Edgar Vianna de Andrade - Um filme dentro de outro
*Edgar Vianna de Andrade 05/12/2025 17:52 - Atualizado em 05/12/2025 17:52
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As técnicas do cinema evoluíram muito, mas parece que a fase do cinema mudo revelou quase tudo sobre a sétima arte. Podemos situar a fase do cinema mudo entre 1895 e 1930, embora existam experiências anteriores com a fotografia em movimento, ao mesmo tempo em que a recusa à fala nos filmes perdurasse um pouco além de 1930. Basta citar o caso de Charles Chaplin.
Um filme com várias histórias ligadas a um mesmo tema ou entrelaçadas, como no caso de “Babel”, de Alejandro G. Iñárritu (2006), foi magistralmente ilustrado por “Intolerância”, filme dirigido por D.W. Griffith (1916). Um filme com um longo flashback, ou seja, um relato dentro do filme que retrata a recordação de um dos personagens ou uma recapitulação para situar o espectador, encontra-se em muitos filmes da atualidade, sendo um recurso bastante comum no cinema. Um exemplo clássico é “O homem que matou o facínora”, de John Ford (1962). Esse recurso é bem antigo no cinema. Victor Sjöstrom recorreu a ele em “O Mosteiro de Sendomir” (1920). Quem começa a assisti-lo cinco minutos depois de início estranhará o final.
E o que dizer de um filme dentro de outro filme? O genial diretor alemão Friedrich Wilhelm Murnau usou este recurso há exatamente 100 anos em “Tartufo”. É bem conhecida a história de “Tartufo”, peça de Moliére. Um homem íntegro e rico tem um amigo muito religioso que passa o dia com a Bíblia na mão. Contudo, é um santo de pau oco. Ele corteja a mulher do amigo e deseja se apossar dos seus bens.
Murnau traz a história para nossos dias. O filme começa com um tio rico, uma governanta que o afasta da família e um sobrinho. Este percebe que a governanta pretende se apossar dos bens do tio e consegue entrar na casa dele para exibir um filme sobre a peça de Moliére. Os principais artistas são o afamado Emil Jannings, no papel de Tartufo, Werner Krauss como o amigo rico e a linda Lil Dagover como esposa assediada.
Quem assiste ao filme pode concluir que o primeiro filme é apenas uma introdução ao segundo, que é o principal. Uma leitura mais atenta mostra um recurso de metalinguagem em que o primeiro filme se utiliza do segundo. O filme inicial passa a ser apenas uma introdução ao segundo, mas esse primeiro é o filme principal que se vale do segundo apenas para contar uma história que atende ao primeiro. Em resumo, o recurso simples de ilustrar um filme com outro filme (o mais importante) revela o gênio do diretor.
Seria simples contar a história de Tartufo no seu contexto francês do século XVII ou atualizá-la adaptando-a ao século XX. Simples, mas talvez monótona. Criar um anel recursivo em que a primeira história precisa da segunda par ser entendida e a segunda não se transforma na mera história de Tartufo levada ao cinema porque ela é introduzida pela primeira. Assim, conta-se a história de Tartufo por outra semelhante que se explica pela segunda, que depende da primeira.

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