O designer Carlos Mignot com o prêmio do Type Directors Club, em Nova York
/
.
O profissional do designer é alguém que precisa aliar o conhecimento técnico-científico com processos criativos e artísticos. É uma atividade abrangente, que atua transformando a identidade visual de produtos e serviços, e até de pessoas. O campista Carlos Mignot se especializou em tipografia, uma das áreas do designer, e em setembro recebeu reconhecimento internacional na principal organização do mundo no setor.
Se o design pode ser considerado como arte, a tipografia é a expressão artística que mistura texto, desenho e arte gráfica na composição e impressão de um texto — física ou digitalmente. A palavra tipografia traz como significado algo como “impressão dos tipos”, remetendo a ideia de um trabalho no papel.
Porém, assim como a escrita em sua maioria migrou para os meios digitais, a tipografia passou a abranger todo o estudo, criação e aplicação dos caracteres, estilos, formatos e arranjos visuais das palavras.
Mignot, de 32 anos, nasceu em Campos dos Goytacazes e chegou a cursar engenharia, mas sempre teve inclinação para o desenho e o design:
— Eu tenho uma relação muito forte com Campos, sou nascido e criado na cidade, minha família é toda de Campos. Mas aos 18 anos fui morar no Rio de Janeiro e comecei minha trajetória acadêmica na engenharia, fiz uns dois períodos e vi que não era isso que queria, estava infeliz com o curso, e migrei para o design. Essa é minha área, sempre gostei muito de desenhar, desde criança, e tinha o hábito de mexer no Photoshop (software editor de imagens ), que minha mãe (a arquiteta campista Martha Mignot) me ensinou muito cedo. Acabei transformando um hobby em uma profissão — disse o designer Carlos Mignot.
O processo de criação de um tipo, ou uma fonte, pode durar meses, e precisa de muitos testes e experimentações com diversas ferramentas digitais para escolher os requisitos tipográficos mais adequados para uma marca, um logotipo, ou mesmo fontes para editores de texto.
Por serem a base da comunicação escrita, esses tipos precisam de extremo cuidado e estudo para serem adequados à mensagem que se quer passar. São processos artísticos que envolvem esculpir letra a letra, ajustar as proporções e definir espaçamentos.
Antes da premiação em NY, a família de Carlos Mignot decidiu abrir um estúdio em Campos que aliasse designer, arquitetura e publicidade. Mas após alguns trabalhos exitosos na cidade, Carlos voltou para o Rio para se especializar:
..
/
Imagem cedida por Carlos Mignot
— Por volta de 2012, eu, meu irmão e minha mãe montamos um estúdio em Campos que trabalhava com arquitetura, designer e publicidade. Fizemos vários jobs interessantes. Mas precisava me profissionalizar mais na tipografia e voltei para o Rio para me formar na Miami Ad School (escola de criação carioca), em 2016. Trabalhei um pouco em propaganda, mas sempre entendendo que o design era meu lance mesmo, o designer de marca, branding, identidade visual e a tipografia…e depois entrei depois na Plau Design, um escritório carioca com um foco muito grande em tipografia.
A Plau Design tem em seu portfólio trabalhos de tipografia completa — fonte, conceito e logotipo — de empresas como Rio Carnaval, Globo, Reserva, XP, Granado entre outras grandes marcas brasileiras. O fundador da Plau, Rodrigo Saiani, já foi professor, chefe e agora é sócio de Mignot na empresa de design.
A premiação em Nova York
O designer Carlos Mignot recebendo prêmio do Type Directors Club
/
Imagem cedida por Carlos Mignot
Carlos Mignot foi um dos designers premiados pelo Type Directors Club (TDC), em Nova York, nos Estados Unidos, no último dia 7 de setembro. A TDC é a principal organização internacional que promove a excelência em trabalhos tipográficos.
A premiação ocorre com a avaliação do portfólio do profissional, onde são inscritos seus seis melhores trabalhos. Acontecendo anualmente, a organização escolhe no evento os 35 melhores designers de letra do mundo. Entre os candidatos deste ano, havia apenas três brasileiros, incluindo Carlos Mignot.
— Já tínhamos (trabalhos coletivos na Plau Design) levados alguns prêmios sobre trabalhos, mas esse que recebi em NY é um prêmio individual, foi uma honra incrível ter recebido esse reconhecimento de nível internacional, conta Mignot.
The One Club Creative
/
Imagem cedida por Carlos Mignot
O TDC é uma premiação que faz parte da The One Club, organização americana sem fins lucrativos que reconhece e promove a excelência em publicidade mundial, e já condecorou nomes como Steve Jobs, Paula Green, poeta e uma das pioneira na publicidade, e o cineasta e ganhador do Oscar, Saul Bass.
— Foi mesmo uma honra para mim. Eu que vim do interior, mesmo com todas as oportunidades e privilégios que tive, mas vindo de Campos, e agora recebendo um reconhecimento internacional, é muito bacana — finaliza o designer.
Quando ele nasceu, já faz muitos anos, tudo em volta era cana e desespero. Havia algumas casas no centro, e alguns comércios atuavam no salvamento de suprir as necessidades de quem tinha começado a viver em urbanidades, e aproveitar delas as amenidades. Mas havia muitas plantações de cana-de-açúcar, havia muito desespero das pessoas que eram forçadas a trabalhar nesses canaviais de gente gananciosa. A maioria deles, dos gananciosos, não eram gente daqui, que nasceu por perto. Vieram de cidades outras construídas ainda antes, lá depois do oceano. Chamavam de ouro branco o que era produzido aqui. Acho que é uma forma correta de chamar, por que a retirada do doce da cana recebe o mesmo pesar da retirada do ouro nos garimpos e minas. É preciso muita gente para fazer o amarelo do ouro ir parar em jóias, e o doce no pó branco.
Apesar de provocar dor, todos se favorecem do mesmo pó branco que sai das terras da planície, das áreas que o rio não toma conta. A riqueza fez as casas começarem a ficar mais vistosas, as ruas ganharam árvores bonitas e calçamento de pedra, e algumas placas são erguidas onde se vende roupa, livro, panela e lampião. As coisas melhoram lá no centro, parece que mais gente anda e as pessoas começam a ficar mais educadas umas com as outras. Mas em volta ainda é cana e desespero.
Ele foi colocado dentro de uma estrutura oca de madeira que cobria um cilindro de latão que girava em seu próprio eixo. A mãe, seja lá quem ela for, o colocou ainda bebê na boca de lata que ficava para a rua, e girou a manivela até que ele ficasse exposto para o outro lado. Depois de um tempo ele soube que a freira que o buscou no cilindro ficou surpresa, pois ele, ainda bebê e abandonado, não chorava. Talvez já tivesse tomado consciência da vida difícil que teria. Depois de ser recebido pelas freiras da Santa Casa, uma família do outro lado do rio decidiu ficar o bebê, que estava espertinho. Ele cresceu sabendo que não havia nascido daquelas pessoas, mas nunca soube quem o colocou nesse mundo violento, onde já foi obrigado a trabalhar nos canaviais das terras da usina, assim como seu pai de criação.
Quando iam ao centro, comprar sal e querosene, o que ele via não condizia com o outro cenário, do outro lado do rio. Era perto, separado apenas pela água turva e amarela do Paraíba, mas a distância de sua vida para a vida deles, do centro, era brutal. Quando a rua era mais lisa, com as pedras mais homogêneas, a carroça que o pai conduzia até o armazém ficava um pouco mais estável e ele podia ver as lojas e o casario do centro. Com as canelas nuas balançando para fora, pés calçados com borracha e um dos braços abraçados à grade de madeira, ele ficava maravilhado com aquela gente bem arrumada, de chapéu e terno, ou vestidos compridos escuros com colares de pérola, que atravessava a rua de um comércio ao outro, ou esperavam pelo bonde que ele só conhecia à distância e o percebia quando a carroça passava pelo trilho. Do assoalho, segurando no último fueiro, olhou para o homem que o criava guiando a carroça, e pensou em pedir para que parasse um pouco para que pudesse observar a rua. Desistiu. Não conseguiu vê-lo com nitidez; a imagem do homem curvado, de chapéu de palha e camisa de manga comprida, de botão, ficou caleidoscópica com o sol que brilhou por entre os beirais.
Quando finalmente pararam no secos e molhados da rua direita, não teve tempo de observar as coisas que ele gostava — o homem obrigava que ele o seguisse até o balcão. No interior do estabelecimento, o português anotava os pedidos do homem e ele olhava por cima da tampa de madeira que cobria uma vitrina com face de vidro. Enquanto os homens acordavam os preços e quantidades, ele viu um casal de crianças, mais ou menos da mesma idade, brincando. Não perceberam o olhar dele, mas caso vissem, perceberiam não inveja e tristeza, mas perplexidade.
Não entendia como haveria de ser a vida sem as dificuldades que passava. Viu que atrás do menino havia uma pequena pilha de livros, e algumas folhas de papel com rabiscos com tinta colorida. Ele tinha inclinação para as artes e para as linhas da arquitetura da cidade, não sabia bem o porquê, mas gostava de imaginar como aquelas casas e comércios bonitos eram criados a partir do primeiro tijolo. Queria entender como aquelas linhas e detalhes trabalhados nas paredes eram pensados. Pensou que a cidade, a urbanidade, trazia tantas oportunidades, e que daria para muitos ali naquele cotidiano. Ele não percebia, mas a cidade ia crescendo de forma desordenada, e as soluções buscadas iriam atender os que tinham poder e recurso para propô-las. E que os periféricos tinham lugar na urbanidade, mas mantinham-se periféricos e invisíveis.
Indo para casa, agora ao lado do homem que o criou, sabia que voltaria para a cana e o desespero. Mas já não era permitido o trabalho forçado e violento, e mesmo sem ele ter a menor noção, ares republicanos tentavam convencer os que ainda lutavam pela manutenção daquele sistema perverso. O desespero iria diminuir, e até a cana iria ser substituída. Mas ele não percebia.