Igor Franco: Campos e região entre decisões globais e desafios locais
Em novembro passado, após a vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos, comentei nesta coluna sobre como eventos aparentemente distantes e imprevisíveis, como as eleições americanas, acabam interferindo diretamente no cotidiano de municípios como Campos. Naquela oportunidade, argumentei sobre nossa costumeira dificuldade em perceber tais conexões e prever os efeitos colaterais de acontecimentos geopolíticos distantes de nossa realidade na economia local. Hoje, abril de 2025, a realidade confirma, infelizmente, parte daquela previsão: a economia global já experimenta o impacto negativo das tarifas comerciais impostas por Trump desde o início de seu mandato, mas com especial fúria nas últimas semanas. Cercado de assessores tão radicalizados quanto o próprio, Trump trouxe a público uma fórmula de tarifação incompreendida por economistas de todas as correntes, onerando de forma absolutamente desproporcional diversos países ao redor do globo. O resultado não poderia ser outro, senão uma reação absolutamente negativa, já prevendo extrema desorganização no comércio internacional. Um dos efeitos colaterais mais rápidos se deu sobre o preço das commodities – especialmente o petróleo.
Com a imposição generalizada de tarifas contra grandes parceiros comerciais dos Estados Unidos, as projeções sobre o desempenho da economia global tornaram-se pessimistas. Analistas econômicos passaram a prever recessão na economia americana já nesse ano, após vários anos de crescimento forte. Nesse cenário, é natural que os agentes financeiros precifiquem uma redução substancial no consumo global de petróleo, commodity cuja cotação já sente os efeitos negativos dessa expectativa. Depois de anos navegando em um confortável patamar entre 70 e 120 dólares, o preço do barril despencou em poucos dias para valores que rondam atualmente os 60 dólares. O patamar atual é comparável ao do ano de 2015 – uma data que não causa exatamente boas lembras às economias dependentes dos royalties, como é o caso de nossa região, que vinha desfrutando de uma bonança fiscal desde 2021.
Tanto em Campos quanto em municípios próximos que se beneficiam diretamente das receitas oriundas da exploração de petróleo, as consequências dessa reviravolta global serão sentidas com intensidade. Durante os últimos quatro anos, vivemos um período excepcionalmente favorável, marcado pelo crescimento expressivo nos repasses de royalties, alimentado por preços altos e estáveis no mercado internacional. Além disso, medidas fiscais tomadas no contexto da pandemia e de um relaxamento geral das regras fiscais no país permitiram cenário de um crescimento acelerado do orçamento municipal, permitindo investimentos generosos em infraestrutura, aumentos salariais ao funcionalismo e a expansão de serviços essenciais à população. A magnitude dos eventos observados após a pandemia foi tão grande que, por exemplo, as transferências aos entes subnacionais (estados e municípios) pelo governo federal subiu 43% no comparativo entre os anos de 2024 e 2019 (pré-pandemia). Conforme afirma o economista da FGV Manoel Pires, tal movimento causou um descolamento no andamento das despesas entre os membros da federação, com a despesa de estados e municípios crescendo muito acima dos gastos federais. No entanto, o que antes era visto como um período virtuoso agora se revela um risco significativo, especialmente diante de questionamentos recorrentes por parte de economistas sobre a sustentabilidade fiscal desses gastos elevados, amplamente financiados por receitas voláteis.
Os efeitos negativos dessa nova realidade econômica já começam a ser entre economistas. Mesmo antes dos impactos negativos das tarifas de Trump, economistas alertavam sobre a necessidade urgente de revisão das despesas públicas, especialmente aquelas classificadas como estruturais ou permanentes. Afinal, é sempre mais fácil expandir gastos públicos em tempos de abundância, mas difícil fazer ajustes quando a receita despenca abruptamente. Alguns estados e municípios brasileiros já têm seus dados fiscais questionados por instituições independentes, alertando para possíveis desequilíbrios futuros – situação que também ronda nossa cidade, onde a queda brusca nas receitas do petróleo pode significar cortes inevitáveis em áreas sensíveis como saúde, educação e segurança pública. Tradicionalmente, no Brasil, temos a tendência de fazer aquilo que é diametralmente oposto do recomendado: no tempo de vacas gordas, expandimos o gasto fiscal, contratamos despesas fixas ou rígidas, cuja reversão ou mesmo cancelamento são juridicamente e politicamente difíceis, quando não impossíveis. Pelo lado contrário, no momento de contração de receitas, faltam fundos para cumprir obrigações e, como consequência, a máquina pública passa a sofrer com severas restrições. Em situações como essa, a postergação da execução de despesas, o adiamento de investimentos e períodos longos de falta de reajuste salarial acabam sendo os únicos mecanismos disponíveis aos mandatários para enquadrar o orçamento público.
Diante dessa conjuntura preocupante, fica evidente a importância de questionarmos nosso modelo de planejamento fiscal, atualmente muito dependente de variáveis internacionais sobre as quais não temos controle algum. A pergunta que devemos nos fazer é: como podemos nos organizar, enquanto cidadãos e governantes, para nos prepararmos melhor para futuras crises geradas por eventos globais? Até que ponto nosso município tem capacidade de criar mecanismos capazes de suavizar o impacto negativo dessas variáveis econômicas externas? A história recente nos ensinou duramente que somos vulneráveis às decisões tomadas por líderes políticos distantes e a movimentos imprevisíveis dos mercados internacionais. Por isso, é fundamental que nossos gestores públicos avaliem a possibilidade de criação de reservas financeiras, fundos anticíclicos ou mecanismos fiscais específicos que possam ser acionados em momentos de retração econômica. Talvez seja oportuno revisitar a estratégia de diversificação econômica local, reduzindo a dependência excessiva das receitas do petróleo e fortalecendo setores alternativos, capazes de gerar receitas mais estáveis e sustentáveis a longo prazo. De igual maneira, é preciso reforçar a transparência e responsabilidade na administração pública, garantindo que os recursos estejam protegidos da má gestão em períodos de bonança e estejam disponíveis para proteger a população em tempos difíceis. Até lá, resta-nos a incômoda tarefa de administrar os efeitos dessa tempestade que pode chegar com a força típica dos acontecimentos sobre os quais nunca tivemos controle.
*Igor Franco é especialista em finanças e professor