Arthur Soffiati - De Manaus a Belém
* Arthur Soffiati 16/09/2025 10:05 - Atualizado em 16/09/2025 10:05
Arthur Soffiati
Arthur Soffiati / Divulgação

Depois de alguns dias em São Gabriel da Cachoeira conhecendo o que foi possível, retornamos a Manaus de avião. O trecho mais demorado da excursão à Amazônia começaria agora: de Manaus a Belém navegando o rio Amazonas. O tempo foi curto para os preparativos: compra de roupa de cama e alimentos para a viagem. Retorno à Praça S. Sebastião e ao Teatro da Amazônia, visita ao Palácio Rio Negro. No dia seguinte, a correria habitual, acompanhada de desinformação. Espera demorada para a saída do catamarã com o embarque de automóveis e de pessoas. Exame da cabine em que nos hospedaríamos.
Início da viagem. Parecia algo já visto, mas, aos poucos, o espetáculo das águas começou. Estávamos navegando num oceano de água doce. A estação do ano ajudava. Não estávamos na estação seca nem na estação das enchentes máximas. Visitamos a embarcação. Na parte inferior, os veículos. No nível médio, as cabines e o alojamento com ar condicionado para as redes. No nível superior, alojamento para redes sem ar condicionado. Era preciso circular pelos cantos para não incomodar aquele emaranhado de pés e cabeças.
Tudo, na embarcação é pago, além do alto preço da passagem. Todas as classes se encontram no restaurante, com cardápio de poucas opções. No terraço, uma lanchonete simples. Mas o rio Amazonas nos oferece um espetáculo que compensa as dificuldades. A maioria dos passageiros não vai ao convés admirar a paisagem talvez por desinteresse ou por já conhecê-la.
Em momento nenhum, esqueci do desmatamento que sofre a grande floresta e das mudanças climáticas adversas. Felizmente, não as encontrei. Era como um prêmio de consolação conhecer aquele panorama equatorial e lembrar-me dos viajantes que escreveram sobre ele. Muito frequentemente, avista-se uma casa isolada ou um conjunto delas nas margens. A maioria na forma de palafita. Comumente, existem igrejinhas junto a elas de denominações diversas. As católicas logo se sobressaem pelo formato e pela cruz. Mas predominam as evangélicas com os nomes mais estranhos. Há também bares. A luz elétrica já chegou a esses lugarejos tipicamente amazônicos, juntamente com sinal de internet.
Além desses conjuntos de casas distribuídos por todo percurso entre Manaus e Belém, passamos por conjuntos habitacionais maiores. Alguns são cidades. Outros apenas vilas. Em alguns paramos. Registro esses lugares: Itacoatiara, Parintins, Juruti, Santarém e Breves. Em alguns, paramos rapidamente para o embarque ou desembarque de passageiros. Em Santarém, paramos bastante tempo, o que nos permitiu descer e visitar a cidade. O padrão urbano é o mesmo de todas as cidades amazônicas. Noutro núcleo urbano, houve uma longa parada para um enorme carregamento de limão. Não pudemos descer.
Em Breves, sede do maior município marajoara, a parada foi mais longa, mas só os passageiros que lá ficariam puderam descer. Pudemos contemplar a cidade. Fiquei saudoso da nossa visita à Ilha de Marajó em 2018.
A viagem prosseguiu. Um passageiro, típico amazônida, puxou conversa comigo durante toda a viagem. Num desses diálogos, ele me perguntou se eu enxergava a margem do grande rio. Respondi imediatamente que sim. Ela estava à minha frente. Então, ele me pediu que observasse melhor. A margem era uma longa ilha. Que eu olhasse além dela. Lá estava a margem, bem mais distante. Que eu olhasse melhor, pois eu divisava outra ilha alongada. A margem situava-se muito além, onde a vista alcançava com dificuldade. Que mundo aquático fabuloso! Mas ele completava: na estação seca, a redução hídrica era brutal. Em certos pontos navegáveis, não se pode atravessar com embarcações como aquela da qual éramos passageiros.
Num determinado ponto, tudo mudou. Em vez de um largo rio, penetramos em estreitos. Eles formavam um aranhol que confundia os que não conhecem o caminho. Em certo ponto, abriam-se três canais à nossa frente. Por qual o piloto entrará? E ele penetra um que parece levar o catamarã a retornar. Mas, além de hábil conhecedor daquele caos hídrico, ele conta com aparelhos. Parece que a embarcação está retornando, mas ela está na direção de Belém. Entramos nos estreitos do arquipélago de Marajó. O catamarã parece perdido, mas está no rumo certo.
Depois de cinco dias navegando por um universo aquático maravilhoso, pergunto como a economia de mercado está se constituindo numa ameaça para ele. Como chegamos a esse ponto? A destruição da floresta amazônica é responsável por todo aquele labirinto hídrico que abriga incontáveis espécies animais aquáticos. Ela atrai a umidade atmosférica para a mata e a distribui por todo o cone sul. Se estudos apontam que o Norte-Noroeste fluminense vem se tornando semiárido, sem metade da floresta talvez sejamos como o deserto de Atacama, o mais alto e o mais seco do mundo.
*Professor, historiador, escritor e ambientalista

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