Nunca me dediquei à história de maneira ufanista e provinciana. Não busco a glória de Portugal por ter colonizado o Brasil, a grandeza da cidade em que moro e o louvor a seus vultos. Estudo a história da globalização e da era planetária sempre procurando compreender e explicar o processo, efetuando a crítica cabível.
Embora preocupado com a história planetária (que ultrapassa a história da globalização), continuo a me interessar pelo processo de ocidentalização do mundo a partir do século XV, com ênfase particular na contribuição dos portugueses, pois não dou conta do papel exercido por outros países. Neste sentido, faço leituras.
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A primeira delas é “A senhora de Pangim”, do brasileiro Gustavo Barroso (Rio de Janeiro: Guanabara, 1932). O romance não mereceu a atenção da crítica especializada. Não se trata de um grande livro esquecido. Ele apenas revela a apurada pesquisa que o escritor cearense empreendeu para ambientar em Goa a tradicional história da mulher vestida de homem. Uma moça brasileira foge do pai violento e de um casamento indesejado, passando-se por um jovem que se oferece para trabalhar como marinheiro. No fim do século XVII, o navio parte da baía da Guanabara rumo a Lisboa. A moça-rapaz revela grande coragem na luta contra piratas, embora aparente delicadeza feminina. O comandante do navio, perseguido injustamente, parte para Goa e se refugia na cidade de Pangim. A moça luta bravamente em defesa dos domínios portugueses na Ásia e é gravemente ferida. Seu amigo tenta salvá-la e lhe tira a camisa, descobrindo seus seios, que não são mencionados. Ambos se casam. Embora sem valor literário, o livro revela a influência da Índia portuguesa no Brasil e a pesquisa do seu autor.
Aldina de Araújo Oliveira mostra, em linhas gerais, marcas da cultura e da língua portuguesas na Indonésia em “A influência da cultura e da língua portuguesas na Indonésia” (Vila Nova de Famalicão: Centro Gráfico, 1975). Ela registra algumas palavras provenientes da Indonésia absorvidas pelo português, tais como bambu, bengala, biombo, canja, jangada, leque, tufão etc. Por outro lado, palavras portuguesas foram incorporadas pelas línguas javanesa, sundanesa e madureza, como ananás, lâmpada, porteiro, sorvete, tartaruga. E também frases, como “komi iste arós” (comi este arroz).
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Li “Dona Maria de Além-Mar”, de Benjamim Videira Pires (Braga: Barbosa & Xavier, 1995). O autor saiu em 1987 de Macau, ainda domínio português na China para percorrer por um mês os antigos domínios portugueses na Índia, como Goa, Baçaim, Cochim, Bombaim, Chaul, Damão e Diu. O tom do autor é triunfalista. Relembra as glórias de Portugal e suas conquistas, registrando a presença do português em sua forma corrente ou integrando expressões crioulas.
“O bairro português de Malaca”, de João Pedro de Campos Guimarães e José Maria Cabral Ferreira (Portugal: Afrontamento, 1996) é um livro de pesquisa que não esconde o estado de Malaca, domínio português na Malásia que foi perdido para a Holanda em 1641. Os luso-falantes em Malaca reduziram-se a um bairro. A língua portuguesa se reduz hoje a poucos vocábulos bastante modificados. Os chamados portugueses de Malaca representam o português para fins turísticos.
“A arte de Goa, Damão e Diu”, de Carlos de Azevedo (Lisboa: Comissão Executiva do V Centenário do Nascimento de Vasco da Gama, 1970), é um estudo da arquitetura e da pintura católicas e indianas, assim como da arquitetura militar portuguesa nos mais conhecidos domínios portugueses na Índia. Algumas observações do autor se aplicam ao Brasil. Sobretudo no que toca às adaptações sofridas pela arte fora de Portugal. Já Mário Tavares Chicó limita-se a examinar “A igreja do Priorado do Rosário da Velha Goa, a arte manuelina e a arte do Guzerate” (Lisboa, 1954).
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Minhas leituras em relação à participação portuguesa no processo de globalização têm sido consideráveis, mas termino com “Arte Namban”. (Lisboa: Fundação Oriente, 1990). Os portugueses mantiveram contato com o Japão na ilha de Tanegashima, sem conseguir fundar uma colônia. No entanto, os contatos comerciais (1543-1639) acabaram levando artistas japoneses a produzir uma arte ao gosto ocidental, sobretudo em biombos e objetos, mas sem se livrar do traço japonês.
Namban, em japonês, significa “bárbaros do sul”. Assim os japoneses consideravam os europeus, que não sabiam usar varetas de bambu nas refeições.
*Professor, historiador, escritor, ambientalista e membro da Academia Campista de Letras