O que motivou os municípios do interior fluminense a privatizar (ou não) o saneamento?
Juliana Santos Alves de Souza, Érica Tavares e Giuliana Franco Leal 08/08/2025 14:50 - Atualizado em 08/08/2025 14:50
Uso de água tratada
Uso de água tratada / Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Em 2021 dezenas de municípios fluminenses — como São Fidélis, São Francisco de Itabapoana, Carapebus e outros do Norte Fluminense — transferiram à iniciativa privada a responsabilidade pela provisão do abastecimento de água e do esgotamento sanitário. Hoje, já são 65 municípios do estado que contam com a oferta desses serviços por empresas privadas. Uma mudança significativa que levanta debates sobre a atuação das prefeituras e sobre quem ganha com essa reestruturação.
Após cerca de quatro anos de concessão, a universalização e a modernidade na infraestrutura sanitária parecem distantes, e a justiça ambiental segue fora do radar.
Pesquisa de nossa autoria apresentada em maio de 2025 no XXI ENANPUR (Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional) traz algumas respostas. Um dos motivos decisivos para transferir a provisão para a iniciativa privada foi a outorga recebida pelos municípios por meio da concessão — um valor em dinheiro pago pelas concessionárias. Outro ponto importante foi o receio de ficar sem o repasse de recursos da União previsto para projetos de concessão ou parcerias público-privadas no novo marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020). Atualmente, os municípios da região apresentam dificuldades orçamentárias diante de suas responsabilidades, tornando-os dependentes do repasse de recursos estaduais e federais para a concretização de suas políticas públicas. Além disso, falou mais alto a lógica imediatista de tentar eximir-se da responsabilidade pela solução dos problemas da gestão do saneamento.
Também levantamos as razões para não se aderir à privatização: (a) o diálogo constante das prefeituras com a Cedae e com o sindicato, especificamente o Staecnon (Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento de Campos e Região Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro), e (b) o andamento de projetos no setor de saneamento, inclusive em parceria com a Cedae. Na região, não aderiram os municípios de Macaé, Quissamã, Cardoso Moreira, São João da Barra, por exemplo. Vale notar que Campos dos Goytacazes já possuía serviços privatizados desde 1999.
Todo o processo de concessão se revelou pouco transparente e marcado pela ausência de participação efetiva dos municípios e da população nas decisões, inclusive em virtude da pandemia da Covid-19. Pior: não houve estudos de viabilidade técnica e financeira, e em muitos casos os próprios municípios não eram capazes de entender as demandas do setor e fiscalizar a prestação do serviço.
Nesse cenário, a privatização nem deveria ser cogitada como solução para o saneamento, uma vez que as prefeituras não conseguem sequer dialogar com os prestadores.
Na busca por cumprir um requisito formal, foram apresentados Planos Municipais de Saneamento Básico feitos apenas para constar — tanto que alguns municípios estão agora trabalhando na sua efetiva construção.
Outro ponto crítico foi a passividade frente às decisões do governo estadual, com as prefeituras não reconhecendo a própria autonomia. Por fim, a relação conflituosa de muitas prefeituras com a Cedae agravou ainda mais o cenário, perdurando na região a falta de diálogo entre o ente municipal e a companhia estadual.
Nitidamente a decisão municipal vai além de uma mera escolha política, envolvendo a complexa condição da capacidade institucional — potencial de atuação na gestão e provisão do saneamento. Fica evidente que os caminhos para a ampliação do acesso ao saneamento passam pelo fortalecimento municipal. Apesar de casos isolados de oposição às práticas inadequadas das empresas privadas, ainda falta uma medida definitiva e de controle que reduza a lógica do lucro acima do acesso universal.
Sem essa perspectiva que deveria guiar a provisão e a gestão do saneamento, a universalização seguirá apenas como elemento narrativo para reprodução de estatísticas que não revelam a realidade de nossa região. Esse é outro problema sério, que, quem sabe, pode vir a ser tratado em um futuro artigo.

Juliana Santos Alves de Souza é doutoranda em Ciências Ambientais e Conservação pela UFRJ e pesquisadora assistente do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.
Érica Tavares é professora da UFF e uma das coordenadoras do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais NESA/UFF.
Giuliana Franco Leal é professora da UFRJ-Macaé e líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Socioambientais e Ecologia Política, no Instituto NUPEM/UFRJ.

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