tem 1 bilhão de consumidores. A Índia, 1 bilhão de consumidores.”

Soberania tecnológica - “A gente vai viver um momento de um pouco de turbulência. Mas eu reforço que nós precisamos ter a nossa autonomia e soberania tecnológica. É bom a gente ter o mundo interligado? É, porque às vezes um país vai fazer algo melhor do que a gente. Mas é bom a gente ter a nossa soberania? Também.”

Políticas protecionistas – “Tem um filme que fez parte da nossa adolescência, que é aquele Curtindo a Vida Adoidado. E nesse filme tem uma aula de economia que se popularizou muito agora, apareceu muito nas redes sociais. Nessa aula de economia, coloca lá um professor chato pra falar que todas as políticas protecionistas, tal qual o Trump está fazendo agora, na história da economia deram errado. O filme é da década de 80. E se isso já era falado lá e, apesar de ser um filme de comédia, a teoria está correta. Eu não vejo como isso dá certo a longo prazo.”

Economia do município – “A gente fala muito que a economia, a dinâmica econômica municipal, ela tem ali tido às vezes uns revezes, às vezes algumas sortes, mas a gente não pode ficar refém do que vem de fora. A gente não pode ficar refém de políticas que não estão aqui no município.”

Matriz econômica - “Precisamos de uma matriz econômica mais diversificada. Se a gente pensar um tempo atrás, o petróleo entrou em crise, começou a diminuir o valor do bairro de petróleo. Lembrar que na gestão anterior do município, teve momentos que o repasse de participação especial chegou a vir zero. O pessoal falou, não é que não houve repasse, ele foi zero, então não houve repasse. O município sofre, porque é uma fonte de recursos muito importante. A gente tem que lidar com esse tipo de situação, mas o que a gente faz para frente?”

Dependência – “Como é que a gente consegue, na minha avaliação, claro, lidar com essa dependência? Criando interdependência. Ou seja, eu dependo de você do GPS, mas você depende de mim do avião. E aí a gente consegue colocar as cartas na mesa. Então, ser independente e ser isolado. Eu acho que o mundo não vai passar por isso. Não tem como a gente se isolar. O nosso suco de laranja, o nosso café, o nosso minério de ferro, a nossa tecnologia brasileira e na parte de desenvolvimento de software, nós somos muito bons, e isso vai nos dar cartas para fazer a negociação. Assim como nós dependemos dos outros, os outros dependem da gente.”

Monocultura da região – “Tivemos ali o ápice do petróleo. No final da década de 70 e início dos anos 80, começou a Macaé, a Petrobras se instalar, deu um boom maravilhoso e a monocultura novamente. A gente teve ali, basicamente, o petróleo sendo o grande motor da economia regional. Até hoje, da economia fluminense, tem aquela briga de para onde vai o imposto do petróleo. E aí teve aquela crise do petróleo. E o que acontece quando você tem uma monocultura, uma economia baseada em poucas atividades laborativas? Se essa atividade entra em crise, todo o município entra em crise. E como eu sou da academia, como eu sou professor e como a gente tem essa pegada que funciona em vários países, qual que é a nossa função? É propor soluções. Além de propor, tentar executar essas funções.”

Oportunidades – “Nós estamos numa cidade universitária. A última vez que eu vi o número, Campos tinha 25 mil estudantes universitários. É gente para burro. E o que a gente faz com essa população universitária? Qual é a nossa responsabilidade enquanto professor, enquanto gestor público? A gente tem que dar oportunidade para elas aqui, senão ele vem aqui, vai fazer biologia na UENF e volta para a cidade deles. O que é justo, o que é possível, mas vai para São Paulo, os agrônomos vão lá para o Centro-Oeste, vão lá para o interior de São Paulo, vão para Minas, para Bahia e aqui não ficam. Então a gente tem que criar essas oportunidades para a gente utilizar o município para atrair, para manter os cérebros aqui e para atrair mais cérebros. A gente precisa ter essa preocupação.”

Porto do Açu – “São parques altamente tecnológicos. A gente consegue operar aquelas indústrias com poucas pessoas. Não gera aquele emprego imenso. Onde é que está o emprego dessa base econômica? Onde é que está o emprego dessa indústria tecnológica? Está no desenvolvimento da tecnologia. E é esse emprego que nós estamos perseguindo. É esse emprego altamente qualificado que nós queremos para a nossa população. É o emprego de engenheiro, da biotecnologia, do pessoal da computação. Esse emprego das atividades tecnológicas, ele remunera melhor.”


Formação de professores – “Na década de 1960, o professor Nilton Sucupira criou o chamado Parecer Sucupira, que ele definia a pós-graduação brasileira. E a pós-graduação, ela tinha dois grandes objetivos. Um objetivo é formar gente para a universidade. E isso a gente faz muito bem. Então, quem vai fazer mestrado ou doutorado é para dar aula na universidade, isso é claro. A outra parte que a gente não fez tão bem e está começando a ganhar um impacto agora é formar gente para a industrialização para atuar nas indústrias. E isso os Estados Unidos fazem muito bem.”

Papel das universidades – “A soberania de um país passa pela universidade. A soberania de um país passa, e aí vou trazer a brasa pra minha sardinha, passa pelos institutos federais, porque é preciso ter domínio tecnológico. Então assim como os Estados Unidos até hoje fazem atração de “cérebros”, tem aquele visto que ele é chamado visto do gênio. Então, se você é um proeminente pesquisador, o seu green card nos Estados Unidos é mais garantido, é mais facilitado. Porque os Estados Unidos querem que você vá para lá e desenvolva tecnologia para lá.”

Startups – “Como é que a academia pode atender a indústria e como é que a indústria pode apoiar a academia? Isso acontece por meio das startups. É um ponto ali que a gente conecta esses dois mundos que, muitas vezes e por diversos motivos, eles acabam não se gostando muito. Mas ali eles se gostam e ali a coisa acontece. Ali a gente gera emprego, gera riqueza, gera oportunidade, gera desenvolvimento regional.”

Tecnologia no agro – “É que há muita tecnologia no agro. Quando a gente fala tecnologia, a população deve estar olhando assim, tecnologia é o celular que eu estou segurando, tecnologia é o iFood, que a gente está fazendo ali os pedidos. A tecnologia só é digital. Ela é também digital. Aqui nós temos uma startup chamada iMicrobiotec, que ela faz um biofertilizante. Se ele é um biofertilizante, ele é de base biológica e não de base química. E ele é muito, vamos dizer assim, amigo da natureza.”

Caminho da soberania – “A soberania nacional passa pelos nossos laboratórios de pesquisa, pelos nossos pesquisadores que produzem tecnologia. Essa relação entre os laboratórios de pesquisa, os pesquisadores e os empresários, ela é boa para o país. Ela é boa para a nossa cidade. E é por isso que existe o programa Startup Campos, apoiado pela prefeitura.”

Potencial – “A nossa tecnologia é fantástica. Eu vi um vídeo de um engenheiro americano que veio ao Brasil e estava tentando entender o que era esse chuveiro elétrico. Ele ficou extasiado, falou, como é que isso aqui ainda não ganhou o mundo? Isso eu uso como exemplo, como o brasileiro é criativo. Nós temos os meios, a inteligência e a criatividade para criar tecnologias e para liderar o mundo em algumas áreas.”

Incubadora de empresas – “A incubadora, para quem não conhece, é uma incubadora de empresas, ela é um mecanismo que apoia negócios que estão surgindo. Em que sentido? A gente coloca pessoas mais experientes, que a gente chama de mentores, consultores, para orientar essa juventude especificamente em negócios que ultrapassam um pouco a sala de aula.”

Inscrições no Startup Campos – “As 102 se inscreveram, ou seja, manifestaram interesse em se instalar no município. São 68 de Campos e 36 de fora. É claro, a gente fica muito orgulhoso por Campos estar produzindo boas ideias, mas também ficamos muito felizes em estar atraindo ideias de fora para se instalarem no município e pagar imposto no município.”

Startup Campos – “Serão 16 selecionados novamente, só que foram 102 os candidatos à procura, pessoas com propostas para se instalarem no município. E ao invés de 18 meses serão 24 meses. O fomento total dos três primeiros programas foi próximo de R$ 1 milhão. Agora é próximo de R$ 1 milhão só essa última edição, só a quarta edição que é o que a gente está rodando agora.”
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