Edmundo Siqueira
07/10/2025 21:00 - Atualizado em 07/10/2025 21:36
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A apresentação que o jornalista Vitor Menezes transmitida no telão da Academia Campista de Letras (ACL), no último 22 de setembro, trazia um histórico do Festival Doces Palavras (FDP!), desde sua concepção até a edição atual, de 2025. O público presente ouvia atentamente, e a mesa composta pela direção da Fundação Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL) aguardava sua vez de falar e prestar esclarecimentos sobre os andamentos do FDP! até aquela data.
Após a apresentação de Menezes, é concedida a palavra ao escritor e dramaturgo Adriano Moura, que pondera sobre o prazo exíguo para a organização do festival e faz a pergunta que todos se faziam naquela ocasião: “vai ter ou não vai ter o FDP! este ano?”.
Para responder a pergunta, Fernanda Campos, atual presidente da FCJOL, começa sua fala agradecendo os que falaram antes dela e quem estava ali presente, e relata o empenho de sua equipe em fazer com que a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, através de leis de incentivo, aprovasse o projeto do FDP! inscrito algum tempo antes. Sobre a possibilidade de realização às expensas do município de Campos, a presidente disse que as condições atuais dos cofres públicos locais não estavam favoráveis, principalmente por entraves no repasse de recursos estaduais na área de saúde. Mas, termina sua fala afirmando que o FDP! será realizado, e que “daria um jeito” do festival ser posto em prática.
Um festival genuinamente campista
O Festival Doces Palavras é um evento literário genuinamente campista. Pensado para ser realizado no interregno da bienal local, o FDP! desde o início se propôs a aliar diversas manifestações da cultura de Campos, inclusive levando as tradicionais doceiras da cidade para expor e comercializar seus produtos.
Artigo do jornalista Vitor Menezes, no "Monitor Campista" onde nasce a ideia do FDP!.
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Wellington Cordeiro
A prefeitura de Campos seguiu apoiando e realizando o FDP!, até 2019, quando decidiu não mais participar. Na ocasião, a sociedade civil abraçou o evento e o realizou com uma programação descentralizada, ocorrendo durante um mês, em vários espaços culturais da cidade. Em 2021 foi retomada a realização pela prefeitura, que precisou planejar atrações híbridas por conta da pandemia da Covid-19.
A edição atual do FDP! encontra uma situação semelhante à de 2019. Embora a FCJOL não se negue a promover o evento, as dificuldades financeiras alegadas já fizeram com que o evento inicialmente marcado de 24 a 28 de setembro fosse adiado para novembro, do dia 5 ao dia 9.
Na última quarta-feira (1), uma nova reunião, dessa vez no Museu Histórico de Campos e sem a presença da presidente da FCJOL, o diretor artístico da Fundação, Fábio Matos, reforçou que o FDP! acontecerá no novo período acordado, e com previsão de ser realizado nas dependências do Palácio da Cultura — equipamento localizado no coração de um dos bairros mais valorizados de Campos.
Um dilema FDP!
Apesar das confirmações da Fundação Cultural — instituição que faz as vezes de Secretaria de Cultura em Campos —, o FDP! segue com a dúvida sobre qual será a origem dos recursos para sua realização.
No Estado, dois projetos com o festival como objeto seguiam, em paralelo, para buscar aprovação. O primeiro, de número 73.541, foi desclassificado pela secretaria estadual em 23 de setembro deste ano, informado pelo Diário Oficial do Rio. O segundo, registrado com a numeração 74.088 segue em análise, e terá seu destino decidido daqui a dois dias, na próxima quinta-feira (9).
A plataforma estadual é estruturada em lei de incentivo fiscal, onde empresas aportam recursos que seriam usados no pagamento de impostos. Apoiando o FDP! estaria a rede de supermercados “Dom Atacadista”.
Reunião na quarta (1º) sobre o FDP!, no Museu Histórico de Campos, contou com representante da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, mas não com a sua presidente, Fernanda Campos (Foto: Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)
Consultado pelo Folha1 sobre o projeto, a Secretaria de Cultura do Estado informou, através da assessoria de comunicação, que “o proponente (FCJOL) ainda não anexou ao sistema a declaração de patrocínio, documento obrigatório para a liberação do recurso. Assim, mesmo que o projeto seja aprovado pela CAP, sua fruição só poderá ocorrer após a apresentação da referida declaração”.
O prefeito de Campos, Wladimir Garotinho, e a presidente da FCJOL, Fernanda Campos, contestaram a informação do Estado, ao Folha1. “Não é verdade, o documento foi entregue, eu mesmo busquei o documento com o representante do Dom Atacadista”, disse Wladimir. Já Fernanda, disse ser “improcedente” a informação, e confirmou o envio do documento exigido pelo Estado em “22 de agosto, tão logo obtivemos importante e fundamental documento em mãos”.
Procurado, o prefeito de Campos disse “não ser verdade” que o documento não foi entregue. E que ele próprio havia buscado o documento com o representante do Dom Atacadista, que teria sido encaminhado ao estado há cerca de 30 dias.
Sobre a contestação da Prefeitura, a secretaria estadual insiste: “reiteramos que o projeto Festival Doce Palavras foi submetido ao Sistema Desenvolve Cultura em 29 de agosto e será analisado no dia 9 de outubro (...) em um período consideravelmente mais rápido do que o possível de acordo com a legislação vigente”, e que “o modelo padrão (da declaração), encontrado no nosso site oficial, não foi anexado ao sistema, em discordância com a legislação em vigor”.
Além de alegar desconformidade do documento, a secretaria informa que “é necessário que a empresa (Dom Atacadista) apresente certidão negativa de débitos trabalhistas, o que não consta no parecer da Justiça do Trabalho”. Informa ainda que tentou contato com a FCJOL, via sistema, “buscando solucionar as questões apresentadas, mas não obteve resultado”.
Enquanto os documentos cruzam prazos e protocolos e as declarações se transformam em versões contraditórias, o tempo corre contra o festival. O FDP! nasceu da vontade de unir palavra e identidade, mas parece agora aprisionado no labirinto da burocracia e das alegações de falta de recursos.
Cultura, como direito difuso e constitucional, pode servir também de ganho turístico e econômico para a cidade — mas, antes de tudo, é um direito. E não um favor.