Lula III e o beep no caixa do supermercado
10/02/2025 | 12h11
Arte digital gerada por IA
Arte digital gerada por IA / Edmundo Siqueira
Não é nenhuma novidade que a economia interfere na política. Seria uma estupidez acreditar o contrário. Porém, comunicar as interferências econômicas é tão necessário quanto conter a alta dos preços.

Na última quinta-feira (6), o presidente Lula disse em uma entrevista a rádios da Bahia que os brasileiros precisam de um “processo educacional” para aprender a “ter consciência” e não comprar os produtos mais caros.

— Uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo. Se você vai no supermercado e você desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver a consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar para vender, porque, senão, vai estragar”, disse o presidente.

Colocar a culpa na população — embora Lula não tenha explicitamente culpado a população, sua fala deu margem para essa interpretação — certamente não é a melhor escolha para comunicar uma crise inflacionária de alimentos. As leis do mercado, de oferta e de procura, podem explicar a dinâmica de um produto ficar mais caro ou mais barato, mas alguém investido no cargo máximo de uma nação não pode querer controlar os preços do supermercado, muito menos acreditar que isso ocorra por ação do povo.

Existem políticas públicas e ações governamentais que agem para evitar que a inflação venha a corroer os salários. Lula, Haddad e a oposição sabem bem disso. Porém, colocá-las em prática pode afetar um jogo de poder já muito desgastado e dependeria de um Congresso coeso e comprometido com o interesse público — algo distante da realidade atual.

Algumas crises recentes que o governo Lula III enfrentou, como a questão que envolvia a taxação do Pix no início de janeiro, não conseguiram ser contornadas com uma comunicação eficiente. A oposição dominou as redes e impôs sua versão da história. De quebra, alçou heróis populares como o deputado federal Nikolas Ferreira.

Há problema na comunicação do governo, mas também há falhas de conteúdo. Assim como não se pode culpar a população pela alta dos preços, não se pode colocar na conta da comunicação os erros de estratégia política e econômica.

No fim das contas, a economia não se resolve na base da boa vontade do consumidor. Quando o caixa passa um produto e o “beep” ecoa no supermercado, ele não distingue quem tem consciência econômica de quem não tem — só registra o preço, que segue subindo.

A inflação de alimentos não some com um toque de pedagogia presidencial, mas com medidas concretas. Se o governo não quiser ouvir um outro beep, esse vindo de votos contrários nas urnas eletrônicas, precisará agir além dos discursos.
 
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Os sinais de alerta que a economia (não) dá em Lula III
16/03/2024 | 09h50
“Há uma crise no Palácio do Planalto”. Essa é uma afirmação recorrente no Brasil, mas que muitas vezes se refere a uma crise fabricada. Mas a queda de popularidade recente do governo Lula demonstra que há um problema, e que há no Planalto a necessidade de acender um sinal de alerta, uma luz amarela.


Segundo pesquisa feita pela Quaest, divulgada no último dia 6, a avaliação positiva do governo está em 35% e a negativa em 34%. Na pesquisa anterior, de dezembro, 36% avaliavam positivamente, contra 29%. Entre os evangélicos a queda de popularidade foi ainda maior: na pesquisa recente 48% dos evangélicos desaprovam o governo, o que antes estava em 36%.

O lulismo pode tentar suavizar os números e dizer que se trata de um “retrato do momento”, mas a verdade é que uma queda de popularidade em um governo que melhorou em 66 indicadores econômicos em um total de 99 (segundo análise da Folha de S.Paulo), não é para ignorar.

O levantamento da Folha de S.Paulo mostra que 66 indicadores melhoraram, 20 pioraram e 13 ficaram estáveis. Os dados são em comparação com 2022, e foram obtidos em estudos sobre saúde, educação, emprego e outras áreas.

Então, não é apenas a economia que interfere na avaliação da população. Há mais em jogo, e as questões morais e de costume são determinantes em um país que apresenta uma “polarização afetiva” tão forte. Quando analisamos os números entre os evangélicos isso é ainda mais evidente.

Pesquisa para que te quero

Pesquisa não é dogma, mas não deve ser ignorada. O que ela apresenta é de fato uma mostra do momento em que ela foi aplicada; e não poderia ser diferente. Dinâmicas e premissas mudam sempre, e os resultados das pesquisas seguem o mesmo padrão de comportamento da sociedade — e se não fosse assim, não serviria para muita coisa.

Ademais, as pesquisas, quando avaliadas como se deve — em sua totalidade e não em recortes oportunistas — , e em suas séries históricas, conseguem apontar tendências e os movimentos das opiniões, sejam de eleitores ou de consumidores.

A pesquisa Quaest aqui trazida informa ainda que a parcela que tem opinião regular sobre o governo petista era de 32% e agora está em 28%; não responderam ou não souberam 3%. A pesquisa ouviu presencialmente nesta rodada 2.000 pessoas dos dias 25 a 27 de fevereiro. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos.

Não é só a economia, estúpido!


Nesse cenário, não é difícil lembrar o lema de James Carville, estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra o então presidente George H. W. Bush: “It's the economy, stupid!” (É a economia, idiota!) — uma pequena variação da frase “The economy, stupid!”, cunhada em 1992.

A questão é que a economia, no momento atual do Brasil, não é a principal variante para aprovação ou reprovação do governo. Há uma expressiva parcela da sociedade que está preocupada com que tipo de ambiente os filhos vão frequentar, em escolas e lugares públicos, se as drogas serão ou não liberadas, ou se o aborto será legal ou não, e outros temas mais relacionados aos costumes.

Para essa parcela da sociedade, as percepções de melhora na economia não são determinantes, e quando afetam diretamente são justificadas como sendo pelos movimentos naturais do mercado ou ainda por governos anteriores.

Já para a parte mais sensível às determinações econômicas, a inflação de alimentos acabou por retirar os efeitos positivos sentidos. Os preços dos itens alimentícios vêm subindo acima da inflação desde outubro do ano passado. E, só este ano, a alta chega a 2,95% — mais que o dobro do 1,25% do IPCA, índice oficial de inflação.

Na última quinta-feira (14), o presidente Lula, realizou uma reunião ministerial para discutir os preços dos alimentos.

E o Mercado?

O chamado “mercado” também andou se estranhando com o governo quando Lula resolveu intervir diretamente na questão dos dividendos da Petrobras. A administração da companhia vem sofrendo muitas críticas em função da retenção de dividendos extraordinários promovida pelo Conselho de Administração.

Além dos dividendos retidos, a situação do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, preocupa o mercado. A decisão do colegiado, segundo ele, foi orientada pelo “presidente da República e pelos seus auxiliares diretos”.

Aí reside o maior medo do mercado em relação ao governo Lula: intervenção. O PT tem a clara convicção que o estado deve ser o principal indutor da economia, e que empresas estatais precisam estar a serviço da sociedade brasileira, e não de acionistas. Embora seja um caminho possível, empresas de capital aberto possuem regras próprias.
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A mão independente do mercado
15/02/2023 | 10h15
Nem sempre foi assim. O Banco Central, órgão que cuida da estabilidade de preços e da eficiência do sistema financeiro, passou a ser independente há pouco menos de um ano. Durante o governo Bolsonaro, por força de lei, o BC ganhou status de “autarquia com natureza especial”, sem vinculação ao Ministério da Economia. Na prática, o presidente eleito só pode mexer na chefia do banco com anuência do Senado Federal e motivação específica — ideologia e posição política não estão nesse rol.

Porém, mesmo ciente dessa limitação, o atual presidente da República resolveu pedir a cabeça de Campos Neto, presidente do BC. "É uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira", disse Lula na segunda-feira (6/2), durante um evento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O Comitê de Política Monetária (Copom), integrante do BC, resolveu manter a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano.

Para qualquer governante, taxa de juros alta não é bem vinda. A capacidade de investimento cai, o dinheiro circula menos e fica mais difícil retomar os empregos como se gostaria. "Não é possível que a gente queira que este país volte a crescer com taxa de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda. É só isso. É isso que eu acho que esse cidadão [Campos Neto]”, continuou Lula, em entrevista posterior.

Técnica ou Política?

Muitos países adotam a independência de seus Bancos Centrais. Outros não; preferem que o governo controle a economia por completo. Nos dois casos, existem sucessos e derrocadas financeiras. A forma que o mercado opera, e as “leis” próprias que obedece, seguem uma lógica baseada em números e expectativas.

As questões ideológicas e de visões de mundo, acabam por se submeter a preceitos técnicos quando uma crise financeira ganha contornos catastróficos, por exemplo. Bancos de linha ultraliberal recorrem ao Estado quando quebram, e estatais estratégicas com o capital aberto, em Bolsa de Valores, são aceitas em governos de esquerda.

Para além da discussão econômica, sociedade e governos direcionam suas forças e estratégias de acordo com suas ideologias e visões de mundo. Historicamente é assim. Quando a sociedade caminha no entendimento que é preciso mais Estado, mais controle e menos liberdade para o sistema financeiro, as instituições públicas precisam perceber que há deficiências graves em cumprir o básico. Onde garantias mínimas de dignidade — saúde e educação públicas de qualidade, segurança e transporte — estão sendo suprimidas ou mesmo impedidas de chegar à maioria.

Por outro lado, menos liberdade para a iniciativa privada, mais controle e intervenção estatal acabam por afetar a produção e provocar fuga de investimentos. O mercado, como ente abstrato, passa a não confiar no Estado e entender que as decisões de governantes em relação aos gastos públicos serão tomadas sem o cuidado com a estabilidade do país. Irão gastar mais do que se arrecada.

Liberais, socialistas, sociais-democratas, sociais-liberais, conservadores, keynesianos, e mais tantas outras formas ideológicas e de entender como o mundo funciona, devem dialogar para que algum tipo de equilíbrio se estabeleça nesse jogo — para além do pensamento binário “esquerda ou direita”.

O que Lula parece ainda não ter entendido é que ele foi eleito pela formação de uma frente ampla, que entendeu que a defesa democrática era essencial. E ainda que governa em um país que há pouco mais de um mês sofreu uma tentativa grave de golpe de Estado.
Partir para o enfrentamento público com o presidente do BC só trará mais desgaste e de quebra fará com que essas formas ideológicas de ver o mundo colidam e se seus integrantes se afastem. O papel principal de Lula, nesse terceiro mandato, é garantir que tenhamos um país em que possamos discutir se o Banco Central deve ou não ser independente sem violência, sem radicalismo e principalmente, sem considerarmos quem pensa diferente como um inimigo.

*

O programa Folha no Ar (diário, às 7h, em FM 98,3 e pelas redes sociais), do Grupo Folha da Manhã e o blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa, hospedado no portal Folha1, possuem um grupo de WhatsApp que fomenta discussões importantes sobre os mais variados temas. Por lá, o respeito às opiniões divergentes e a percepção que é necessário o diálogo entre as várias correntes ideológicas, são cotidianos.

No tema “autonomia do Banco Central”, o grupo presenciou vários diálogos importantes, mas reproduzo aqui duas mensagens recentes, trocadas por dois integrantes, que demonstram divergências de opiniões, mas o respeito mútuo e por fim, objetivos semelhantes.
Vejam:

“Prof. Guiomar, o ponto é importante e a proposição teorias são passos iniciais para montarmos arcabouços que sejam implementados na realidade.


Mas acredito que a Prof. concordará que há diversos métodos científicos que buscam extrair a validade para uma determinada teoria. Os métodos das ciências humanas, embora possam ser transversais, não necessariamente serão idênticos aos das ciências exatas, onde a validação matemática, a demonstração empírica através de experimentos etc possuem preponderância para determinar a validade de uma sustentação teórica.

Assim é o campo da economia. Os modelos de definição das variáveis econômicas baseiam-se em diversos modelos matemáticos que estão sendo constantemente revisitados. Recentemente, a proposição de uma nova variável na definição das taxas de curto prazo (que poderíamos chamar de "taxa financeira de equilíbrio") iniciou uma grande discussão.

Não há caixa preta ou verdades absolutas. Mas não significa que toda teoria possua a mesma validade.

Os atuais críticos da taxa Selic precisam demonstrar seus pontos. Praticamente todo arcabouço utilizado pelo Bacen é plenamente conhecido no debate acadêmico e no mundo prático, através de relatórios periódicos e trabalhos de profissionais da autoridade monetária”.

Por Igor Franco, especialista em finanças e professor.

“Olá, meu caro Igor Franco, boa noite! Uma das grandes contribuições, que, enquanto professores, pesquisadores, artistas, jornalistas, advogados, etc., de qualquer área do Conhecimento podemos deixar como herança para os nossos interlocutores, é, sim, que não existe uma Verdade acabada/definitiva. Sobre isso é que me expressei. A existência da Filosofia, da Epistemologia e da Hermenêutica, por exemplo, são a prova viva e instigante desse fato.
Assim como uma Teoria advém de um real concreto pensado, se, esta, não voltar constantemente à realidade, para se atualizar ou ser superada, será inócua na intervenção, como poderá transformar-se em dogma (daí não estaremos falando mais de Ciência). Por isso, penso que a Teoria não significa apenas um passo inicial, é uma relação dialética entre início e o fim, com suas sínteses sempre temporárias. O arcabouço seria este movimento dialético, dada a dinâmica da realidade. Hoje, então, nem as ditas ‘Ciências Exatas’ escapam desse princípio, é só observarmos as revoluções que acontecem com a Física e os registros e desafios Matemáticos dos fenômenos subatômicos, da Biologia molecular e da Química fina, também molecular (aliás, tais revoluções na produção do Conhecimento, não são de agora, remontam às primeiras décadas do século passado). Afirmo isso, porque penso, é nosso dever, abrir o leque de possibilidades de compreensão da realidade para com nossos interlocutores (novamente!), seja esta qual for – do mundo subatômico e sua diversidade e interconexões ao flagelo da desigualdade material, das guerras que alimentam o enriquecimento com as mortes e da fome! Atualmente, pressuponho, não podemos resolver nenhum problema complexo sem as interconexões com as diversas áreas do Conhecimento.
E, não podemos transformar a complexidade em algo inacessível à maioria dos humanos, seja de que condição for. É fato, que as Relações de Poder e a Economia hegemônica contemporânea dada não resolveram problemas básicos da humanidade, não cumpriram as promessas feitas desde do século XVIII; nem o socialismo realmente existente (histórico – século XX) também não o conseguiu! Qual a relevância da Ciência da Economia (em suas diversas dimensões, interconexões, interpretações e pressupostos) numa sociedade tão desigual como a nossa? Mesmo não sendo uma economista, faço a mim esta pergunta. E, de antemão, já sei que não existe apenas uma resposta. Muito obrigada, Igor e William, pelo diálogo em constante aprendizagem. Sigamos em frente!”.

Por Guiomar Valdez, historiadora professora aposentada do IFF Campos.



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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com