Segurança traz discussão política nacional ao Estado do Rio
Gabriel Torres 01/11/2025 08:49 - Atualizado em 01/11/2025 08:49
Operação nos complexos da Penha e do Alemão deixou 121 mortos, quatro deles policiais
Operação nos complexos da Penha e do Alemão deixou 121 mortos, quatro deles policiais / Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil


A operação policial contra o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão, realizada na terça-feira (28) para cumprir mandados de prisão e com anuência do Ministério Público, deixou 121 mortos e colocou a segurança pública no centro do debate político. A criação de um Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado foi anunciada pelo ministro Ricardo Lewandowski e por Cláudio Castro, que recebeu o apoio de governadores de direita em comitiva ao Rio.
A “Operação Contenção”, como foi batizada, contou com o efetivo de aproximadamente 2.500 policiais civis e militares. No balanço oficial da Polícia, foram 121 mortos, sendo dois campistas, Kauã Teixeira dos Santos, de 18 anos, e Marcos Adriano Azevedo de Almeida, de 32, o “Beiço”. Quatro policiais também morreram na operação. Além disso, foram presas 113 pessoas e apreendidos 93 fuzis.
As forças de segurança utilizaram a estratégia do “Muro do Bope”, que consistiu em levar o confronto com os criminosos para a área de mata da Serra da Misericórdia, com o objetivo de minimizar os riscos aos moradores em áreas urbanas. Devido à operação, diversas linhas de ônibus foram desviadas, atingindo as vias expressas da cidade e dificultando a locomoção dos cariocas dentro da cidade.
Na madrugada e manhã de quarta-feira, moradores e ativistas removeram os corpos que estavam na mata e levaram para a praça São Lucas, na Penha, onde foram enfileirados e expostos, muitas vezes despidos, antes da perícia oficial. Autoridades policiais afirmaram que a manipulação da cena do crime dificulta a perícia.
Ainda na quarta-feira, o governador Cláudio Castro se reuniu com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Após o encontro, eles anunciaram a criação de um Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado. Após rusgas públicas entre o governador do Rio e membros do alto escalão do governo Lula, o ministro sinalizou apoio por meio de vagas em presídios federais, reforço na Polícia Rodoviária Federal (PRF) e colaboração na área de inteligência
Castro recebeu na quinta-feira uma comitiva de governadores de direita em encontro que teve como objetivo fortalecer as forças de segurança do estado e demonstrar apoio às autoridades do Rio. Em coletiva de imprensa após o encontro, Castro anunciou a formação de um “Consórcio da Paz”, que deverá integrar as forças de segurança e equipes de inteligência.
Participaram do encontro Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; Eduardo Riedel (PP), do Mato Grosso do Sul; e Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, que participou de forma virtual, além de Celina Leão, vice-governadora do Distrito Federal.
“Temos uma grande oportunidade de mudarmos a segurança pública do nosso país, com integração e diálogo, mas sobretudo com coragem e efetividade”, disse Castro.
A megaoperação contra o Comando Vermelho reacendeu o debate sobre a PEC da Segurança, proposta do governo enviada ao Congresso que busca ampliar o papel do governo federal na formulação de políticas de combate ao crime organizado. Governadores e deputados de oposição argumentam que estados teriam poderes usurpados e criticaram a proposta, que chegou em abril ao Parlamento.
Após a repercussão da operação policial no Rio, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos) afirmou que o relatório sobre a PEC da Segurança será entregue no dia 4 de novembro, com a possibilidade da votação em plenário acontecer no mesmo dia.
Eficiência e impacto da ação sob análise
David Maciel de Mello Neto, Pedro Emílio Braga e Roberto Uchôa
David Maciel de Mello Neto, Pedro Emílio Braga e Roberto Uchôa
O delegado Pedro Emílio Braga, titular da Delegacia de Macaé, destacou o sucesso da operação. Ele sustenta que a facção optou por enfrentar as forças de segurança.
“Foi uma operação muito bem-sucedida e muito bem planejada, salvo pela perda das vidas policiais. As forças de segurança, sob direção do governador, edificaram um planejamento de enfrentamento ao Comando Vermelho a partir da inteligência de uma série de ações dessa facção nos últimos meses”, disse Pedro.
Roberto Uchôa, Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisador na Universidade de Coimbra, questionou a eficácia da operação.
“Não é eficaz para combater o crime organizado e mostra sintoma disso que esse tipo de operação ocorre há décadas, o crime organizado só se fortalece. Há 15 anos atrás, as polícias entraram em grande número, com blindados militares e com tudo, ocuparam o território e sim, 15 anos depois, tem que fazer a mesma coisa, com maior efetivo, com maior número de equipamentos e com uma resistência muito maior dos criminosos, inclusive com a utilização de drones, isso é um sinal que esse tipo de ação tem sido ineficaz”, falou Uchôa.
O sociólogo David Maciel de Mello Neto, professor da Uenf e pesquisador de segurança pública, afirma que o Estado precisa agir, mas criticou as ações pontuais.
“O modelo a ser seguido é o que foi feito na Carbono Oculto, que desmantelou toda a hierarquia do truste do PCC no mercado de combustíveis adulterados. Não teve um tiro disparado, mas cooperação do MP, Polícia Civil e Polícia Federal. O negócio funcionou bem e conseguiram fazer algo muito bem feito”, afirmou David.
Juristas abordam legalidade e desafios
Felipe Drumond, Sana Gimenes e Roberto Corrêa
Felipe Drumond, Sana Gimenes e Roberto Corrêa
A advogada e especialista em Direito Público, Sana Gimenes, abordou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, medidas restritivas às operações policiais impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Em termos práticos, se a ADPF foi ajuizada para diminuir a letalidade da polícia, o que tivemos foi justamente o oposto, com a operação mais letal da história do país. Ainda que se argumente que a maioria dos mortos estava envolvida com o crime, o que parece verdadeiro, o respeito às garantias processuais é o mínimo que se exige em um Estado Democrático de Direito”, opinou Sana.
O advogado criminalista e professor Felipe Drumond aponta que ainda é cedo para dizer se a operação descumpriu as medidas previstas na ADPF 635, imposta pelo STF. De acordo com ele, é preciso levantar algumas informações sobre a ação policial nos complexos da Peanha e do Alemão.
“É preciso que seja feito o levantamento para saber se a operação de fato seguiu os requisitos necessários estabelecidos pela ADPF do Supremo. Esse é o primeiro ponto. Não dá para saber, pelo menos não para mim, pelas notícias de imprensa. É preciso saber os dados técnicos, os eventos todos, e está tudo muito recente”, disse Drumond.
Para o advogado criminalista Roberto Corrêa, o Estado do Rio tem um grande desafio na segurança pública: combater o crime organizado e, ao mesmo tempo, agir dentro dos limites legais e não penalizar moradores.
“O Rio de Janeiro vive um dilema histórico e doloroso. De um lado, está o dever inadiável do Estado de enfrentar o crime organizado, que há décadas impõe medo, corrupção e domínio armado sobre comunidades inteiras. De outro, está o imperativo de que esse combate se dê dentro dos limites da legais, sem transformar o território popular em campo de guerra e o cidadão em alvo presumido”, pontuou Corrêa.
Enfrentamento ao crime foi o principal tema entre políticos
Wladimir Garotinho, Rodrigo Bacellar, Washington Quaquá, Nikolas Ferreira e Guilherme Boulos
Wladimir Garotinho, Rodrigo Bacellar, Washington Quaquá, Nikolas Ferreira e Guilherme Boulos / Fotos: Divulgação
A operação policial repercutiu fortemente entre a classe política. De prefeitos a deputados e demais atores políticos. O prefeito de Campos, Wladimir Garotinho (PP), pregou união entre os poderes.
“O poder paralelo não pode triunfar sobre a sociedade, para isso todos os poderes precisam se unir e endurecer a legislação”, escreveu Wladimir.
Presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Rodrigo Bacellar (União) lamentou pelos policiais que não morreram na operação.
“Fica a nossa homenagem, com enorme respeito aos familiares dos agentes de segurança”, lamentou Bacellar.
Washington Quaquá, liderança do PT no Rio de Janeiro e prefeito de Maricá, afirmou que a ação foi necessária para desocupar territórios dominados por facções, mas criticou o planejamento.
“Não concordo com a maneira como o governador botou o pé na operação, tentando jogar a culpa no Governo Federal, mas a ação foi necessária, embora devesse ser melhor planejada”, disse Quaquá.
Em Brasília, o deputado Nikolas Ferreira (PL) comemorou a operação. “A maior faxina da história do Rio de Janeiro. 60 (número de terça-feira) criminosos mortos que estavam criando um cenário de guerra em um local onde as pessoas são subordinadas ao tráfico”, falou.
Guilherme Boulos (PSOL), ministro da Secretaria-Geral da República, questionou a criminalização das favelas.
“Tenho orgulho de fazer parte de um governo de um presidente que sabe que a cabeça do crime organizado neste país não está no barraco”, afirmou.

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