Diplomacia à Moda da Casa: um patriota, dois hambúrgueres e o Brasil de cabeça pra baixo
Edmundo Siqueira 01/08/2025 19:27 - Atualizado em 01/08/2025 19:29


O deputado brasileiro e o lobista americano escolheram uma mesa de canto, onde poderiam conversar com mais tranquilidade. O dono do restaurante, em Georgetown, veio recebê-los e sugeriu a especialidade da casa; os clientes aceitaram a sugestão, e dois enormes hambúrgueres com batatas fritas logo seriam servidos.

— Estou aqui representando os interesses do Brasil — começou a conversa o deputado, num inglês de sotaque texano sem razão de ser —, e lá estamos sofrendo muito, my friend.

— Mas o que está acontecendo de tão sério, deputado?

— Sabe o Irã? A Venezuela? Então, vivemos um regime parecido por lá.

— Até onde sei, o Brasil tem uma democracia relativamente sólida — o lobista começou a se irritar e pensou se deveria mesmo ter aceitado a reunião.

— Sólida só se for para os comunistas. Lá tá cheio deles.

— Saímos da Guerra Fria há um tempo, congressista.

— Olha só, vou direto ao ponto: colocaram uma tornozeleira eletrônica no meu pai. Tem um careca lá que não vai sossegar enquanto não prender ele. Precisamos fazer alguma coisa — o deputado abaixa a cabeça e cobre com as mãos.

Dizem que o filho pródigo sempre causa problemas. O filho do ex, ao contrário, recebe a herança do pai e vai aos Estados Unidos com paletó apertado e ideologia frouxa. Viaja com uma missão nobre: convencer parlamentares norte-americanos de que seu pai está sendo perseguido, que a democracia brasileira virou ditadura e que o Supremo Tribunal Federal é mais autoritário que o regime do Irã.

É um samba do filho doido com inglês ruim. O presidente americano, alaranjado de raiva contra o mundo — crush político do clã que o deputado pertence —, impôs um tarifaço de 50% contra produtos brasileiros, e o deputado adorou. Circula entre gabinetes estrangeiros agradecendo pela punição. A lógica é simples e insana: quanto pior para o Brasil, melhor para a família. O patriotismo, nesse caso, é uma peça de ficção — só funciona quando cabe nos interesses pessoais.

— O presidente já autorizou o tarifaço, deputado. Entra em vigor em pouco tempo. O que mais vocês querem?

— Tarifaço? — o deputado levanta a cabeça com raiva — deixaram de fora 700 produtos! E agora adiou! Com que cara vou ficar com meus fãs, digo, compatriotas? O presidente vai ficar com fama de arregão, e eu de idiota.

— Calma, deputado. Pelo que sei, sua fama já é essa no Brasil. Sem ofensa. Mas vamos lá: foi o que deu para fazer. Foram pressões de todo lado, e o pessoal da laranja até entrou com um processo.

— Eu não sei mais o que fazer…

O garçom, com a paciência de quem já serviu diplomatas bêbados e congressistas em férias, pousa os hambúrgueres sobre a mesa. O cheiro de bacon e fritura preenche o silêncio constrangedor entre o deputado e o lobista. O deputado continua:

— Precisamos endurecer mais com o Brasil, entende? O povo precisa sentir na pele o que é uma ditadura de verdade. Só assim vão valorizar meu pai.

O lobista, agora mais interessado nas batatas do que na conversa, decide encerrar:

— Deputado, talvez vocês pudessem começar valorizando o próprio país.

Eduardo levanta da mesa. Limpa os cantos da boca com o guardanapo de papel e ajeita o paletó. Olha em volta como se esperasse aplausos, ou uma live. Não encontra nada além de pratos sujos.

Porque, no fundo, a missão era essa: posar de vítima num país estrangeiro, se fazer de mártir em uma democracia que ainda o tolera e, principalmente, manter o sobrenome no noticiário. O Brasil que espere — com tarifaço, com inflação, com diplomacia sendo varrida do mapa por um deputado que age como influencer de extrema direita num tour de ressentimento.

— Você veio aqui para me ofender? — o deputado mantém-se de pé ao lado da mesa. — Eu sou um patriota! Um patriota, taokey?! Estou aqui para salvar meu país das mãos do careca e do barbudo.

— Não estou aqui para te ofender, deputado. Sente-se, por favor. Não faça uma cena. Coma seu hambúrguer, a carne está ótima — ainda tá vindo do seu país. E sobre o careca, como você chama, já aplicamos a Lei Magnitsky. Espera mais o quê de nós?

— Um plano da CIA para terminar o que começamos lá no Brasil.

— Deputado, não ache que o mundo é um filme de espionagem. As coisas são mais complexas — o lobista morde o lanche, e o ketchup suja seu rosto.

— Eu vou embora.

— Para o Brasil?

— Não! Não posso voltar pra lá.

O deputado sai sem se despedir. O lobista não esboça qualquer reação e continua seu lanche. Antes de deixar o restaurante, uma olhada pela vitrine no pouco cabelo que tem, e pensa que vai ficar totalmente careca em pouco tempo. Lá fora, a bandeira dos Estados Unidos tremula no alto de um prédio. Ele a observa com um misto de devoção e inveja.

— Um dia seremos assim — sussurra para si mesmo, enquanto pede um carro por aplicativo.

E assim seguimos, com o ex-presidente de tornozeleira e o filho girando mundo com o GPS moral desconfigurado. É a nova diplomacia do Brasil: um hambúrguer, uma mentira — e a bandeira brasileira, de cabeça pra baixo.

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