Arthur Soffiati - Caminhando lentamente
* Arthur Soffiati 14/06/2025 08:51 - Atualizado em 14/06/2025 08:52
Arthur Soffiati
Arthur Soffiati / Divulgação
Uma brincadeira nas redes sociais pergunta como o bicho-preguiça conseguiu alcançar a arca de Noé a tempo de se salvar. Trata-se de pergunta a ser dirigida aos governantes de países, estados e municípios (ou a divisões equivalentes). Se as respectivas populações continuam no passado em pleno presente, os governantes, explicitamente, não fazem esforço para avançar e minimamente colocar as entidades que governam em sintonia com os novos tempos.
Em se tratando de Campos, o debate promovido no âmbito da 12ª Bienal deixou claro que os jovens que governam o município pensam com 50 anos de atraso. A intenção do debate intitulado “O meio ambiente já vive o futuro e está atrasado” era apenas enfocar a crise ambiental global da atualidade, mas a presença do jovem prefeito de Campos e de alguns de seus jovens secretários tirou os dois debatedores do plano global, puxando-os para o plano local. O jornalista André Trigueiro perguntou aos representantes municiais sobre a existência de um fundo soberano que reserve recursos dos royalties do petróleo, de modo a permitir um desenvolvimento sustentável no futuro (sinto-me mais à vontade com o conceito de “ecodesenvolvimento” formulado pelo economista Ignacy Sachs). O silêncio do governo respondeu que não.
O pronunciamento de um secretário, que pretendia ser decisivo em favor do governo, voltou ao passado. A oposição governo X ambientalistas nos fez remontar ao tempo em que as autoridades governamentais se sentiam criminosas com as críticas dos ecologistas e partiam para a responsabilização criminal deles por meio de processos judiciais e até agressão física. Esse tempo heroico já foi ultrapassado, mas as autoridades ainda não perceberam. É bem verdade que seus representantes não recorrem mais às leis e até conversam com os críticos, mas de forma superficial, como apenas para constar. Alguns estão até dispostos a ouvir os críticos, mais para simular o desejo de colaboração do que para concretamente aceitar sugestões. Substituímos o confronto pela simulação. Mas, em certas ocasiões, a polarização mocinho X bandido vem à tona.
Os ambientalistas perguntam se o município conta com uma secretaria de meio ambiente. A resposta é sim. A pergunta, porém, tem alcance mais profundo. Trata-se de uma secretaria atuante, com um plano que perpassa os planos das demais secretarias de maneira obrigatória. Conta com um Conselho de Meio Ambiente atuante? O silêncio responde. Trata-se apenas de simulacros, como em todos os municípios do norte-noroeste fluminense.
A questão ambiental figura na Lei Orgânica e no Plano Diretor? Sim, figura. O governo empenha-se em implementar seus dispositivos? Silêncio que significa não. As unidades de conservação arroladas na Plano Diretor foram criadas e estruturadas? “Estamos protegendo a lagoa de Cima, o Morro do Itaoca e o Lagamar”. Leia-se, “estamos transformando essas áreas e locais de shows e recreação”. Um zoneamento econômico-ecológico existe e está sendo respeitado? “Estamos retomando o desenvolvimento com o incentivo ao plantio de eucalipto, de café etc”. Onde? Silêncio. Acaso as áreas de preservação permanente estão sendo respeitadas e restauradas? O silêncio profundo cala alto em nossos corações. “Afinal, o que são áreas de preservação permanente? Como restaurá-las? Isso dá dinheiro?”
Nós, poder público, estamos preocupados com as mudanças climáticas, tanto que formulamos um projeto de lei que insere o norte-noroeste fluminense no semiárido. O deserto do Saara era uma floresta há dez mil anos e naturalmente se transformou em deserto. No caso do norte-noroeste fluminense, o ressecamento é resultante de um secular processo de desmatamento e de drenagem pela economia de mercado. A região continua no âmbito do bioma Mata Atlântica. Um projeto de lei correto deveria pleitear recursos para a restauração dos ecossistemas desse bioma. Isso significa restaurar completamente as florestas que se estendiam na margem esquerda do rio Paraíba do Sul assim como recriar as muitas lagoas que foram drenadas na planície fluviomarinha da margem direita do mesmo rio? Seria recriar toda a região no aspecto que ela tinha antes da chegada dos Sete Capitães, em 1632? Significaria expulsar toda a atividade agropecuária e as cidades? Claro que não. Mas seria recuperar áreas mínimas, as APP, e criar áreas protegidas, indispensáveis para a atividade econômica. Existe algum empenho nesse sentido? Desconheço.
E assim a questão ambiental vem sendo tratada: de maneira pontual e eventual. Nada de estrutural. Fala-se em novo momento para as atividades rurais, como o eucalipto, o café, a soja etc. Essas plantas não cumprem minimante o papel de florestas e de rios. Aliás, um fator limitante para a “nova agricultura” é a água, cada vez mais escassa na região por conta da destruição de rios e lagoas, não apenas do rio Paraíba do Sul. Argumenta-se que a culpa não é nossa e sim da capital do estado, que desviou 2/3 de suas águas. Ficamos a esperar que alguma entidade superior nos salve. Quanto a mim, tenho o consolo de contar com madeira de eucalipto para meu caixão de defunto.

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