Da cana ao Guanabara: a vocação política de Campos sempre com olhos para a capital
25/05/2025 | 06h22
Reprodução
Campos dos Goytacazes foi uma vila importante do Império, e depois, em 1835, uma cidade importante para a província do Rio de Janeiro. A importância econômica e política era tamanha que houve chances reais de Campos ser a capital — a “civilização do açúcar”, como definiu Alberto Lamego, era uma terra próspera e lutava por reconhecimento regional e nacional.

Mas os ventos políticos sopraram para outro lado. O mesmo Decreto que criou a província do Rio de Janeiro, deu nascimento à cidade de Campos dos Goytacazes, mas transferiu a capital para Niterói (o Rio era a capital do Brasil). Campos, que já havia pertencido ao Espírito Santo, perdeu a disputa pela centralidade da província fluminense por vários fatores, mas a ausência de representação na Assembleia não estava entre eles.

Até a República (1889), os representantes de Campos eram maioria no legislativo provincial. O Brasil que nascia a partir do fim do Império passou por transformações econômicas, sociais e políticas significativas e Campos foi perdendo espaço para outras regiões do Estado, como o Vale do Paraíba (pela produção de Café) e pelo entorno urbanizado do Rio de Janeiro, que se mantinha como capital do país.
E Campos?
Niterói se manteve como a capital do Estado até a fusão do Estado da Guanabara com o Rio de Janeiro, em 1975 — A cidade-estado da Guanabara surgiu como solução política após a transferência da capital para Brasília, ainda sob o governo Juscelino Kubitschek, para manter o Rio de Janeiro como território autônomo. E Campos?

Em todos os movimentos que o Estado do Rio de Janeiro passou na combalida história brasileira, desde 1808, quando a chegada da Família Real lusitana desembarcou em terras fluminenses, Campos foi figura de proa. Já era uma vila economicamente importante, tinha condições geográficas interessantes e construía sua urbanidade. A questão parece ser que Campos sempre esteve no papel de fornecedora da capital. Fornecia açúcar, água, recursos humanos e servia de entreposto. Servia para suprir, mas não para comandar.
Marc Ferrez. Ilha de Boa Viagem, c. 1880, Niterói, Rio de Janeiro / Acervo IMS

Diferente de outros estados, como São Paulo, o interior do Rio não passou por um processo de industrialização robusto. As usinas campistas pararam no tempo, e as cidades menores do norte e noroeste fluminenses não se desenvolveram para formar zonas industriais e comerciais importantes. Os olhos do Rio sempre estiveram voltados para a capital e seu entorno imediato.

Politicamente pelo menos, Campos, apesar de ter perdido a chance de ser capital do Estado, nunca deixou de tentar reassumir algum protagonismo político. Essa ambição se reconfigurou ao longo do tempo: deixou de ser uma disputa territorial e tornou-se uma busca por influência no tabuleiro do poder fluminense. No final dos anos 1990, o então deputado federal Anthony Garotinho venceu a disputa pelo Palácio Guanabara e levou com ele a esperança de que Campos, enfim, ocupasse um centro de decisões. O governo Garotinho, com todas as suas polêmicas, tentou conferir alguma relevância ao interior, mas acabou se rendendo à capital e ao enorme colégio eleitoral da baixada.

Agora, mais de duas décadas depois, a cidade assiste ao possível avanço de outro nome de seu território rumo ao governo estadual. Rodrigo Bacellar, atual presidente da Alerj e figura de articulação hábil, aparece como candidato natural ao Palácio Guanabara. A história se repete, mas em outro tempo. Bacellar representa uma nova geração, mais pragmática e menos simbólica, que aposta no poder por meio da governabilidade, não da retórica. Se chegar ao cargo, será legítimo perguntar: o que isso significará para Campos?

Talvez, diferente do que se imaginava no século XIX, o poder político não precise mais de sede geográfica, mas de projetos que incluam de fato o interior fluminense. A cidade que já sonhou em ser capital talvez deva hoje sonhar em não ser apenas um feudo eleitoral. Afinal, se a história não soube premiá-la com a capitalidade, ainda pode ensiná-la a exigir centralidade nos rumos do Estado.
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Sem ódio no ar
28/04/2024 | 06h34
Dois personagens da política campista foram ao programa Folha no Ar, da FolhaFM 98.3, neste mês de abril. No último dia 6, Anthony Garotinho concedeu uma entrevista onde falou sobre diversos assuntos, e revelou que se encontraria com um histórico adversário, Arnaldo Vianna, logo após o fim do programa.


Nesta sexta-feira (26), o presidente da Câmara de Vereadores, Marquino Bacellar, também concedeu uma entrevista, onde falou sobre os embates passados com o Executivo, e a futura disputa eleitoral de 6 de outubro, onde seu grupo político enfrentará o favoritismo atestado em pesquisas de Wladimir Garotinho.

Ambos personagens, Anthony e Marquinho, são conhecidos pela veemência nos posicionamentos, muitas vezes com ataques duros aos adversários, usando palavras fortes e apelidos no mínimo jocosos. Porém, nas entrevistas concedidas, eles mantiveram um tom mais sereno e mais ponderado, inclusive ao falar de seus adversários.

Nas entrevistas, o alívio no tom não se confundiu com a ausência de críticas. Elas estavam lá, os dois não se abstiveram de dizer o que pensam sobre o jogo político campistas e os outros personagens que o compõe. Mas elas foram feitas atendo-se a questões políticas, essencialmente, sem ataques pessoais ou familiares.

Como ainda eram ali as personas políticas que fazem questão de cultivar, houve momentos de posições mais malcriadas sobre os adversários, e ironias inevitáveis foram ditas. Mas sempre acima da “linha da cintura”.

Em tempos de polarização afetiva na política nacional, e discursos de ódio nas redes sociais, Garotinho e Bacellar conseguiram levar ao Folha no Ar um tom surpreendentemente ponderado nas análises que fizeram. Mesmo em ano eleitoral, mantiveram-se em uma postura de negação a forma de fazer política com ataques pessoais. Ponderaram, ou pelo menos demonstraram ponderar, que talvez seja o momento de não esticar a corda, de disputar apenas na arena eleitoral e política, sem agressões, mesmo contra grupos antagônicos.
As surpresas positivas em relação aos dois personagem deram-se pelo histórico de suas atuações, e de seus grupos políticos, mas também aconteceram por vivermos em um momento em Campos, no Brasil e no mundo do contrário. O estímulo ao ódio e as agressões oferecem de volta muitas curtidas e comentários em redes sociais, assim como engajam a claque, tornando a tentação de políticos assim agirem muito grande. E o Folha no Ar poderia ter sido um espaço onde isso fosse aproveitado. Mas não foi.

Talvez o programa da FolhaFM não reflita a realidade vista na atuação política dos mesmos personagens daqui para a frente. Talvez as eleições, quando a campanha começar de fato, impeça que climas elevados e de diálogo respeitoso voltem a acontecer. Mas o Folha no Ar deixou dois exemplos, através das entrevistas de Garotinho e Bacellar, que é preciso promover espaços onde os políticos façam de seus ofícios algo condizente com a convivência democrática e pacífica.
Campos não é, e nem pode ser, uma cidade fria politicamente. Oposição e embates políticos não são apenas naturais, são necessários para que o sistema democrático seja vivenciado em plenitude. Mas não se pode normalizar a agressão, mesmo verbal, no fazer político e no convívio social.

Todos saem ganhando com mais democracia. E o jornalismo cumpre um papel fundamental em mostrar que esse jogo só deve ser jogado com respeito e sem ódio, onde não se perca a capacidade de dialogar, mesmo com os opostos.

A política campista não pode dispensar os adversários, mas não precisa de inimigos. A Folha e a cidade agradecem.
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A cultura, o teatro, o Arquivo e os Garotinhos
17/12/2021 | 08h27
A primeira vitória política de Anthony Garotinho em Campos foi graças a uma plataforma essencialmente cultural. Eleito prefeito da cidade em outubro de 1988, aos 28 anos, recebera 30% dos votos válidos, desbancando uma oligarquia tradicional da cidade. Em 1983, como um jovem candidato a vereador claramente de esquerda, não venceu. Viria pelo PT. Para ser eleito, se filiou ao PDT, e foi o líder de um movimento que começa com o nome de “Frente Campos”. De 83 a 88 a memória de uma demolição construiu, paradoxalmente, o nome de Garotinho.
Não corro risco em afirmar que Garotinho venceu aquela eleição pelas mãos do “setor cultural” de Campos. Mais especificamente do teatro amador, que no início dos anos 80 fez nascer o “Grupo Abertura”, revelando nomes que ficariam conhecidos da cena política campista. Fernando Leite, Rosinha Garotinho, Sérgio Mendes e o próprio Anthony. Todos foram abrigados no PDT, e queriam lutar contra uma elite campista que eles consideravam atrasada, representada pelo prefeito da ocasião, Zezé Barbosa.
De fato o poder estava concentrado nas mãos de grandes produtores rurais, ligados ao setor sucroalcooleiro, e de comerciantes. Zezé Barbosa acumulava três mandatos. Carregava consigo o perfil do coronelismo típico, usando o poder econômico e exercendo o poder local de forma personalista e autoritária. Mas o Brasil estava mudando. A ditadura militar instalada em 1964 ia aos poucos cedendo espaço para a abertura democrática. Uma “Nova República” se instalava nos anos 1980. Mas não sem sangue, suor e lágrimas.
O teatro era o palco comum de engajamento político contra a ditadura, não só em Campos, como em várias partes do país. As peças teatrais eram a forma de criticar, com arte, o regime. A ruptura para um modelo mais democrático e moderno em Campos foi proposto pelas mãos de um grupo de teatro amador, que trazia no título de uma peça, escrita por Garotinho e Fernando Leite, em 1983, o recado que queria passar: “Precisa Acontecer Alguma Coisa”. E aconteceu.
O Trianon — de antes e de hoje — como elemento de poder
A economia açucareira sustentava uma identidade campista elitizada que passava tardes no Café High-Life, passeava pela Praça São Salvador, sabia das notícias pelo largo da imprensa e Boulevard do Comércio, — e ia ao teatro. O Orion e o Trianon traziam espetáculos de ópera, canto lírico e estavam entre os grandes espaços culturais do país. Ao longo do século XX o teatro era um elemento central que identificava uma elite financeira e intelectual da cidade.
Até que em 26 de junho de 1975 o Teatro Trianon veio ao chão. Um dos mais belos espaços de cultura do Brasil estava destruído para dar lugar a uma agência bancária. Demolido com a cumplicidade e “insensibilidade política e cultural” do prefeito Zezé Barbosa.
Antigo Trianon
Antigo Trianon
Aquilo teria afetado muito, e não apenas a elite financeira de Campos. Os escombros do Trianon passaram a ser um símbolo político que fortaleceria a oposição, que lutava conta o sucateamento da cultura e pela elitização dos espaços. E escandalizou a intelectualidade da época.
O grupo que simbolizava a cultura popular e buscava a modernização, pela via do progressismo, estava no “Abertura”, de Garotinho. Zezé Barbosa carregaria uma culpa histórica pela demolição de um símbolo campista, o que certamente levou a um sentimento crescente de renovação. E erguer um novo Trianon estava entre as propostas desse sentimento.
O início da “nova república campista” com Garotinho
A “Frente Campos” passa a se chamar “Muda Campos”, unindo o teatro amador, professores, intelectuais e a classe média campista em torno do seu projeto político. Anthony Garotinho, pelo PDT, coligado com partidos de esquerda, escolhe um representante da classe médica para ser seu vice, e de quebra leva o PSB. Adilson Sarmet traria à chapa a segurança que Garotinho precisava para romper o preconceito com o progressismo, existente ainda hoje em uma cidade conservadora com Campos.
Garotinho e Rosinha nas primeiras campanhas, em Campos. Foto: Acervo O Globo
Garotinho e Rosinha nas primeiras campanhas, em Campos. Foto: Acervo O Globo
Garotinho, de forma muito habilidosa, traz para a campanha os elementos que o fizeram vencer. Todos, satélites de um projeto de cultura popular. A praça, o povo, o teatro, a rua, o carnaval. Garotinho estava prometendo democracia, cultura e participação popular, e atendia a elite financeira prometendo retomar a “Campos do Trianon”. E ganhou a disputa.
Para entender melhor essa ruptura, trago à conversa o ecohistoriador Arthur Soffiati, que estava lá, e viveu aquele momento histórico de perto.
“O governo de Zezé não se interessava por cultura. Eu trabalhei 18 meses com ele e posso afirmar isso. Contudo, ele contou com dois nomes fundamentais para a cultura: Amaro Prata Tavares e Diva Abreu, que fizeram o possível pela cultura. Eu diria que trabalhei 18 meses na estrutura da cultura municipal e dela saiu apenas a Casa de Cultura José Cândido de Carvalho e o Prêmio Alberto Ribeiro Lamego. Tudo foi esquecido e perdido. Ainda bem que guardei cópia. Pretendia-se democratizar a cultura, atendendo todos os setores da produção e horizontalizá-la, criando casas de cultura no interior”, disse Soffiati.
A estratégia estava certa. A modernização, descentralização e abertura popular da cultura, e da identidade campista, já estavam em curso pelas mãos de gente competente e compromissada, como Diva e Arthur. Mas, a insensibilidade do prefeito não permitiu que acontecesse, e seu atraso custou a sua cadeira.
O ‘Garotinho’ de hoje
Não corro risco  (novamente) de errar, em afirmar que Garotinho hoje é o maior político de Campos desde Nilo Peçanha. Após seu primeiro mandato como prefeito, foi Deputado Federal eleito com a maior votação já registrada para o cargo no Estado do Rio, governador, e recebeu mais de 15 milhões de votos para presidente. Não é uma questão de avaliação qualitativa do político Garotinho; são os fatos.
Em Campos, Garotinho deixou sucessores, produziu aliados e muitos inimigos. Dois de seus filhos estão na vida política com relativo sucesso. Clarissa, atualmente Deputada Federal, e Wladimir, que segue o legado como prefeito.
Wladimir Garotinho, por ironia ou consequência do destino, venceu o neto de Zezé Barbosa, Rafael Diniz. A cultura não estava no centro das discussões. A economia falava mais alto. Mas alguns centros culturais estavam em destaque, como a promessa não cumprida de Diniz em entregar o Palácio da Cultura. Nas palavras de Soffiati, Rafael “nada fez; pelo contrário, abandou a cultura em nome do saneamento financeiro”. O que confirma o que costuma dizer o jornalista Aluysio Abreu Barbosa: “cultura não elege, mas retira voto”.
Arquivo, ‘Trianon’ de hoje
O teatro, por infelicidade do destino, deixou de estar no centro da cultura e identidade de Campos. Embora o “novo Trianon” tenha sido erguido, com o depósito de um milhão de dólares conseguido por garotinho em 1989 junto ao banco que “demoliu” o Trianon antigo, ele pouco recebe espetáculos.
Talvez o Trianon de hoje seja o Arquivo Público. Instalado na construção mais antiga de Campos, o Solar do Colégio, na baixada, vem recebendo atenção da sociedade campista e da intelectualidade. Instrumento essencial para salvaguardar a memória e história de toda região, o Arquivo se firmou como o principal equipamento cultural da cidade.
Fundado 2002, por meio de uma parceria com a Uenf, supervisionada pelo Arquivo do Estado (APERJ), Lei Municipal do vereador Edson Batista e viabilizada pelo então governador Anthony Garotinho, o Arquivo de Campos foi considerado o 5º melhor do país, e vem recebendo atenção do meio acadêmico e da imprensa campista.
A exposição que vem recebendo e o trabalho de excelência desenvolvido pela equipe da instituição, fizeram com que o atual prefeito Wladimir o escolhesse para receber 20 milhões (Folha1) em um acordo com a Uenf e Alerj (pelas mãos do deputado Bruno Dauaire e do presidente da Casa, André Ceciliano). O dinheiro será utilizado no restauro do Solar e consequente uso do espaço pelo Arquivo, com instalação de projeto para digitalização do acervo, e de acessibilidade à sociedade campista.
Wladimir talvez tenha cumprido a missão e desejo que todo pai responsável deseja ao filho. Pelo menos no “setor cultual” vem demonstrando que superará o pai, que teve recursos abundantes pelos tempos áureos dos royalties. Com uma “tacada só” deverá não apenas impedir que o Arquivo viesse ao chão, como entrega-lo em plenas funções a Campos, e por muito tempo, sem gastar recursos da municipalidade.
Muito ainda precisa ser feito, na cultura, na economia, no social, na infraestrutura, e tantos outros setores do município. Muito poderia ter sido feito em governos anteriores. Mas superar velhas oligarquias é um passo importante e essencial, mesmo (ou principalmente) se elas forem próximas o bastante para virem de um pai. Que seja novamente pela cultura!
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com