Kassab é o centrista fisiológico que o Brasil criou contra a extrema-direita
13/10/2024 | 01h33
Arte digital, criada  por IA.
Arte digital, criada por IA. / Edmundo Siqueira


A preço de hoje, Lula e Tarcísio de Freitas são os nomes mais cotados para 2026. Existem muitos outros possíveis presidenciáveis, mas entre coachs e prefeitos de capital bem votados em primeiro turno, Lula e Tarcísio personificam duas grandes correntes no Brasil, algo em torno de 20-30% do eleitorado cada.

Tarcísio consegue vender uma imagem de moderado, mesmo apoiado por Bolsonaro e o reverenciar como mito. E caso consiga manter duas situações bastante críveis — a vitória de Ricardo Nunes para a prefeitura de São Paulo e a inelegibilidade de Bolsonaro — se cacifa para 2026 como o favorito do centrão, da Faria Lima e de boa parte da classe média.

Gilberto Kassab, presidente do PSD, vem sendo vendido como o “homem do jogo”, o grande vencedor das eleições municipais. Dá para entender: seu partido abocanhou 886 prefeituras. Porém, não se trata apenas da habilidade política de Kassab. Sem um Congresso com um poder gigante sobre o orçamento público federal não seria possível eleger prefeitos centristas fisiológicos com tanta facilidade.

Kassab mostrou ser o mais habilidoso em entender esse jogo, e com uma posição de neutralidade de ocasião e com a liberdade ideológica de quem está olhando de cima do muro, ele pode ser um instrumento poderoso nas mãos de quem estiver melhor colocado em 2026. Ou de quem pagar mais.

Como tudo mais na vida, há sempre lados positivos, mesmo quando servem para conter desgraças. Talvez um centro fisiológico tipicamente brasileiro seja a única força capaz de conter o avanço da extrema-direita. Por óbvio, não é a força ideal para políticas de interesse público, ou mesmo para uma democracia saudável, mas é o que o mundo real mostra.

Gilberto Kassab, presidente do PSD.
Gilberto Kassab, presidente do PSD. / Ed Alves/CB/D.A Press
A postura fisiológica de Kassab é justamente a mesma da mão que rege a batuta da orquestra mais poderosa no Congresso Nacional. E é justamente a que deu o tom nas eleições municipais. Por falar em centrão, o natural enfraquecimento do presidente da Câmara, Arthur Lira, que não pode se reeleger em 2025, abre mais um caminho para Kassab ser o maestro principal das eleições presidenciais de 2026.


Lula, a preço de hoje, é o favorito. Reconhecido pelos adversários como tal. E tem uma boa relação com Kassab. Caso a economia não desande, e o aparente voo de galinha seja mais duradouro que o previsto, a tendência é que Lula chegue muito forte em 2026.

“Ah, então se Lula for eleito, está resolvido e não ficaremos nas mãos do centrão”. “Ah, se Tarcísio se fortalecer, iremos moralizar o país!”; o que parece é que a orquestra continuará a tocar mesmo se o Titanic estiver afundando.
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20 de novembro: as flores de luta do quilombo do Leblon
20/11/2023 | 05h54
Grupo em torno da princesa Isabel e do conde D’Eu, na missa campal de 17/05/1888, no Campo de São Cristóvão celebrando a abolição. Com presença de Machado de Assis, José do Patrocínio escondido pela posição da foto atrás de um estandarte e segurando a mão de seu filho, então com três anos.
Grupo em torno da princesa Isabel e do conde D’Eu, na missa campal de 17/05/1888, no Campo de São Cristóvão celebrando a abolição. Com presença de Machado de Assis, José do Patrocínio escondido pela posição da foto atrás de um estandarte e segurando a mão de seu filho, então com três anos. / Biblioteca Nacional
A lei que a princesa regente Isabel assinou, em maio de 1888, não foi um ato de benevolência, como parte da historiografia tentou vender. A abolição foi resultado de luta e sangue das pessoas escravizadas que viviam no Brasil Império, e de intelectuais que resistiam àquela situação degradante que o país teimava em manter.

O governo da ocasião, configurado como uma monarquia constitucional, tentava alternativas reformistas — como a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários — mas havia em parte da sociedade, principalmente na capital Rio de Janeiro, dois sentimentos que passaram a se tornar manifestos: medo e vergonha. O medo compreensível da reescravização e a vergonha de viver em um país que ainda permitia alguém ser proprietário de outro alguém.

Medo e vergonha que se transformaram em ação. Revoltas aconteciam em todo país, células abolicionistas transformaram-se em quilombos e multiplicavam-se as publicações jornalísticas focadas nos movimentos republicanos e abolicionistas. No Rio, foram formados, entre outros, o quilombo Raimundo, no Engenho Novo; o Miguel Dias, no Catumbi; o Padre Ricardo, na Penha; e o quilombo Clapp, na praia de São Domingos.

E onde hoje é o metro quadrado mais caro da cidade do Rio de Janeiro (nada menos que R$ 22.445,00 em agosto deste ano, segundo o Índice Fipe), o bairro Leblon, existia um quilombo icônico instalado em uma chácara de propriedade de um comerciante português influente. Com ideias avançadas para a época, José de Seixas Magalhães abrigava escravizados que fugiam ou que entravam para a resistência.

A Casa Seixas e Cia. funcionava na rua Gonçalves Dias, onde elegantes casarios abrigavam cafés, hospedarias e casas comerciais. Lá estava o armazém de seu José de Seixas, idealizador proclamado do quilombo do Leblon. No comércio eram vendidos malas e sacos de viagem, mas a chácara abrigava algo de simbolismo e importância muito maiores.

As camélias como símbolo — No então subúrbio à beira mar do Leblon, o quilombo do “Seixas das malas” cultivava uma flor chamada camellia japonica — ou simplesmente camélia. Segundo Eduardo Silva, no artigo “Rui Barbosa e o quilombo do Leblon - uma investigação de história cultural”, aquela era uma flor “relativamente rara no Brasil, introduzida no Rio fazia uns 60 anos, se tanto”.
Reprodução.
— Exatamente como a liberdade que se pretendia conquistar, a camélia não era uma flor dessas comuns, naturais da terra e encontradiças soltas na natureza. Era, pelo contrário, uma flor delicada, especial, nova, estrangeira, cheia de melindres com o sol, que requeria ambiente, know-how, relações de produção, técnicas de cultivo e cuidados muitíssimo especiais. Para cuidar das camélias, somente um trabalhador livre de todas as amarras. Em l897, quase dez anos depois da Abolição, o poeta Olavo Bilac ainda contrapunha as "flores da mata", a nossa natureza comum daqui mesmo, às sofisticadas camélias, símbolos de refinamento e civilização. “Aí tens tu, leitor amigo, as flores da mata... Se não as queres, aqui tens as camélias”.

O comerciante Seixas era amigo dos maiores abolicionistas do Rio e do Brasil, e certa vez, por ocasião de seu aniversário, estiveram reunidos no quilombo das camélias — ou quilombo do Leblon — Joaquim Nabuco, João Clapp, o campista José do Patrocínio e muitos outros abolicionistas.

Mas o quilombo não tinha apenas a função comercial e de reuniões abolicionistas. As camélias produzidas no Leblon passaram a ter um valor essencial para a causa da abolição: ela se transformou em um símbolo.
Quem era visto com uma camélia na lapela, logo era identificado como abolicionista.

O simbolismo das camélias ficou tão forte que não pretendia ser escondido ou viver na clandestinidade. Na subscrição popular pode ser encontrada tanto a existência do quilombo do Leblon como a oferta por Seixas de uma pena de ouro à Princesa Regente Isabel, para que ela assinasse a lei da Abolição.
Dia da Abolição - 13 de maio de 1888.
Dia da Abolição - 13 de maio de 1888. / Biblioteca Nacional
As referências da origem da "pena de ouro" de Isabel não são consensuais, mas não era de se estranhar que de fato tenha vindo do influente comerciante do Leblon. Seixas, não tinha apenas a cumplicidade dos grupos abolicionistas do Rio, mas contava com a proteção da própria princesa. As camélias do quilombo eram fornecidas regularmente ao Palácio das Laranjeiras, hoje sede do governo do Estado, e enfeitavam a mesa de trabalho da Princesa Isabel e sua capela particular. Dizem que para lá iam as mais belas camélias do quilombo do Leblon.

Desconstruir o racismo — Embora Isabel não tenha sido benevolente, ela foi uma figura essencial para que o Brasil chegasse ao 13 de maio de 1888. Figuras abolicionistas importantes foram fiéis à princesa até o fim, como José do Patrocínio. Mas o que determinou que a nação, ainda que tardiamente, abolisse a escravidão, foi principalmente a luta de pessoas escravizadas.

Mas os reflexos desse período são visíveis ainda hoje. Os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre o encarceramento, informam que em 2022 havia 442.033 negros encarcerados no país, ou 68,2% do total das pessoas presas.

Nas eleições de 2022, o número de negros eleitos para a Câmara dos Deputados bateu recorde: 135. Porém, esse é um percentual muito pequeno de representação, onde apenas 26% do total de parlamentares são pessoas pretas.

De acordo com projeção recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como os números atuais de juízes negros no Brasil (identificam-se como pessoas pretas apenas 1,7% dos magistrados e magistradas) levaremos 30 anos para que ter — apenas — 20% de pessoas pretas na magistratura.

Esses são apenas alguns dados do que a academia chama de "racismo estrutural" no Brasil. Os espaços de poder são ocupados majoritariamente por pessoas brancas e acontece exatamente o contrário nos locais de vulnerabilidade social. E isso é visto com naturalidade.

É preciso construir novos símbolos para desconstruir essa realidade. Não se combate violência com flores, mas mudam-se realidades através de símbolos e de pessoas. São lutas constantes — de todos.



 
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Como esperado, o Parlamento é um problema
15/04/2023 | 07h06
A ciência política tem por praxe dizer que o parlamento é o espelho da sociedade. Afinal, lá estão (ou deveriam estar) representados as mais diversas correntes de pensamento, interesses e as regionalidades de um país continental.

O problema é que no Brasil há uma sub-representação. Em uma sociedade com 51% de mulheres e 56% de negros, a imagem refletida no “espelho” congresso é distorcida. Além dessa disparidade, alguns parlamentares eleitos no último pleito vieram de uma onda de extrema direita que não havia antes na política brasileira. E apesar de poucos, fazem bastante barulho principalmente onde o debate público se concentra, hoje: nas redes sociais.

Os discursos desse grupo de parlamentares são feitos para conseguir engajamento, curtidas, compartilhamentos e serem espalhados para diversos grupos de WhatsApp. Um deputado que se dedica a anos à uma política pública, nas áreas de educação e cultura por exemplo, não consegue ter o mesmo alcance que outro que posta uma foto com um fuzil nas mãos ou protagonizando alguma briga.

É como a política funciona no novo mundo digital. As redes sociais se tornaram a ágora — a praça pública — moderna, e não há muito o que fazer a esse respeito. Discute-se marcos regulatórios para a internet, tenta-se banir quem passa do ponto, mas é nas redes que os debates acontecem e é lá que as pessoas buscam informação.

O problema é que as instituições públicas não podem atuar em busca de curtidas. O Estado é o organismo que a sociedade criou para regular as relações humanas, para criar condições mais justas de convivência e para tratar a desigualdade. O parlamento é a voz do povo e tem o poder de criar as leis, por isso precisa ser plural e o mais representativo possível.

Existem também organismos independentes ao Estado, que servem para que a sociedade saiba o que acontece nos ambientes do poder e exerça sua cidadania da forma mais plena possível. Esse não servem apenas fiscalizar, mas também para que os permitir que os debates aconteçam com contraditório, ouvindo as partes envolvidas e tentando mostrar quais são os interesses reais em disputa. A imprensa cumpre esse papel, assim como o Ministério Público e os conselhos comunitários.

As redes sociais são caixas de reverberação — quando um som incide sobre uma superfícies refletivas, causando um grande número de reflexões. Muitas vezes não produzem informações verdadeiras, diferente da imprensa profissional que precisa da verdade para sobreviver.
E o som alto de polemistas do Congresso costumam ser o que chegam aos ouvidos e cliques dos usuários. E os algoritmos das redes tratam de amplificar ainda mais esses ruídos. Fenômenos eleitorais como Bolsonaro e seus apoiadores eleitos podem ser explicados por essa lógica.
Mesmo assim, dentro do Congresso, o jogo político não reflete os sons das redes sociais, na maioria das vezes. Apesar de barulhentos, os deputados e senadores que buscam likes não estão em posição de poder no legislativo. Na última semana, o presidente da Câmara Arthur Lira anunciou a criação de um super bloco, com 170 deputados. Foi uma resposta à articulação do executivo que tentou formar uma base com 142. Embora não se coloque na oposição, o “blocão” de Lira serve para barganhar poder. E mostrou que o controle do parlamento ainda é de alguém que se acostumou ao papel de “primeiro ministro” do governo Bolsonaro.

No embate de Lula e Lira o que prevalece é a política, principalmente de bastidor. E acaba por definir as iniciativas que passam e que não passam nas casas legislativas. É ainda de onde vem o poder real. Mas é preciso alertar: o espelho distorcido da sociedade no parlamento pode dar azar; e por mais de 7 anos.
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As perguntas ainda não respondidas na Câmara de Campos
18/04/2022 | 10h04
Talvez o único consenso que há sobre a trama da novela trágica que se arrasta na Câmara de Vereadores é que ela precisa de um desfecho. Como todo enredo, o encadeamento de eventos que vão compondo as narrativas da trama principal precisa resultar em algo com princípio, meio e fim. E o fim depende de respostas a algumas perguntas.

Para respondê-las, os vereadores precisam se submeter ao estado democrático de direito e a prevalência das leis e regimento. As narrativas importam, mas elas precisam estar amparadas nos normativos quando tratamos de poder público.
A trama começa com a antecipação da eleição para a Mesa Diretora, onde a base governista perdeu, inclusive tendo o resultado declarado pelo candidato à reeleição derrotado, Fábio Ribeiro. Depois da “traição” do vereador Maicon Cruz — que havia acordado voto em Fábio —, e o “não voto” de Nildo Cardoso durante a votação, de forma nominal, a eleição foi anulada.
Em contragolpe, a oposição tenta a retomada da sessão que deu vitória a Marquinhos Bacellar na justiça, mas é negada em duas instâncias. Após paralisação por mais de um mês, as sessões foram retomadas com a abertura de processo para destituição da presidência da Casa. Dobrando a aposta, a situação abre procedimento para a perda de mandato dos 13 vereadores oposicionistas.
Esse fio de acontecimentos coloca a Câmara na situação que hoje se encontra: inoperante e com a imagem manchada. Algumas perguntas ainda parecem sem respostas. Quais sejam:
Câmara de Vereadores: Eleição anulada, pedidos de destituição e cassação, e paralisia legislativa.
Câmara de Vereadores: Eleição anulada, pedidos de destituição e cassação, e paralisia legislativa. / Aldir Sales
 
1 – Os 13 vereadores oposicionistas compõe um bloco parlamentar? A resposta a essa pergunta pode parecer sem importância, mas conferem aos 13 vereadores, que hoje se colocam como oposição, prerrogativas e vantagens legais e regimentais específicas. Eles, os 13, formariam um bloco parlamentar, de fato? Como tal, foi comunicado à Mesa Diretora a sua formação?
2 – Houve obstrução ou falta dos vereadores? As ausências dos vereadores de oposição aconteceram como forma de protesto, onde alegava-se abuso de poder por parte do presidente Fábio Ribeiro, e como forma de pressão para que a eleição da Mesa fosse retomada. Esse movimento pode ser caracterizado como “obstrução”, o que é legítimo das minorias em uma Casa Legislativa. O próprio regimento da Câmara de Campos, na seção sobre perda de mandato, ressalva o movimento para computar as faltas: “se em obstrução declarada por líder partidário ou de bloco parlamentar”.
Portanto, estando o vereador em exercício do seu mandato, em atividades inerentes ao seu cargo, mas não comparecer as votações como forma de obstrução, pode ser considerado um movimento político legítimo. Mas, os 13 representam um bloco parlamentar?
3 – É cassação ou perda de mandato? Uma vez considerada como faltas as ausências dos vereadores, e indeferidas as justificativas, é prerrogativa da Mesa Diretora decretar a perda de mandato, podendo ser de ofício, sem a necessidade de passar pelo plenário ou mesmo tendo o pedido de algum vereador.
Diz a Constituição Federal, no artigo 55:
“Perderá o mandato o Deputado ou Senador (parlamentar municipal pode se equipara aqui): que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”.
Diz a Lei Orgânica de Campos, no artigo 14, inciso III:
“Perderá o mandato o Vereador: que deixar de comparecer, em cada ano parlamentar, à terça parte das sessões ordinárias da Casa, ou a 05 (cinco) sessões em cada mês, mesmo não subsequentes, salvo por motivo de força maior, licença ou missão por esta autorizada”.
Diz o Regimento da Câmara, no artigo 14:
“Compete à Mesa da Câmara, privativamente, em colegiado: declarar a perda do mandato do Vereador, de ofício ou por provocação de qualquer Vereador, do suplente de Vereador ou de partido político representado na Câmara, nas hipóteses previstas nos incisos III a VI do artigo 14 (acima) da Lei Orgânica do Município, assegurada ampla defesa".
Portanto, uma vez cumpridos os ritos necessários, é facultado à Mesa Diretora determinar a perda de mandato dos vereadores faltantes com justificativas indeferidas. É a lei, não a vontade do presidente. É, em última análise, a prevalência da lei e do regimento. Porém, foi assegurada a ampla defesa? Por qual meio?
Além de responder esses questionamentos, é preciso diferenciar o que se entende por perda de mandato e cassação. Este último ato, cassar um mandato de vereador, ou 13, cabe ao plenário da Casa, não à Mesa. Declarar perda de mandato por faltas nas sessões, sim, é ato próprio da Mesa.
4 – A quantas anda o processo de destituição do presidente da Casa? Foi lida em plenário uma “representação subscrita pela maioria absoluta da Câmara”, pelo vereador Anderson de Matos, um dos signatários, um pedido de destituição da Mesa Diretora da Câmara. Cumprido, ali, estritamente o regimento. Depois foi realizado o sorteio de “três vereadores, entre os desimpedidos, para constituírem a Comissão Processante”.
Novamente o regimento estava sendo cumprido, na íntegra. Mas, o que acontece depois disso? A Comissão Processante teria 48 horas para se reunir. O fez? Depois, três dias para notificar os acusados, o que abre um prazo de 10 dias apresentação da defesa. Tendo “posse ou não da defesa prévia, procederá (a Comissão) às diligências que entender necessárias, emitindo, ao final, seu parecer”. O parecer foi emitido?
O regimento não pode ser cumprido pela metade. Uma vez iniciados os ritos, eles devem ser finalizados. Assim como essa novela, os atos dos vereadores quando amparados por dispositivos legais devem ter desfecho. Assim como a cassação dos 13, a destituição deve ser decidida em plenário, após o parecer da Comissão.
Arquivo Público
Casa de Leis deve obedecer a elas
– Demonstrando inabilidade para o diálogo, os 25 vereadores precisam, ao menos, respeitar os ordenamentos — internos e externos. Cabe a um Parlamento elaborar novas determinações legais ou alterar as leis vigentes. E para isso configura-se em um colegiado, que possui outros órgãos internos com capacidade decisória. São sempre decisões coletivas, e devem ser sempre pensadas na coletividade.

Não aceitar a derrota no voto e usar todas as brechas possíveis para tentar reverter o resultado é uma atitude que demonstra uso excessivo do poder conferido. Mas obedece aos ditames regimentais e utiliza interpretações possíveis de leis estabelecidas. Cassar 13 vereadores não cabe à Mesa, cabe ao plenário. Correr com votações depois dos possíveis suplentes tomarem posse, não é moral, embora, cumprido os ritos, legal. Mas cabe judicialização, neste caso.  
Faltar às sessões é um ato de renúncia do parlamentar. Demonstra descumprimento de suas funções mais básicas e, de acordo com o Regimento, construído coletivamente, enseja perda de mandato. Porém não aconteceu isoladamente, fazia parte de um movimento de obstrução legítimo aos parlamentares. Não seriam faltas, e sim jogo duro parlamentar, mas dentro da democracia. Mas deixar inoperante um poder, fundamental em uma cidade que possui mais 137 mil pessoas em extrema pobreza, não é moral, embora possa ser considerado um movimento legítimo.
Quando o diálogo — em uma casa que precisa dele como instrumento — se mostra impossível, a lei deve imperar. E ela deve impor o desfecho desse enredo trágico.
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Os bustos envergonhados no corredor da Câmara de Vereadores
17/04/2022 | 10h43
Reprodução.
13 de maio de 2015. O corredor cultural da Câmara era inaugurado pelo então presidente reeleito da Casa, Edson Batista (com muitos serviços prestados na cultura). O busto de José do Patrocínio — campista símbolo da luta abolicionista — constituiu o espaço, que depois receberia Benta Pereira, Nilo Peçanha, Capitão Kirk, pai e filho Lamego, Feydit e uma representação dos Sete Capitães.
Hoje, meados de abril de 2022, os vultos campistas, que estão posicionados de forma a olhar para o Parlamento, se envergonham do momento que a Casa atravessa.
Ainda mais difícil do que saber qual personagem homenageado no corredor cultural da Câmara é mais relevante na história de Campos, é conseguir definir qual dos lados — situação ou oposição — tem mais responsabilidade pela guerra que se tornou a Casa de Leis. Talvez seja mais justo dizer que estão errados os dois — ou os 25 vereadores.
Aliás, quando grupos de poder se digladiam por cargos que podem ser decididos nos próximos oito meses, e paralisam por completo os trabalhos do legislativo por isso, dificilmente seria obra de um grupo só. Além do poder local, interesses regionais se mostram determinantes na luta mesquinha do poder pelo poder, sem interesse público algum.
Ainda mais grave, políticos que não representam cargos públicos municipais, não foram eleitos pelo poder representativo pelos campistas, ditam as regras e influenciam no “esticar da corda” na Câmara. Os patriarcas dos grupos Bacellar e Garotinho frequentemente manifestam publicamente suas opiniões e por vezes se fazem presente nas sessões. Além do ex-secretário de estado, Rodrigo Bacellar e Caio Vianna, secretário de Tecnologia, Ciência e Inovação de Niterói.
Benta Pereira estaria envergonhada da Câmara que ela teve que criar com muita luta, de forma revolucionária contra os desmandos do Império. Capitão Kirk, campista e primeiro aviador militar do Exército Brasileiro, igualmente ruborescido, assustado com a falta de honra de alguns.
Os bustos envergonhados têm em comum a coletividade de suas lutas. Ou, pelo menos, a institucionalidade de suas batalhas. Aqueles personagens que hoje olham para a Câmara em estátuas de bronze, lutavam por algo maior que eles, algo que representasse um símbolo, uma instituição, um ideal. Tomemos como exemplo José do Patrocínio, o Tigre da Abolição, filho de uma escrava alforriada e de um padre, dedicou sua vida para salvar as pessoas que no Brasil ainda viviam sob a perversidade da escravidão.
Qual a solução para a atual guerra na Câmara? Qualquer caminho que coloque o interesse público como norte. E que honre os bustos que olham para Câmara envergonhados.
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Depois que dobraram a aposta, vereadores quebram a banca
03/04/2022 | 10h15
Reprodução.

A democracia não é um jogo. Tampouco a política. Não desses de azar, onde a probabilidade de ganhar é de 50%, apenas. A democracia e o fazer político exigem o comprometimento e a seriedade de quem opera com bens coletivos. Dito isto, qualquer comparação feita aqui da política com um jogo, ou da Câmara de Vereadores com um Cassino, não passará de mero recurso retórico, de uma figura de linguagem.
O que foi visto na semana que passou, na Câmara de Campos, não estava dentro das regras do jogo. Depois de um mês e meio sem quórum para prosseguir com seus trabalhos, o grande salão do Palácio Nilo Peçanha, onde fica o plenário da Casa, foi tomado por gritaria e confusão generalizada — do público presente e de alguns vereadores.
Com um megafone — sim, um megafone — um dos vereadores de oposição proferia insultos ao presidente da Casa.
Com adesivos de não “vai ter golpe!” no peito, o grupo dos 13 oposicionistas decidiu voltar às sessões dobrando a aposta. Além da acusação de golpe, pediram em plenário a cassação do presidente e do vice, por “ilegalidade” e “abuso de autoridade”. No judiciário tramitava, em paralelo, um pedido para a retomada da sessão onde foi eleito o líder da oposição, mas foi negado por duas vezes.
Antes do episódio naquela sessão, o presidente da Casa também tinha decidido dobrar a aposta. Depois de anular a eleição que perdeu, via decisão da Mesa Diretora, abriu processo administrativo contra os 13 vereadores que faltavam as sessões por decisão política, pedindo a cassação deles e o desconto dos dias não trabalhados.
Arquivo Público
A democracia por vezes é barulhenta, e os poderes, apesar de necessariamente harmônicos, são independentes. O que foi reforçado pelo judiciário ao negar o pedido de intervenção. O imbróglio que a Câmara impôs a si mesma parecia ter começado a ser discutido no palco que cabe: o plenário da Casa. A roleta girava novamente na sessão, e as jogadas dentro das regras pareciam voltar. Porém, a beligerância da situação e da oposição apenas reforçou a inoperância de uma Câmara que precisa apreciar pautas essenciais à população; e continua impedida de fazê-lo.

Dobrar a aposta, também chamado de “método martingale”, é uma jogada que lida com probabilidades, partindo do princípio estatístico que um resultado não pode se repetir para sempre. Ou seja, se você está perdendo eventualmente voltará a ganhar. Porém, como em Cassinos, é preciso saber a hora de saída e finalizar a posição, sob pena de perder um “valor” maior do que começou a jogar.
A democracia não é um jogo, mas mesmo quando comparada com um, deve seguir as regras, principalmente as pré-estabelecidas mutuamente. Dobrar a aposta é um caminho que, via de regra, não ultrapassa essa linha. Mas quando quebra a banca, ou seja, quando a Casa não tem lastro para cobrir a aposta, a mesa é fechada.
Na Câmara, o fechamento da mesa de apostas pode ser comparado com o encerramento de mais uma sessão, por tumulto. A Casa não suportou os atropelos da oposição e da situação. Ao dobrar as apostas, e alimentar ressentimentos impeditivos, os vereadores quebraram a própria banca, e não saíram levando prêmio algum.
 
*As opiniões manifestadas aqui não refletem, necessariamente, a opinião do jornal Folha da Manhã. 
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Traições, processos e casos de polícia - Os bastidores de uma Câmara sem sessão
20/03/2022 | 08h40
Folha1
Segundo o IBGE, Campos tem uma população estimada em mais de 514 mil pessoas (dados de 2021). Para essa quantidade de habitantes a Constituição Federal estabelece que a Câmara de Vereadores tenha no máximo 25 membros. Embora a Lei Orgânica Municipal possa determinar um número menor, optou-se pelo limite legal. De orçamento, o legislativo campista teve mais de 30 milhões no ano passado.
Apesar desses números — e de sua importância enquanto Casa de Leis —, a Câmara completa 5 semanas sem sessões. Por estratégia do grupo oposicionista a pauta está “travada”. Nada anda por lá até que a eleição para a mesa diretora continue e seja proclamada a vitória de Marquinhos Bacellar, líder da oposição, pela segunda vez — o presidente da Casa, o governista Fábio Ribeiro chegou a proclamar a vitória oposicionista, mas anulou a eleição via colegiado da mesa.
Há argumentos jurídicos e políticos de ambos os lados — e são plausíveis, de um lado e de outro.
Para anular a eleição, Fábio colocou o regimento “debaixo do braço” e teve o apoio da Mesa para acatar um requerimento que pedia a anulação da eleição, onde foi apontada a ausência de voto do vereador Nildo Cardoso. O regimento determina o voto nominal dos vereadores na eleição da mesa diretora, e não acontecendo por parte de um dos membros, a eleição se torna viciada, com erro insanável. A decisão de pautar novas eleições é privativa ao presidente, o que pode acontecer até dezembro.
Para concluir a eleição, a oposição quer que a sessão, onde Marquinhos foi proclamado vencedor, continue. Elegendo, inclusive, os demais cargos da Mesa. Também interpretando o regimento da Câmara, o grupo oposicionista entende que a decisão de anular a eleição, e de interromper um assunto colocado em pauta, cabe ao plenário e não à presidência unilateralmente. Para garantir o resultado, a oposição entrou com processo no judiciário onde aponta as possíveis falhas regimentais na condução do presidente da Casa.
Do impasse, fez-se o esvaziamento da Câmara de Vereadores. Por uma decisão que pode ser tomada até último dia da sessão legislativa deste ano, oposição e situação não se entendem e deixam de votar assuntos com urgência significativamente maior (veja ao final).
O voto da discórdia
Se por um lado a oposição quer forçar uma votação, mesmo com prazo tão estendido, do outro, a situação sofre as consequências de sua própria decisão de antecipar o pleito.
Sem um forte motivo aparente, Fábio decidiu pôr em votação a presidência da Casa e perdeu. Por erro de cálculo político, indo para o voto aberto com margem muito apertada, os governistas acabaram por perder o comando da Casa no próximo biênio (2023/2024).
O voto decisivo da eleição veio do vereador Maicon Cruz. Depois de tomar uma decisão apalavrada e assinada, Maicon decide mudar seu voto e altera todo resultado esperado pelo grupo governista. Os fatos demonstram que se nova eleição ocorrer, a situação irá perder de novo. Sendo o “não voto” de Nildo presumível, Maicon não dando sinais de retorno à primeira decisão, e sem nenhum outra mudança significativa, a derrota governista parece certa.
Mesmo em caso de empate, Bacellar venceria, seguindo o artigo 8º do regimento que determina que o desempate “ter-se-á por eleito o mais votado pelo povo”. Vale lembrar que o voto de Nildo, apesar de presumível — devendo permanecer com a oposição —, deve ser declarado na sessão, de forma nominal, o que não ocorreu. A democracia não permite que a mera expectativa de voto substitua o voto concreto. O próprio Maicon provou essa necessidade.
Maicon e Fábio falam
Este espaço ouviu os pivôs dos dois lados. Fábio Ribeiro e Maicon Cruz contaram suas versões do que ocorreu nos bastidores da polêmica sessão que acarretou na inatividade quase que total da Câmara há mais de um mês.
Folha1
Maicon Cruz -
Perguntado sobre os motivos que levaram a mudança de voto, Maicon disse que “entendeu por bem que seria mais benéfico para a população uma Câmara com um posicionamento mais independente”.

"O papel foi uma intenção de voto, sem valor jurídico, e que foi assinado apenas porque realmente não havia outra chapa de consenso para que eu pudesse analisar o que no meu entendimento seria mais benéfico para a cidade e para a população" (Maicon Cruz)
Sobre o fato de ter apalavrado o voto e mudado, foi questionado se foi por rejeição candidato oposicionista até então posto, Nildo Cardoso, ou por apreço ao nome oposicionista definido depois, Marquinhos Bacellar.

“Não se trata de nenhuma das opções mencionadas por você. Como expliquei, não havia um nome de consenso na oposição, não havia uma chapa definida e, à partir do momento que houve, entendi por bem que seria mais benéfico para a população uma Câmara com um posicionamento mais independente, já que os poderes devem ser harmônicos, porém independentes entre si”, disse Macion Cruz.
Sobre o papel assinado por ele, o vereador disse que não há qualquer valor jurídico. “O papel foi uma intenção de voto, sem valor jurídico, e que foi assinado apenas porque realmente não havia outra chapa de consenso para que eu pudesse analisar o que no meu entendimento seria mais benéfico para a cidade e para a população”.
Folha1
Fábio Ribeiro –
O atual presidente viu sua derrota como um caso de polícia. Assim como a oposição, que solicitou abertura de inquérito policial para apurar “abuso de poder”, argumentando que a sessão foi encerrada de maneira unilateral, Fábio também denunciou Maicon por “falsidade ideológica”.

Perguntado sobre os motivos que levaram a mudança de posicionamento do vereador, e como se sentia por ter confiado na palavra e na assinatura previamente conseguidas, Fábio confirma que avalia como um caso de polícia.
“Sobre a questão de Maicon, foi feito uma notícia crime na 134ª Delegacia de Polícia, e agora está na competência da autoridade policial. Este fato para mim já está findo. Se a autoridade policial entender que houve alguma conduta tipificada no código penal, comunica ao Ministério Público e se ele por assim entender, faz a devida ação penal, ou não. Está aos cuidados das autoridades competentes”, disse Fábio Ribeiro.
Outros assuntos esperam
Discussão durante sessão que proclamou vitória da oposição, que depois foi anulada
Discussão durante sessão que proclamou vitória da oposição, que depois foi anulada / Folha1
Enquanto não há consenso, ou decisão judicial definitiva, ou mesmo inquéritos policiais concluídos, vereadores — sejam governistas, independentes ou oposicionistas — não apreciam assuntos urgentes à municipalidade; à população, em última instância.
Campos corre o risco de não poder receber transferências da União, celebrar convênios com órgãos federais, ou mesmo contrair empréstimos, caso não confirme sua aderência à reforma nacional da Previdência. Para tanto, depende de aprovação pela Câmara de projeto enviado há mais quatro meses.
Segundo informações das creches públicas em Campos, divulgadas neste fim de semana, não há merenda para atender as crianças em horário integral, que estão sendo orientadas a fazer horário de almoço em casa. Como órgão fiscalizador, a Câmara deve se debruçar sobre o assunto, com a urgência necessária.
Entre outros tantos assuntos que uma cidade com mais de meio milhão de pessoas demanda, há ainda uma discussão sobre o reajuste dos servidores municipais em andamento, que depende de discussões profundas em plenário.
Os 25 vereadores, que operam em uma Casa com orçamento milionário, não representam o governo ou a oposição. Todos, sem exceção, receberam mandatos pelo voto popular e devem atuar em benefício da população. Sobre a eleição da Mesa, todos parecem ter cometido erros. Mas a cidade não pode esperar que eles sejam objetos de ressentimentos impeditivos.
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Câmara de Campos: travar a pauta prejudica oposição, governo e população
09/03/2022 | 09h23
Folha1
“Travar a pauta” de uma casa legislativa é um movimento político. No caso de Campos, a oposição tem usado desse expediente para forçar o presidente da Câmara, Fábio Ribeiro, a resolver as eleições para a mesa diretora, realizadas e anuladas no mês passado. Ontem (8), novamente a sessão foi encerrada por falta de quórum — repetindo o acontecido antes do recesso do carnaval.
Há justificativas jurídicas e políticas para os movimentos governistas e oposicionistas. Porém, quando a Câmara fica impedida de cumprir suas atribuições legislativas, a população começa a ser prejudicada. É preciso entender qual a justificativa de impor eleições que podem ser realizadas até o fim do ano. Por outro lado, também é preciso ter conhecimento sobre o que justifica o fato do atual presidente não marcar novas eleições.
Como disse, há sim ponderações justas de ambos os lados, mas quando o espírito público começa a perder espaço para interesses meramente políticos é preciso repensar estratégias — seja do governo ou oposição. Os vereadores foram eleitos para representar os eleitores de bairros e distritos, e para votarem em pautas de interesse coletivo. Além de fiscalizar o executivo, também sendo uma de suas atribuições essenciais.
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O que vem sendo feito. Apesar das sessões estarem impedidas de acontecer, os 11 vereadores de oposição estão atuando na fiscalização. Nesta terça (8), eles visitaram algumas unidades de ensino da prefeitura. Falaram em “cenário de guerra”, e mostraram as avarias estruturais das escolas. E firmaram o compromisso de continuar as vistorias e cobrar providências do executivo.

A educação, tema da comissão que o vereador Maicon Cruz preside — coincidência ou não —, foi a área escolhida pelos vereadores de oposição para demarcarem novos territórios. Maicon é acusado de traição pelo governo, quando apalavrou seu voto em Fábio para recondução no próximo biênio da Câmara, inclusive com um documento assinado. Especulam-se os motivos que levaram o vereador a mudar seu voto de última hora, mas o fato político é que o governo não tem os votos que precisa para vencer as eleições na Câmara.
O que define a existência ou não de uma democracia não é ter um governo. Regimes autocráticos possuem governos e instituições em funcionamento. O fato de existir uma oposição, e ela ter espaço, é um dos elementos definidores de um regime democrático. Porém, a oposição precisa ser responsável. O governo municipal em Campos precisa ser cobrado, precisa ser fiscalizado e precisa prestar contas de suas ações. Visitar unidades de ensino em um momento de volta às aulas, com a pandemia arrefecida é uma atitude que se espera dos edis. Estão cumprindo suas obrigações institucionais. Mas, travar a pauta é republicano, principalmente para forçar uma definição que pode ser feita em meses?
A Câmara precisa voltar a funcionar plenamente. Não se justificam as ausências. Uma atuação responsável da oposição contribui para uma cidade melhor. Reconhecer uma possível derrota pode ser o único caminho possível para o governo, e adiar uma decisão pode ser ainda mais danoso.
Caso ajam excessos e afrontas ao regimento, judicializar, apesar de perigoso para a própria Casa, pode ser um solução. Mas é preciso que questões políticas sejam resolvidas em palcos políticos. No melhor, e único sentido democrático, possível. Para que cenários de guerra possam ser combatidos. 
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Super Terça: democracia perde na Câmara e ganha no Supremo
10/11/2021 | 12h57
Presidente da Câmara, Arthur Lira. (Foto: André Borges/NurPhoto)
Presidente da Câmara, Arthur Lira. (Foto: André Borges/NurPhoto)
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Hoje, terça-feira (9), a democracia brasileira foi novamente testada. E saiu-se parcialmente bem. Duas votações importantes aconteceram simultaneamente — uma na Câmara dos Deputados e outra no Supremo Tribunal Federal. Decisões de grande importância para o futuro do país e com impacto direto nas próximas eleições presidenciais.
Foi uma ‘super terça’; referência ao dia em que um grande número de estados americanos tem eleições primárias, sendo o primeiro teste de elegibilidade dos candidatos à presidência dos Estados Unidos.
Dando os devidos créditos, a jornalista Míriam Leitão fez essa associação logo pela manhã, na CBN (ouça aqui).
Na Câmara
A super terça brasileira foi um desdobramento de negociações intensas que começaram na madrugada da última quinta-feira (4), quando a Câmara aprovou em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição número 23 — chamada de PEC do Calote ou PEC dos Precatórios. A proposta, que permite ao executivo gastar acima do teto de gastos e não pagar os precatórios (dar calote) recebeu 312 votos favoráveis, quatro acima do mínimo necessário.
Os votos favoráveis da oposição chamaram a atenção; principalmente PSB e PDT, que juntos deram 25 votos pela aprovação. Presidenciável pelo PDT, Ciro Gomes reagiu ao posicionamento do partido. Pelo Twitter, declarou que deixaria em suspenso sua pré-candidatura até a votação em segundo turno, aguardando que os votos fossem revertidos. O PSB orientou o voto ‘não’ da bancada à PEC, nesta terça, através de comunicado oficial do presidente da sigla, Carlos Siqueira.
Com o resultado da nova votação, que saiu por volta de 22 horas (Folha), o PDT mostrou que a ação de Ciro teve resultado. O partido saiu dos 15 votos favoráveis para apenas cinco, sendo que desses, três já estão em processo de saída do partido. Já entre os socialistas que votaram a favor, apenas um mudou a posição. Nove votos do PSB foram dados à PEC do Calote no segundo turno.
A Câmara mostrou que continua predominantemente conservadora e fisiológica. Com margem dessa vez mais folgada, 323 votos, os deputados aprovaram uma PEC que permite ao governo driblar o teto de gastos e abre espaço para novas despesas de R$ 91,6 bi em 2022. E ainda deixar de pagar aos brasileiros o que deve através dos precatórios.
Como altera a Constituição, a proposta aprovada em segundo turno na Câmara nesta terça ainda precisa de mais duas aprovações no Senado.
No Supremo
No Supremo Tribunal Federal a vitória na super terça foi completa. A ministra Rosa Weber concedeu uma liminar que suspendeu as chamadas “emendas do relator”, que são uma parte do orçamento distribuída sem qualquer transparência. Em ação proposta pelo Psol e outros partidos da oposição, inclusive o PSB, está suspensa a moeda de troca usada pelo governo para aprovar a PEC. No que está sendo chamado de ‘Bolsolão’, uma espécie de mensalão do governo Bolsonaro.
Nesta terça, a liminar de Weber entrou em votação no Supremo, que validou a decisão da ministra, ao formar maioria. O julgamento foi iniciado à meia-noite e na tarde de hoje já possuía os 6 votos para validar a liminar, impondo uma derrota à sustentação política do governo Bolsonaro e ao Congresso.
Rosa Weber foi a relatora de outra ação sobre a PEC. Um mandado de segurança foi impetrado por um grupo de deputados, pedindo a suspensão do segundo turno na Câmara, alegando falhas de procedimento e a aceitação de votos de forma remota, o que não tem amparo regimental. Neste caso a ministra negou o pedido, decidindo que se trata de uma questão “interna corporis", que devem ser resolvidas internamente por cada poder.
A ministra acertou em ambas as decisões.
Faz parte do jogo de nosso “presidencialismo de coalizão” a distribuição de emendas parlamentares em troca de apoio. O que não faz é o sigilo desses repasses. Ferindo princípios como a impessoalidade e a publicidade dos atos dos poderes, o “orçamento secreto” era uma excrecência que precisava ser atacada pelos freios e contrapesos da República.
As instituições estão funcionando no Brasil, mas o sistema político ainda é refém de um processo viciado que obriga o presidente a formar maioria no Congresso de grupos ideologicamente opostos, muitas vezes. Aliado a uma quantidade excessiva de partidos, a corrupção é uma consequência frequente. A super terça mostrou que um judiciário responsável, opinião pública vigilante e lideranças atuantes podem alterar o jogo. Mesmo que parcialmente.
 
 
 
 
 
 
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Rosa Weber, Arthur Lira e Bolsonaro - Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho;
08/11/2021 | 06h49
O presidente Jair Bolsonaro (esq.), ao lado do presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (centro) e do presidente da Câmara, Arthur Lira, na sessão de abertura do ano legislativo  Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
O presidente Jair Bolsonaro (esq.), ao lado do presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (centro) e do presidente da Câmara, Arthur Lira, na sessão de abertura do ano legislativo Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
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As negociações em torno da aprovação da PEC dos Precatórios ficaram ainda mais complexas nesta semana. Com vitória apertada no primeiro turno (Folha) — 312 votos a favor, com o mínimo necessário de 308 —, e segundo marcado para amanhã (9), a Câmara tem ao menos dois grandes obstáculos para transpor: a mudança provável nos votos do PDT, depois da suspensão da pré-candidatura de Ciro Gomes; e a liminar de Rosa Weber, ministra do STF, que suspendeu o pagamento das “emendas secretas” de relator do Orçamento de 2021, tidas como moeda de troca na votação da PEC.
Weber analisou um pedido feito pelo Partido Socialismo e Liberdade - Psol em junho deste ano, contestando a parte sigilosa do orçamento público, onde o relator da LOA (Lei Orçamentária Anual) define livremente a destinação dos recursos. Na ação, o Psol alegou que a execução das “emendas secretas” violava os princípios da legalidade, da transparência, o controle social das finanças públicas, e o regime de emendas parlamentares.
A ministra acatou o pedido deixando “suspensa integral e imediatamente a execução dos recursos orçamentários oriundos do identificador de resultado primário”.
Além de suspender a forma de “convencimento” dos parlamentares, Rosa Weber determinou à Câmara um prazo de 24 horas para prestar esclarecimentos sobre a PEC. Já esta decisão foi motivada por ação do ex-ministro Ciro Gomes e Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, além de mandado de segurança protocolado por deputados de oposição. O principal questionamento é sobre a participação de parlamentares de forma remota, o que pode ferir o regimento.
Alguns deputados, que estavam em viagem, foram autorizados pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) a participar remotamente da sessão. Segundo os impetrantes do mandado de segurança, a medida só foi aprovada por causa das manobras realizadas por Lira.
A vice-presidente do STF, a ministra Rosa Weber.
Foto: Felipe Sampaio/SCO/STF
A vice-presidente do STF, a ministra Rosa Weber. Foto: Felipe Sampaio/SCO/STF
Reações de Lira e Bolsonaro –
As decisões de Rosa Weber impactam diretamente a PEC que vem sendo considerada a boia salva-vidas do governo Bolsonaro. Apelidada de “PEC do calote”, ela permite ao governo parcelar (ou não pagar agora, como uma definição mais prática) o pagamento de precatórios — que são as dívidas que a União possui com seus credores.
Além do calote, a PEC dará ao governo uma margem de R$ 91 bilhões no Orçamento de 2022 para novas despesas, e de quebra retiraria dos estados e municípios R$ 16 bilhões que deveriam ser transferidos pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), afetando diretamente a educação.
Com a desculpa de possibilitar a criação de um programa aos moldes do Bolsa Família (programa que poderia ter sido reforçado), Bolsonaro e Arthur Lira usam a fome de milhões de brasileiros para fins eleitoreiros. Dar dinheiro a quem tem fome é urgente e essencial, mas quando um governo que pouco se preocupou com questões sociais propõe calote e extrapolação de teto fiscal para “ajudar os pobres”, a desconfiança é justificável.
Lira e Bolsonaro acusam Rosa Weber de interferência indevida em outro poder. O presidente da Câmara apelou ao presidente do Supremo, Luiz Fux, na tentativa de derrubar a liminar. Bolsonaro, usando a verborragia contumaz, disse que “há um excesso de interferência do Judiciário no Executivo”, e criticou diretamente Rosa:
— É uma [decisão] atrás da outra. A mesma Rosa Weber. Decidi zerar o imposto de importação de armas, ela achou injusto e vetou. Até quando quis indicar um alguém para diretoria-geral da PF houve interferência. O Supremo age demais nessas questões”, disse Bolsonaro, desconhecendo o papel da Suprema Corte como guardiã da Constituição.
Há interferência indevida?
O advogado tributarista, doutor em Direito Público e ex-assessor do STF, Carlos Alexandre de Azevedo Campos, disse ao blog que, apesar de ser uma interferência, a decisão de Rosa Weber é legítima:
Carlos Alexandre Azevedo Campos
Carlos Alexandre Azevedo Campos
— É uma interferência, não deixa de ser. Mas achei legítima. O STF não pode interferir na escolha do destino dos recursos, em que gastar. Contudo, pode exigir transparência em relação a quem pediu e adquiriu as emendas, como forma da própria sociedade controlar os gastos. Emendas em nome do relator não permite esse controle posterior. Transparência fiscal é princípio constitucional expresso.
Sobre os mandados de segurança que tentam impedir a tramitação da PEC, Campos acredita que o “STF não deve e não vai interferir”. No caso desta ação, envolveria “controle do processo legislativo”, diferente da liminar sobre o “orçamento secreto” que envolve ato do poder público.
Poderes devem ser harmônicos; mas independes.
Disse Machado de Assis, um mito (real!) da literatura brasileira: “há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho”. Os “espinhos” de Rosa Weber não representam nada mais que o controle constitucional necessário do Supremo sobre outros poderes da República.
Embora Lira e Bolsonaro peçam por “harmonia” e “independência”, estão na realidade querendo subserviência e silêncio do judiciário, para que possam agir livremente. O princípio da independência entre os poderes permite justamente que papéis republicanos de cada um sejam cumpridos sempre que necessários forem.
Votando a Machado, ele ensina que apesar de alguns chorarem pelo espinho das rosas, “há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas”.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com