Juliana da Cunha Miguel e Daniela Bogado
19/08/2025 11:26 - Atualizado em 19/08/2025 11:27
Mobilidade no Centro de Campos dos Goytacazes
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Acervo MobiRede
A garantia do direito a cidades acessíveis e sustentáveis, à integração dos modos de transporte, à infraestrutura e à gestão democrática faz parte dos objetivos da política de mobilidade urbana.
Essa política é responsável por atender demandas sociais como a acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida a todas as rotas e vias existentes; propiciar à população condição de acesso ao lazer, aos serviços e instrumentos urbanos adequados bem como aos equipamentos públicos, visando à melhoria da qualidade de vida.
É com esse propósito que a análise da atuação do poder público deve ser realizada, de modo a incorporar o direito à cidade no campo da gestão pública da mobilidade urbana. Nesse sentido, as políticas públicas de mobilidade urbana precisam, entre outros objetivos, atender o interesse público e coletivo, construindo uma política planejada e articulada democraticamente para a redução das desigualdades sociais e o aumento do acesso ao que é de direito do cidadão.
Na pesquisa “Políticas públicas e controle social: mobilidade urbana e aplicação dos recursos públicos em Campos dos Goytacazes/RJ”, foi possível analisar que no município, no âmbito formal da política (ou seja, no que consta no papel, estando previsto em lei), há, como estratégia da política de mobilidade urbana, as diretrizes de integração do território municipal, de promoção da acessibilidade e mobilidade universal, de requalificação dos espaços públicos, de ampliação e integração das diversas modalidades de transporte com as variadas atividades humanas localizadas no território municipal.
Contudo, ao aproximarmos o olhar para a realidade contida no cotidiano dos cidadãos, é possível enxergar lacunas que indicam a existência de um longo caminho a se percorrer para alcançar a justiça socioambiental. Podemos citar aqui alguns “gargalos” mais evidentes que afastam essas metas, tais quais a precariedade da infraestrutura de transporte público; pontos de ônibus com pouca iluminação; insegurança; horários convencionais e rotas que favorecem apenas o uso do transporte público para o trajeto ao trabalho, deixando em segundo plano o lazer e as atividades noturnas, inclusive as relacionadas ao ensino, com um maior agravante nos finais de semana; calçadas irregulares e deterioradas com dimensões que dificultam a caminhabilidade e o acesso de pessoas com deficiência ou locomoção reduzida; a deseducação no trânsito; a falta de continuidade e de distribuição homogênea da sinalização etc.
Diante deste contexto, também nos importa voltar a atenção para variáveis menos visíveis, que são possíveis de se identificar quando direcionamos o olhar para o aspecto mais operacional da gestão dessas políticas. Dentro do setor de mobilidade, é possível identificar um déficit de instrumentos de participação social que consigam promover uma melhor interlocução entre as demandas da sociedade civil e o Estado (poder público). Nota-se que as ações da gestão responsável pela mobilidade urbana estão, em grande parte, voltadas para a (re)estruturação da estrutura administrativa; a (re)configuração de marcos legislativos; bem como o desenvolvimento e o resgate de (macro)projetos voltados para infraestrutura viária, novas vias e traçado urbano.
Contudo, se levarmos em conta uma cultura política marcada pela valorização de políticas de curto e médio prazo (dado o período de quatro a oito anos de governo, a depender se haverá ou não reeleição), acaba-se gerando, muitas vezes, um ciclo com início e meio, mas sem um fim.
De fato, ações mais efetivas têm sido direcionadas ao campo da mobilidade urbana, com ciclovias e a ampliação e criação de ciclofaixas, que tem sido implementadas como principal (na verdade, única) política pública de mobilidade ativa. Nos aspectos de acessibilidade, sustentabilidade e transporte público integrado, é possível observar pontos que necessitam de investimento público, desde intervenções na infraestrutura de vias e calçadas, considerando a arborização, até o melhoramento da frota de transporte público, assim como projetos integrados ou alternativos que inclusive estimulem o uso de patins, patinete e skate, caminhadas e corridas, pensando nas possíveis manifestações esportivas na paisagem urbana.
Quanto à estrutura administrativa, a partir de 2020, a mobilidade urbana se inseria em uma “macrossecretaria” de Planejamento Urbano, Mobilidade e Meio Ambiente (SEMPUMMA). Esse grande guarda-chuva abrigava três subsecretarias — Mobilidade; Meio Ambiente; e Planejamento Urbano —, além do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT), órgão executivo.
Mas este ano, houve uma reformulação, que extinguiu a SEMPUMMA como secretaria, estabelecendo a antiga Secretaria de Meio Ambiente, bem como a Subsecretaria de Planejamento Urbano e a Subsecretaria de Mobilidade Urbana como subsecretarias ligadas à Secretaria de Obras. Embora tais (sub)secretarias estejam teoricamente integradas, na prática poderiam apresentar mais projetos ou ações conjuntas no campo da mobilidade urbana, com melhor articulação com o IMTT e os Conselhos Municipais. Outra evidência: embora o Plano Diretor de Campos preveja uma série de instâncias associadas à mobilidade, o que se vê (sem retirar sua importância) são políticas mais direcionadas à infraestrutura física da malha viária, a ciclofaixas em áreas mais centrais (sem integração das ciclovias e ciclorrotas em toda planície campista) e à instalação de novas coberturas em pontos de ônibus. Pouco se observa de atuação efetiva e diferencial em áreas como transporte público hidroviário, multimodal e em prol da acessibilidade, por exemplo.
Apesar dos avanços com os marcos legais e políticas adotadas pelas (sub)secretaria(s) e pelo IMTT, bem como da identificação de esforços por parte do poder público para a melhoria das políticas urbanas de mobilidade, o setor ainda encontra déficits significativos para estabelecer uma política de mobilidade baseada em indicadores da sustentabilidade, acessibilidade e justiça social. Por exemplo, sentimos falta de publicização/visibilidade da atuação do Conselho de Mobilidade, que poderia ocorrer de forma mais transparente, ou de que haja outro espaço de diálogo com as minorias que dependem da mobilidade ativa e/ou do transporte público, para que não haja um tipo de engessamento que reproduza as desigualdades sociais.
Outro fator identificado que dificulta a operacionalização das políticas de mobilidade, embora não seja uma especificidade do caso campista, é a falta de continuidade política e de informações oficiais acessíveis nos canais de comunicação: com o fim dos mandatos ou troca de gestores, por vezes se rompe o que já fora estabelecido, acarretando a descontinuação de projetos. Também se observa que o site da prefeitura está desatualizado quanto aos Conselhos e órgãos e que há dificuldade para acessar dados orçamentários de forma clara e direcionada aos investimentos no setor de mobilidade urbana.
O Plano Diretor aborda os conceitos de sustentabilidade e acessibilidade, mas o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável — que é um instrumento da política urbana municipal, aprovado por lei como um plano de ação em 2022 — precisa ser revisto. Por decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE), no processo TCE-RJ 204.917-3/2023, é preciso aproximar da realidade local o desenho dessa política pública. Dentre os aspectos destacados pelo órgão que vetaram a implantação do plano de mobilidade estão: (a) a formulação do plano apenas com diretrizes que demandam ações a serem posteriormente planejadas, inviabilizando qualquer possibilidade de comparação concreta com o Plano Diretor; (b) falta de ações estratégicas no PMU; (c) falhas no planejamento (diagnóstico, prognóstico, criação de soluções, resultados esperados e formulação) que inviabilizam a aplicação prática da Política Pública de Mobilidade Urbana; (d) falta de participação social e de transparência no processo para a formulação do PMU; (e) falta de planejamento e gerenciamento na política pública de mobilidade urbana considerando os impactos dos transportes intermunicipais; e (f) lacunas entre as ações estratégicas de mobilidade urbana e urbanismo de Campos dos Goytacazes com os instrumentos de planejamento orçamentário do Executivo.
Isso destaca a necessidade tanto de se estabelecer categorias de ações fundamentadas em diretrizes e metas — como as presentes nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, no Estatuto da Cidade, no Plano Nacional de Mobilidade Urbana, no Estatuto da Pessoa com Deficiência e no Plano Diretor — quanto de melhorias na operacionalização das políticas públicas de mobilidade urbana observando aspectos fundamentais de gestão, como ações integradas, planejamento orçamentário e dispositivos de participação social. Dessa forma, será possível efetivar as políticas públicas municipais, avaliá-las e estabelecer (novas) estratégias que consigam, de fato, fazer diferença na realidade dos cidadãos.
Juliana da Cunha Miguel é doutoranda do PPGSP/UENF, pesquisadora assistente do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e bolsista voluntária do APPA/MobiRede - IFF.
Daniela Bogado é professora do IFF Campos e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e do APPA/MobiRede.