Pesquisa da Uenf e Universidade americana vai ouvir campistas sobre patrimônio cultural
17/09/2025 | 08h49
Pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) e da Fairfield University, dos Estados Unidos, lançaram uma pesquisa para avaliar o que a população de Campos dos Goytacazes sabe e pensa sobre o patrimônio cultural do município. O questionário, que leva cerca de 15 minutos para ser respondido, está disponível online e pode ser acessado por qualquer morador interessado.

O estudo é coordenado pelo professor Carlos E. de Rezende (Uenf) e pelo professor William F. Vásquez (Fairfield University). O objetivo é coletar informações que possam subsidiar a formulação de políticas públicas voltadas à preservação da memória cultural campista. A participação é voluntária e anônima.

A pesquisa chama atenção em um momento de fragilidade do patrimônio local. Espaços históricos como o Mercado Municipal, em condições insalubres, o Museu Olavo Cardoso, fechado, e o Solar dos Airizes, em ruínas, revelam a dificuldade do município em lidar com sua herança cultural. A iniciativa dos pesquisadores pode ajudar a medir o grau de engajamento da sociedade diante desse cenário.

As respostas são coletadas por meio da plataforma Qualtrics, que não exige informações pessoais, como nome ou e-mail, nem registra o endereço IP dos participantes (link aqui). O sistema é seguro e garante o anonimato dos dados, que poderão ser compartilhados em pesquisas acadêmicas futuras, sempre de forma confidencial.

Medir o conhecimento e o apego

A pesquisa servirá para um necessário exame de consciência coletiva do campista sobre seu patrimônio cultural. Além de medir o grau de conhecimento — e apego —, busca levantar dados que possam ajudar na formulação de políticas públicas voltadas para a preservação cultural.
 
Link para pesquisa abrirá a página inicial com as informações completas e termo de consentimento eletrônico. Basta seguir as páginas e responder os questionamentos propostos, podendo pular perguntas.
Link para pesquisa abrirá a página inicial com as informações completas e termo de consentimento eletrônico. Basta seguir as páginas e responder os questionamentos propostos, podendo pular perguntas. / Reprodução


Embora não haja qualquer benefício financeiro ou premiação ao participante, o ganho é coletivo: as respostas ajudarão a orientar ações e decisões que impactam a preservação de prédios, praças, tradições e símbolos culturais da cidade.

Afinal, qual é a real importância que a população atribui à sua própria história? Mais do que medir conhecimento, o estudo testa a nossa disposição de assumir responsabilidade sobre uma herança que resiste mais pela força do acaso do que pelo zelo público.


Serviço

O que é: Pesquisa sobre o patrimônio cultural de Campos dos Goytacazes
Quem realiza: Prof. Carlos E. de Rezende (Uenf) e Prof. William F. Vásquez (Fairfield University)
Tempo estimado: 15 minutos
Confidencialidade: Garantida pela plataforma Qualtrics
Link de acesso: pesquisa

Contato para dúvidas:
Prof. Carlos Rezende: crezende@uenf.br
Prof. William Vásquez: wvasquez@fairfield.edu

Comitê de Ética (Fairfield University): irb@fairfield.edu
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104 anos do Mercado Municipal: entre o descaso, memória e resistência à mudança
15/09/2025 | 08h01
A Torre do Relógio, que virou símbolo de resistência do patrimônio histórico, mas segue invisível.
A Torre do Relógio, que virou símbolo de resistência do patrimônio histórico, mas segue invisível. / Foto: Genilson Soares / Folha1


O Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes completa nesta segunda (15), 104 anos de existência (veja matéria da Folha1 aqui). Pelo menos esse que conhecemos hoje, ao lado do Parque Alberto Sampaio — a cidade já possuía outras praças de mercado antes da inauguração do atual, em 1921.

O Mercado que faz parte da paisagem campista, há mais de um século, nasceu em uma perspectiva higienista, sendo construído em dois pavimentos iguais divididos por uma torre (a “torre do relógio”), com forte inspiração europeia e servindo com símbolo de progresso e urbanização da cidade, no início dos anos 1920.

Mas o que era para se manter como um orgulho acabou se convertendo em um problema.

Problema que pouco tem relação com os permissionários da feira livre (boxes instalados na frente do mercado e abaixo de uma estrutura metálica), do camelódromo (boxes instalados na outra face do prédio, também abaixo de um galpão) e do próprio mercado, mas sim com estreita ligação com uma série de decisões equivocadas por parte do poder público.

O que era para ser símbolo de vitalidade urbana virou retrato de abandono e descaracterização. Embora seu interior ainda mantenha a alma — com cheiro, voz, caldo de cana e a sociabilidade popular —, o entorno e o próprio prédio histórico foram totalmente descaracterizados.
Mercado Municipal inaugurado em 1921 numa perspectiva higienista, sendo construído em dois pavimentos iguais divididos por uma torre (a "torre do relógio"), com forte inspiração europeia
Mercado Municipal inaugurado em 1921 numa perspectiva higienista, sendo construído em dois pavimentos iguais divididos por uma torre (a "torre do relógio"), com forte inspiração europeia / Arquivo


A obra do camelódromo nunca deveria ter sido liberada naquele local, pois vai contra todas as recomendações das instituições de proteção ao patrimônio histórico. A estrutura metálica da feira e da peixaria, construída nos anos 1980 para ser provisória, esconde as potencialidades do Mercado e mantém os permissionários em condições inadequadas.

O que comemorar?

Prédio histórico ainda resiste, mas esmagado por duas estruturas metálicas, contra as recomendações de órgãos de proteção ao patrimônio.
Prédio histórico ainda resiste, mas esmagado por duas estruturas metálicas, contra as recomendações de órgãos de proteção ao patrimônio. / Foto: César Ferreira / PMCG
Ao transeunte que tenha passado hoje pelo Mercado e visto bolo e banda de música, pode ter ficado a impressão de que havia uma comemoração ali. Celebrar a longevidade de um centro comercial, com o valor afetivo daquele espaço, é necessário. Mas perceber que as condições dos feirantes é ruim e que o prédio está em estado de abandono é ainda mais.

Há quem diga que a construção de inspiração francesa, com sua torre do relógio, é patrimônio, e que a cidade não pode abrir mão dele. E de fato não pode — mas patrimônio se conserva e se deixa exposto, acessível, possível de contemplação e cumprindo um papel memorialístico.

Tudo o que não se percebe no Mercado: esmagado por duas estruturas estranhas, invisível e mal conservado.

Descaso que não se confunde com quem trabalha no local e luta com esforços diários para manter tudo o mais saudável e limpo possível. Gente que começa na madrugada a preparação para a venda de peixe, farinha, hortaliça, biscoitos, doces e outros tantos produtos que poderiam ser comercializados para turistas e campistas de forma muito mais confortável.

Soluções possíveis
Para um problema complexo, soluções complexas devem ser empreendidas. Não há caminho fácil ou resolução possível sem realocar pessoas, fazer intervenções através de obras e alterações logísticas, modificar a paisagem e ressignificar vivências e espaços. Porém, são ações necessárias e urgentes, uma vez que as omissões se arrastam por décadas.

Existe a proposta de construir um novo mercado (nova feira), moderno, higienizado, arejado, na Praça da República, atrás da rodoviária do centro, a Roberto Silveira. Local que está a menos de 300 metros da atual feira, e encontra-se subutilizado. Embora o projeto necessite de ajustes e maiores discussões, inclusive com os feirantes, é uma solução bastante crível e que a prefeitura já sinalizou interesse em realizar.

Mas, como tradição em Campos, aparece a resistência: uns falam em “matar a tradição”, outros em “descaracterizar o centro histórico”. Como se tradição fosse sinônimo de precariedade, como se memória tivesse que conviver obrigatoriamente um ambiente sem as adaptações necessárias para os tempos atuais.

Além disso, não se trata de demolir o antigo, mas de criar o novo. O atual mercado pode — e deve — ser preservado como espaço cultural, centro gastronômico e polo turístico. Pode e deve se integrar com o Parque Alberto Sampaio e com centros populares de comércio, desde que respeitem as especificidades do patrimônio histórico.
O novo mercado, por sua vez, deve ser construído para cumprir o papel de abastecimento, com dignidade e condições sanitárias adequadas. Mas em Campos, quase tudo vira disputa binária: ou se mantém o cadáver em pé ou se apaga a história. Enquanto isso, a cidade definha seu patrimônio e potencial no meio-termo, incapaz de se mover.

Aos 104 anos, o Mercado Municipal é mais testemunha de abandono do que motivo de orgulho. Talvez seja esse o retrato mais fiel de Campos: uma cidade que carrega o passado como peso, mas não consegue transformá-lo em futuro.
GoogleMaps / Edmundo Siqueira

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Purismo no Palácio: a cultura de Campos e sua mania de deixar tudo como está
03/08/2025 | 06h34
Héllen Souza - 31/07/2020 - PMCG

O purismo pode ser entendido como a vontade de manter algo em seu estado natural, puro. Nas artes, foi um movimento que buscava uma pintura sem subjetividades; pura, portanto.

No meio cultural de Campos, o purismo se manifesta. Basta um olhar — e ouvidos — mais atento às discussões em torno do caso do Mercado Municipal (esse fica para uma outra publicação, de discussão igualmente urgente e necessária) e do Palácio da Cultura para ver defesas apaixonadas para que tudo permaneça como está, ou volte a estados originais impossíveis de serem reproduzidos novamente.

Arquitetonicamente, o Palácio da Cultura é uma construção sacralizada. Os traços modernistas do arquiteto Francisco de Assis Leal ergueram um monumento circundado por jardins projetados por Burle Marx. O prédio é protegido pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam) desde 2013.

Simbolicamente, o Palácio possui um enorme valor afetivo, memorialista e de pertencimento ao campista. Abrigou a icônica Biblioteca Nilo Peçanha e foi palco de inúmeros eventos culturais. E guarda o Pantheon, onde estão depositados os restos mortais de personagens históricos da cidade. Nasceu no governo Rockefeller de Lima, que escolheu a antiga Praça da Bandeira — no coração da Pelinca — como terreno. Um local que, surpreendentemente aos olhos de hoje, era pouco frequentado e sem grande comércio ao redor.

O Palácio sempre foi palco de cultura, mas se elitizou. E sua localização acompanhou esse processo. Embora a cultura seja, por definição, plural e democrática, Campos historicamente manteve seus espaços culturais restritos, falando para um público específico e produzida por grupos pertencentes a esse mesmo público.

O fechamento do Palácio da Cultura parece ter incomodado menos que as propostas para sua reabertura. Desde 2014, as melancólicas portas fechadas escondem a omissão do poder público e a ausência de projetos para retirá-lo do abandono (veja aqui). A primeira proposta de reabertura dividia o Palácio em dois: metade seria ocupada por um “Centro Municipal de Inovação”; a outra metade abrigaria a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), com espaço para exposições e a volta da Biblioteca Nilo Peçanha — física e digital.

Na ocasião, por decisão da 4ª Vara Cível de Campos, a obra seria custeada como medida compensatória pela demolição de um prédio histórico na Rua 13 de Maio, onde funcionava o Casarão do Clube do Chacrinha, entre 2012 e 2013, demolido sem autorização dos órgãos competentes.

Mas, por mais omissão do poder público e rejeição da proposta pelo setor cultural — não determinante, mas influente em um governo impopular —, o Palácio permaneceu fechado. Como segue até hoje.

Rodrigo Silveira - Folha1
A proposta atual é semelhante. Com previsão de obras concluídas até o fim de 2025, a ideia é que o Palácio abrigue o Centro Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Cetec), além da FCJOL, a Escola de Formação de Educadores Municipais (Efem), os programas Mais Ciência, Startup Campos, Economia Criativa, e a reabertura da Biblioteca Municipal (veja matéria da Folha aqui).


Novamente, parte do setor cultural reage. E há um ponto legítimo nesse incômodo: quando o “cultural” se torna um adjetivo decorativo, o risco de o Palácio da Cultura virar palco de tudo, menos da cultura, é real. É razoável se preocupar com o esvaziamento simbólico e funcional do espaço.

O problema é quando a crítica se torna automática. O purismo cultural, diante da realidade atual do prédio, da Pelinca e de Campos, soa deslocado. Permitir que o local seja compartilhado e plural não é abandonar o compromisso com a cultura. Pelo contrário: é a chance de renovar esse compromisso. Cultura não é altar, é movimento. O que seria esse compromisso estrutural? Garantir programação permanente, orçamento definido, curadoria técnica, política pública transparente. Do contrário, resta apenas o aluguel de um prédio bonito para eventos ocasionais com carpetes vermelhos e figurões em paletós gastos.


O que se espera de um espaço cultural? Qual a razão de ser da produção artística e cultural numa cidade tão carente dessas expressões? Se a resposta estiver no público — e não apenas nos produtores —, abrir o Palácio para manifestações diversas é garantir que ele esteja vivo, pulsante, habitado. O tipo de ocupação deve ser debatido, sim. Mas manter como está parece ser a pior das opções.

Ocupar o Palácio da Cultura é urgente. Mas não com abraços em colunas nem faixas improvisadas na calçada. É preciso ocupá-lo com ideias, com arte, com gente. E se o prédio virou palácio demais e cultura de menos, talvez o erro não esteja nas propostas — mas no silêncio de quem, em nome de preservar, prefere deixar morrer.
Em Campos, a cultura precisa de teto, mas sobretudo de alma, que sempre foi visível por aqui, mas que precisa se reencontrar e abandonar vaidades. 
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José do Patrocínio: o voo da ave preta
13/07/2025 | 01h11
Arquivo Nacional
Havia algo de simbólico — apesar de triste — no fim do campista José do Patrocínio em Inhaúma, bairro da Zona Norte do Rio, próximo a Del Castilho e Pilares. Inhaúma vem do tupi ña'un, que significa “ave preta”. Patrocínio era exatamente isso: uma ave preta que insistiu em voar nos tempos perversos da escravidão. E conseguiu alçar seu voo mais alto pelas mãos de sua amiga, Isabel.

Depois da abolição, Patrocínio ainda queria voar. Mesmo com dificuldades financeiras, e longe dos jornais e do poder, resolveu construir, no final do século 19, o “Santa Cruz”: um dirigível de 45 metros. Isso depois de importar o primeiro automóvel a vapor ao Brasil. O Santa Cruz não saiu do chão, mas o projeto mostra claramente o caráter visionário do abolicionista, escritor, jornalista e farmacêutico: um homem que jamais se resignou ao chão.

José do Patrocínio nasceu em 1853, numa fazenda em Lagoa de Cima, no distrito de Ibitioca, em Campos dos Goytacazes. A maneira que ele foi gerado reflete a formação do Brasil, e também a história de Campos, como recebedora de um grande número de escravizados: Patrocínio é filho de um padre branco e uma escravizada negra (a sua história é mesmo afeita à simbolismos). Sua mãe, Justina do Espírito Santo, era uma jovem escrava mina (etnia de Gana) de quinze anos. O pai, João Carlos Monteiro, era vigário da paróquia de Campos dos Goytacazes, e um orador conceituado no âmbito sacro.

Mesmo nascendo livre — embora não tivesse a paternidade reconhecida pelo padre —, Patrocínio viveu sua infância presenciando todo tipo de abuso contra o povo negro escravizado na fazenda do pai. Talvez tenha sido essa realidade paradoxal que levou Patrocínio a carregar por toda vida um forte senso de justiça social.
Patrocínio e o escritor Olavo Bilac
Patrocínio e o escritor Olavo Bilac / Arquivo


Formado em Farmácia em 1874, Patrocínio nunca exerceu a profissão. Sua verdadeira vocação se manifestava nas palavras — primeiro em Os Ferrões (1875), depois na Gazeta de Notícias, onde iniciou, em 1879, a campanha abolicionista de forma mais ferrenha. Em 1881, já à frente da Gazeta da Tarde, fundou a Confederação Abolicionista, ao lado de Joaquim Nabuco e André Rebouças, defendendo a abolição ampla, imediata e sem indenização.

A palavra e a espada de José

O romancista e político inglês Edward Bulwer-Lytton, contemporâneo de século de Patrocínio, escreveu uma peça histórica: “Cardinal Richelieu”. No enredo, Richelieu, ministro-chefe do rei Luís XIII, descobre um plano para matá-lo, mas como padre ele é incapaz de pegar em armas contra seus inimigos. Seu pajem (uma espécie de ajudante de ordens medieval), François, aponta:

— Mas agora, ao seu comando estão outras armas, meu bom Senhor!

Richelieu concorda:

— A caneta é mais poderosa que a espada. Tire a espada; os Estados podem ser salvos sem ele!

Teria sido a primeira vez que o famoso ditado “A caneta é mais poderosa que a espada” foi escrito. A luta de Patrocínio era travada nas trincheiras da intelectualidade, da literatura e do jornalismo — mas por vezes escolheu a espada no lugar da pena: viajou ao Nordeste, ajudou na fuga de escravizados e organizou comícios que inflamavam massas — algo que seus cronistas lembram como oratória inflamada.

Criou (embora há divergências entre historiadores sobre a autoria de Patrocínio) ainda a Guarda Negra, composta por negros libertos fiéis ao império, para protegê-la — uma instituição incomum, vista por uns como milícia, por outros como irmandade.

As contradições, a República e Isabel, a redentora
Princesa Isabel
Princesa Isabel / Arquivo Nacional


A Guarda Negra representou a maior contradição de Patrocínio. Uma república parecia ser o modelo que o Brasil precisava, traria desenvolvimento, democracia e independência dos colonizadores. Derrubar o Império, porém, era impossível para José do Patrocínio.

A abolição — de direito, mais que de fato — aconteceu, realmente, pelas mãos do Império, em 13 de maio de 1888, pela “redentora” princesa Isabel. E em um gesto (mais uma vez) simbólico, Patrocínio beijou as mãos de Isabel após a assinatura da Lei Áurea.

Patrocínio era um homem de dois mundos naquele momento. Embora um defensor — talvez o maior deles — da abolição, não queria ver o Império expulso do Brasil aos pontapés. Não pelo rei, a quem tinha desprezo, mas pela gratidão e admiração que tinha por Isabel. A lei que ela assinou, no prédio do Senado, no centro do Rio, decretava que, a partir de sua publicação, nenhuma pessoa preta poderia permanecer escravizada no Brasil. Os homens e mulheres acorrentados seriam libertos.

Patrocínio sabia que o simples ato de Isabel não resolveria a exclusão e a violência, mas ficou extasiado vendo a princesa encarando os senadores — que eram todos homens — e usando seu poder para abolir aquele sistema perverso. Isabel era uma mulher de pele rosada, estatura baixa, com olhos azuis profundos e determinados, que lhe conferiam um ar de mandona; como de fato era.

No dia da assinatura, o Senado estava cheio e o movimento abolicionista movimentava todos no Rio de Janeiro. O “campo da cidade”, que mais tarde seria conhecido como “campo de Santana”, ficou repleto de curiosos. Os Senadores se acomodaram no interior do Palácio Conde dos Arcos — o prédio de quatro pavimentos formava uma ponta de flecha na perspectiva de quem entrava nele, onde Patrocínio entrou, minutos depois de Isabel, mesmo não sendo ele alguém que poderia entrar ali em dia de sessão. Mas foi convidado pessoalmente pela princesa, em reconhecimento ao fato de que poucas pessoas no país mereciam mais do que ele ver aquela lei ser assinada.

A sala da sessão seguia o padrão inglês de parlamento. Galerias circundavam uma espécie de arena, onde no centro ficavam duas mesas dispostas frente a frente; uma ao pé do grupo governista e outra do oposicionista, como se delimitasse e representasse cada grupo de senadores. Exatamente como uma arena, ou um estádio. As discussões daquele dia eram resultado de movimentos anteriores, e seria ali apenas uma formalidade para concluir o que já estava acordado. Abertos os trabalhos, Isabel pediu seu direito; queria usar de imediato a Fala do Trono e abolir a escravidão no Brasil (esse é um trecho do livro “As Asas de Um Dirigível”, com lançamento previsto para 2026).

O exílio e o fim

Por sua devoção à Isabel e à defesa do Império, Patrocínio entrou em rota de colisão com os republicanos, com luta armada, pela Guarda Negra e no apoio em outras revoltas que aconteciam no país. Mas, como se sabe, o Império foi derrubado e os republicanos estariam no poder do Brasil em pouco tempo depois da assinatura da abolição. E Patrocínio foi exilado no Amazonas.

Patrocínio consegue voltar alguns anos depois ao solo carioca, mas não deixou de ser persona non grata. Não conseguiu retomar o prestígio do Cidade do Rio — jornal que havia fundado em 1887 —, e politicamente manteve-se exilado.

José do Patrocínio coloca um ponto final em sua história em 29 de janeiro de 1905, em meio a uma crônica que escrevia sobre os direitos dos animais, sendo vítima de tuberculose. Seu funeral atraiu milhares de pessoas. A ave preta, moradora de Inhaúma, nascida em Lagoa de Cima, sucumbiu. O vento, antes cúmplice, não segurou seu mais seu voo. A pena de Patrocínio, leve demais para o chão, pesada, demais para o tempo, dançou sozinha no fim.

Bibi
Bibi / Arquivo Nacional
A história de amor e familiar de José do Patrocínio é deveras interessante, mas seus detalhes ficarão para outro artigo. Em resumo, teve cinco filhos com Maria Henriqueta Sena (Dona Bibi): dois faleceram ainda na infância, e Tinon (que desapareceu), Maceu e Zeca, este também jornalista como o pai.


Se o leitor aceitar um último simbolismo, Bibi era branca, e o casamento enfrentou resistência, especialmente do pai dela, o capitão Emiliano Rosa Sena, que mais tarde acabou cedendo aos encantos do genro o ajudou a comprar um jornal.

Patrocínio encarna o que há de mais rico em nossa memória comunitária, no Brasil, e especialmente campista, onde ele nasceu. Um homem que uniu emoção e ação, passado e futuro, com a coragem de sonhar alto — literalmente — ao construir seu próprio balão, o dirigível Santa Cruz.

Nem todo voo precisa de céu. Alguns precisam apenas de coragem.
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Novo fórum da cultura de Campos tem muito a dizer, mas precisa ser ouvido
06/04/2025 | 11h38
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Uma bela e comprida mesa de madeira já estava quase completa quando cheguei, por volta de 19h30, na casa do arquiteto e empresário Edvar Júnior. Era uma terça-feira, primeiro dia de abril, e logo percebi que não seria mentira que a ideia do encontro  seria atendida — havia um debate intenso já acontecendo e estavam presentes gente de várias vertentes da cultura campista.

A ideia de promover um encontro plural não seria possível sem que houvesse representantes da “rua” à mesa. A arte urbana, os terreiros, o jongo, a mana-chica e o carnaval precisavam de representantes no fórum que estava se formando ali. E estavam, e tiveram voz, assim como todos os outros presentes. Os temas da defesa do patrimônio histórico, orçamento público, ausência de secretaria de cultura, os editais da leis de fomento (e suas tentativas de serem aplicados em Campos), a Bienal e o FDP! estavam por lá também, como sempre estiveram e, sempre, trazendo angústias.

Um fórum precisa ser plural e aberto (pelo menos, o mais aberto possível) e deve, para cumprir seu intento, ser despudorado na composição dos foristas e dos temas. Explico: não se faz um fórum propositivo e com possibilidades de gerar algum tipo de ação do poder público e da própria classe cultural se houver censura sobre falas e proposições e, pior ainda, quando se quer censurar previamente um tema.

Na mesa da casa de Edvar — cenário, palco e plateia do primeiro encontro do Fórum — não tinha censura no cardápio e, mesmo tendo vinho e cerveja à vontade, não foi visto nenhuma exaltação, além das habituais de quem vive e é apaixonado pela cultura campistas; e verdades não se furtaram a serem ditas.

Entre as verdades, falou-se da falta de uma secretaria de cultura em Campos (o papel é exercido por uma Fundação, a FCJOL) e da incapacidade orçamentária e de pessoal para fazer acontecer, como se deve, todas as ações da “pasta”. Embora vista como secundária e “coisa de artista”, a cultura é geradora de receitas e de empregos como poucos outros setores — quando bem administrada e com condições para tal. Aliada ao turismo, a cultura movimenta economias em cidades grandes e importantes no mundo inteiro, assim como patrimônios históricos preservados levam milhões de pessoas para continentes distantes. Em Campos não seria diferente, mas é, na prática, por diversos fatores.
Reproduçao


O encontro foi promovido por Edvar Júnior, pelo produtor cultural Wellington Cordeiro e pelo jornalista Matheus Berriel. Dividiram entre eles as responsabilidades dos convites aos foristas e da organização do espetáculo. Com alto prestígio na classe, os três não tiveram dificuldades em preencher todos os assentos. E deles também veio a promessa de independência do fórum que, não fosse a conhecida postura dos anfitriões, seria difícil de acreditar: haveria gente do governo à mesa, da FCJOL e o próprio Edvar Júnior está como subsecretário de Turismo.

Ser independente não é apenas uma questão de postura. É preciso de condições materiais mínimas para exercê-la e muitas vezes a necessária resistência para as inevitáveis desavenças advindas da independência. E é preciso olhar para o próprio umbigo para ser independente, não por ego ou por interesse, mas para tratar das próprias ambiguidades. No fórum estavam gente da literatura, do patrimônio histórico, da música, do cinema, da fotografia, da educação, da produção e gestão cultural, da imprensa e da iniciativa privada; e nenhum deles se furtou a agir assim.

Edmundo Siqueira
Como anfitrião e exercendo um cargo de comando na prefeitura, Edvar não precisou de esforço para reforçar sua independência, pois ela já era conhecida de todos ali. Como um agregador nato, alguém com capacidade para juntar gente muito diferente em um propósito comum, Edvar chamou para a foto, ao final do encontro, e todos foram posar com um sorriso no rosto.


Todos estavam ali unidos pela cultura. Ele, o caldo cultural campista, era o elemento que dava corpo e sabor ao fórum. Esse caldo já foi reduzido muitas vezes por todos presentes e invariavelmente havia ficado azedo, por falta de apoio governamental, por burocracia, por vaidade, por falta do conhecimento do campista de sua terra ou por insensibilidade do empresariado. Mas, pelo menos pareceu, que todos saíram com esperança, novamente, e com a insistência ingênua de alma de artista.

Mesmo sendo 1º de abril, não faltou verdade no primeiro encontro do fórum. Resta saber se elas chegarão a ser ouvidas nos ouvidos insensíveis.
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A cultura no segundo governo Wladimir e o museu de grandes novidades
04/01/2025 | 06h22
Edmundo Siqueira
Edmundo Siqueira / Arte digital por IA
Quando alguém do poder executivo é reeleito, é comum haver mudanças no secretariado. Mudar a equipe é fundamental para oxigenar as pastas e incentivar novas políticas públicas. Mas é preciso que as movimentações de pessoas estejam acompanhadas da definição de novas prioridades, ou ao menos reforçar antigas que ainda não foram cumpridas.

No caso da cultura campista, há diversas questões em jogo que não serão oxigenadas com uma simples mudança de comando. Campos não tem uma “secretaria de cultura”, uma Fundação assume o seu papel: a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL). Há prós e contras da institucionalidade cultural ser exercida por uma Fundação, mas certamente isso não está entre os problemas principais da cultura campista.

A primeira questão é orçamentária. Dos recursos próprios do município, pouco é destinado à FCJOL. Este ano estão previstos míseros R$ 11 mil ao Fundo Municipal de Cultura. Os recursos mais volumosos estão nas leis federais de incentivo, como Aldir Blanc e Paulo Gustavo, porém a gestão desses recursos — desde a definição inicial de valores — depende de uma ação municipal efetiva, que passa por planejamento, base de dados de empresas e agentes culturais, criação de projetos e definição de políticas públicas da área.

O que o município vem mostrando é que a estrutura da FCJOL não permite que essas ações sejam feitas como se deve. Há atrasos nos editais, dificuldade no repasse, falhas de comunicação e insatisfação no setor cultural da cidade. O que deveria ser parte da solução e uma excelente forma de desenvolver toda cadeia produtiva, passa a ser um transtorno.

A segunda questão passa pelo desenho institucional da Fundação. A FCJOL acaba por ser um guarda-chuva de várias áreas afins que não dialogam, não apresentam resultados e não recebem os recursos que deveriam. Caberia à Fundação agir no planejamento e execução de políticas públicas para a área cultural, passando pela captação de recursos. Seria esse seu campo de atuação fundamental. Porém, está entre suas atribuições boa parte dos eventos municipais, inclusive o carnaval e shows do verão. Embora seja um campo importante de atuação, a falta de estrutura da FCJOL não permite que ela o abrace. A recém criada secretaria de Turismo poderia assumir a parte de eventos, ou mesmo outras secretarias em conjunto.

Por outro lado, Campos poderia perfeitamente estar no cenário nacional de teatro, cinema e arte. Há infraestrutura para isso. Além de vasta rede hoteleira e de restaurantes. Peças teatrais, exposições de arte, festivais de cinema e de literatura, dança e tantas outras manifestações artísticas poderiam ter em Campos uma referência e a cidade ser uma das rotas de agenda dos espetáculos.

A terceira questão está relacionada ao patrimônio histórico. Há no município imóveis com tombamento federal e estadual, protegidos, portanto, que podem servir de atrativo, gerar receitas e abrigar instituições. Citando apenas três deles — Solar dos Airizes, Solar da Baronesa e Solar do Colégio — é possível demonstrar o quanto de potencial se perdeu até aqui.

Instagram PMCG
Os solares dos Airizes e do Colégio passam por intervenções importantes, ambas conseguidas pelo esforço do município, é preciso fazer justiça aqui. Caso essas ações sejam levadas adiante, será um passo importante para criar em Campos alternativas no campo da educação patrimonial, cultural e turística. Porém ainda muito incipiente.


Mas, outras construções chamam a atenção pelo abandono. O Palácio da Cultura e o Museu Olavo Cardoso poderiam ser referências da área central e abrigar diversas iniciativas culturais. Porém, há anos estão fechados. O Olavo Cardoso com sério risco de ruína e o Palácio como um símbolo gritante de desperdício em pleno coração da área comercial mais valorizada da cidade.

No Centro, o Museu Histórico cumpre um papel importante em meio a tanta descaracterização, e realiza eventos de sucesso de público e crítica. Mas carece de integração e valorização.

Prioridades e políticas públicas

As características e complexidades da área cultural em uma cidade histórica como Campos exige políticas públicas de “estado”, não de governo. O Plano Municipal de Cultura e o Conselho de Cultura são instrumentos importantes que a cidade já possui, além de ter um órgão de tombamento, o Coppam.

É preciso definir prioridades e que os setores dialoguem. Falta muito por parte do município, mas falta bastante do setor também. É preciso abandonar vaidades e colocar os projetos e instituições acima das individualidades.

Viver em um eterno museu de novidades pode ser poético, mas não gera resultado.
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Um Arquivo único que querem fazer de ordinário
11/11/2024 | 10h01



Talvez o atraso nas obras do Arquivo Público Municipal de Campos não seja culpa da Uenf. Aliás, devemos penalizar, quando há dolo, as pessoas à frente das instituições; e não a institucionalidade. Mas toda essa história tragicômica talvez mostre a cara de alguns outros vilões.

Mas antes de apresentá-los, é preciso fazer algumas ponderações históricas.

O Arquivo de Campos nasceu de uma iniciativa legislativa, em maio de 2001, proposta pelo então vereador Edson Batista. Na ocasião, a Uenf havia começado a preparar um solar do século XVII, em Tocos, para abrigar sua escola de cinema. A ideia não deu certo — havia uma dificuldade de preenchimento de vagas dos docentes e uma cultura de produção e comercialização cinematográfica teria que ter certa aceitação na região. Com a descontinuidade, esse prédio, o Solar do Colégio, ficaria novamente abandonado, apesar de sua importância. E para aproveitá-lo, o Arquivo nasceu ali, como Campos, na Baixada.

Como o nome sugere, se tratava de um solar jesuítico. Foi construído para impor religião e a “domesticação” indígena, essencialmente. Após a expulsão da Companhia de Jesus dessas terras, em 1759, a edificação é vendida a Joaquim Vicente dos Reis por 187 contos 953 mil réis. Depois, Sebastião Gomes Barroso, genro de Joaquim, cria ali um grande engenho de açúcar.

O Solar do Colégio e o Solar dos Airizes (às margens da BR-356) são representantes fiéis de como Campos e a região se constituíram: enormes fazendas, plantações de cana-de-açúcar e escravidão. As fazendas eram centros de serviços públicos, havia hospitais e maternidades, escolas e amontoados de casebres que formavam pequenas comunidades.

O centro urbano de Campos crescia sustentado pela plantation, e queria a todo custo ser o Rio de Janeiro, ou qualquer cidade europeia. Cafés, livrarias, hotéis e teatros eram frequentados por motivo de status, não de cultura. Os preços das commodities eram definidos nos cafés e os teatros apresentavam musicais enlatados vindo do Rio.

Pois bem, Campos acabou se tornando uma cidade de costas para sua história, querendo ser o que não era e consumindo cultura alheia. Havia alguns elementos culturais orgânicos, que vinham principalmente da baixada. Até de costas para o rio Paraíba Campos está.

Parte significativa dessa história está no Arquivo Público. Jornais, documentos de tribunais, cartas testamento, registros de nascimento e morte, comprovações dos movimentos revolucionários contra a Coroa Portuguesa, cartas de fundação das primeiras Câmaras, e toda sorte de atrocidades registradas em comercialização de seres humanos advindos da diáspora africana.
Citei o Airizes acima por ele também ser um estorvo para a maioria dos campistas — algo a ser demolido para dar espaço a algum condomínio.

Há pouco mais de entrei no Solar e vi no fundo de um cômodo algumas dezenas de sacos de lixo. Eles encobriram milhares de fotos, documentos, obras de arte, mapas, livros e correspondências pessoais dos antigos moradores. Certamente, muito a ser contado dali, caso o destino não fosse a fogueira.

Além desse acervo recente, o que havia de valioso (valor histórico, cultural e financeiro) foi vendido para um museu em Niterói e para a USP. O geógrafo e escritor Alberto Lamego, proprietário do Solar dos Airizes e garimpeiro desse acervo, era visto com desconfiança pelos campistas, que achavam que era tudo falso e sem valor, mas o Solar era constantemente visitado por gente como Oswald de Andrade.

Mas o assunto aqui é o Solar do Colégio e o Arquivo Público. E os vilões.

A Uenf recebeu R$ 20 milhões há quase três anos para restaurar o prédio e fazer a digitalização do acervo. Além de oferecer as mínimas condições de funcionamento e visitação de ambos. Por diversas desculpas, uma parte minúscula do dinheiro foi aplicado, e o Solar continua sob risco, assim como o acervo que guarda.

A Uenf não tem expertise para tocar uma obra dessa complexidade, e não faz parte de sua atividade fim fazer intervenções em patrimônios históricos. E ao que parece, a aceitação da missão aconteceu sem ouvir a universidade e seu Conselho. Mas o fato é que aceitou. E também é fato que a lei que rege o Fundo Especial da Assembleia Legislativa, de onde veio o recurso, exigia à época que fosse destinado a alguma instituição estadual ou federal.

Mas, ficam algumas perguntas.

Deveria a Uenf ter aceitado? Sim. O Solar do Colégio tem uma relação próxima e bela com a universidade, e tratar documentos históricos, possibilitando que eles sejam fonte de pesquisa, é algo que a Uenf deve zelar, além de ser uma universidade que nasceu para cooperar com a comunidade que está inserida.

Precisava de tanta burocracia? Sim. Trata-se de dinheiro público e de um patrimônio histórico de alta relevância. Além de abrigar um acervo inestimável. É preciso dar transparência, lisura e abertura ao processo. E contratar empresas de alto gabarito. E existem leis que regem com muita rigidez algo assim.

Demora tanto assim? Não. Há um leque enorme de excelentes empresas no Brasil que aceitariam essa obra, que participariam das licitações e entregariam algo sensacional em bem menos tempo. É possível licitar obra e projeto juntos, desde que cumpra-se alguns requisitos.

Devemos culpar a Uenf? Não. A universidade, enquanto sua institucionalidade, está prestando um serviço e precisa direcionar esforços de uma estrutura apertada e sem experiência em obras. Porém, gestores podem ser culpabilizados. Prioridades foram definidas e o Arquivo e Solar não estavam nelas. Se algo acontecer nesse período de chuvas, podem e devem responder pela letargia e omissão na aplicação de recursos públicos.

O Arquivo poderia estar no centro de Campos? Claro. Seria o ideal. Um Palácio da Cultura climatizado, acessível, com funcionários concursados tratando documentos antigos e catalogando os atuais, e com agendamento frequente das escolas. Mas além de ser utópico na realidade atual, perderíamos um local único, carregado de história, exalando educação patrimonial. Desistiríamos de particularidades excepcionais para aceitar algo ordinário, comum. Isso se o comum fosse existir, de fato.

Os vilões possíveis

E então chegamos aos vilões. O mundo real dificilmente é explicável pela dicotomia herói-vilão. Há uma zona cinzenta entre essas personas que é onde a maioria está. Talvez todos estejamos, instituições e pessoas.

Mas o descaso com o Solar do Colégio, dos Airizes e com o Arquivo é a metástase de um patologia que Campos arrasta através dos séculos. A culpa, caso seja possível definir, é de uma sociedade que quebrou os espelhos, que vive olhando para as sombras na parede da caverna.

Mas se há um verdadeiro vilão possível, está entre os que olham para a história, a entende, compreende sua riqueza, percebe a existência de um elemento extraordinário, que alia patrimônio e pesquisa, algo de potencial inexaurível, e diz que é melhor abandonar. “Deixa cair”; “não gosto de fulano e fulana, melhor que aquilo acabe”; “aqui é assim mesmo”.

Se há vilão possível, está em quem lava as mãos.
 
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O avanço pedagógico do mar de Atafona e da decadência campista
14/09/2024 | 07h59
Crianças de Atafona brincam nas ruínas da cidade, que perdeu 14 quarteirões devido ao aumento do nível mar e à erosão costeira. Na maré baixa, surgem da areia construções que foram tragadas pelo mar há décadas.
Crianças de Atafona brincam nas ruínas da cidade, que perdeu 14 quarteirões devido ao aumento do nível mar e à erosão costeira. Na maré baixa, surgem da areia construções que foram tragadas pelo mar há décadas. / Felipe Fittipaldi - National Geographic
 
No início do século passado, ali pelos anos 1920, Campos experimentava um apogeu sucroalcooleiro. Quase três dezenas de usinas operavam no município. Abadia, Barcelos, Caconda, Cambahyba, Outeiro, Sapucaia…eram nomes do cotidiano de Campos, tanto nas áreas rurais como no centro urbano. O açúcar movia a cidade.

Havia diversas cadeias produtivas que as usinas movimentavam: comércio, mercado imobiliário, agronegócio, serviços e até arte e cultura. Elegantes cafés — como o emblemático Café High Life, na 7 de setembro —, teatros — sendo o Trianon como o mais importante —, restaurantes, hotéis, livrarias e o novo prédio de inspiração francesa do Mercado Municipal são pontos de convivência nesse período.

Campos se modernizava, e tentava construir uma elite culta, que se espelhava no Rio de Janeiro, que por sua vez ansiava o modo de vida europeu. Não por acaso, essa elite campista dava vida ao centro da cidade e estruturava a convivência urbana. Mas também, com consequências até hoje, sem se preocupar muito com a desigualdade que vinha a reboque.

Existe uma praia campista: Farol de São Thomé. Contudo, a distância do centro desmotivou a maioria das famílias que buscavam uma casa de veraneio que proporcionasse a ida e vinda para a cidade de modo constante. Isso era possível nas praias do município vizinho, São João da Barra, o que levou a até então bucólica e mágica praia de Atafona, onde o rio encontra o mar, ser um dos principais destinos dos campistas mais abastados, que primeiro alugavam casas de pescadores e depois passaram a construir palacetes à beira mar.
 
Reprodução gráfica do Café High Life, no centro de Campos, apresentada no podcast "Elas tem História", das historiadoras Rafaela Machado e Larissa Manhães.
Reprodução gráfica do Café High Life, no centro de Campos, apresentada no podcast "Elas tem História", das historiadoras Rafaela Machado e Larissa Manhães. / Podcast Elas tem História


Esse movimento de ocupação das praias sanjoanenses se intensificou na segunda metade do século XX, quando houve uma ascensão econômica de profissionais liberais, comerciantes e comerciários e os proprietários e trabalhadores das usinas de cana-de-açúcar de Campos. E foi preciso criar núcleos com características urbanas ao redor, com a oferta de serviços públicos como saneamento e asfalto. E também problemas de toda ordem.

Ações, omissões e o inevitável

Não é impossível fazer uma correlação do avanço do mar nesses locais com a ocupação territorial. O aumento da urbanização e da exploração dos recursos naturais — não só em Atafona mas em toda região, ao longo da bacia do Rio Paraíba do Sul — contribuíram para a diminuição da vazão do Paraíba, o aumento do assoreamento e a redução do aporte de sedimentos na foz em delta que tem Atafona como seu estuário.

Claro, não foi apenas isso que levou Atafona a uma situação de dramaticidade apontada pela mídia mundial. Começa a partir da década de 1950, quando o Rio Paraíba do Sul passou por grandes intervenções, como a transposição de suas águas para o Rio Guandu e, mais tarde, para o Sistema Cantareira (maior produtor de água da região metropolitana de São Paulo), com o objetivo de abastecer as metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo.
Ruínas em Atafona, praia de São João da Barra.
Ruínas em Atafona, praia de São João da Barra. / Rafael Duarte - site Mongabay

O equilíbrio da foz do Rio Paraíba foi rompido por diversos fatores. Não apenas ambientais, diga-se de passagem. Ações ou omissões políticas foram também determinantes. Talvez a ocupação de Atafona pelos campistas fosse inevitável, assim como desviar uma quantidade abissal de água do Paraíba para abastecer grandes e populosos centros urbanos. Porém, mesmo o inevitável pode ser feito mantendo-se um sistema equilibrado, em medidas mais justas, mantendo-se direitos e ordenando quais áreas poderiam ser construídas, tendo os impactos compensados, ao menos.

Muito poderia ter sido feito: controle do assoreamento, recuperação da vegetação ciliar, estruturas de contenção, recuperação da vegetação de dunas, implementação de zonas de recuo, entre outras providências que reduzissem os impactos e contivessem o avanço do mar. Mas pouco decidiu ser colocado em prática.

O avanço de um mar de decadência

É preciso buscar compreender os porquês dos abandonos e qual contexto histórico se impôs à Campos no último século. O açúcar que movia a cidade foi ganhando contornos de amargura administrativa. As usinas, uma a uma, foram desligando suas máquinas e interrompendo um ciclo econômico virtuoso.

A derrocada sucroalcooleira, assim como o avanço do mar em Atafona, não pode ser explicada por um único fator, ou mesmo fatores isolados. A mudança na política nacional de produção de álcool, a falta de matéria prima em Campos, problemas na administração das usinas que configuravam-se essencialmente como empresas familiares de pouca sofisticação organizacional, falta de diálogo entre os industriais, e outros tantos problemas que começaram a se acumular.

Usina São João, na margem esquerda do Rio Paraíba, nos anos 1970.
Usina São João, na margem esquerda do Rio Paraíba, nos anos 1970. / Instituto Federal Fluminense (IFF) - portal2015.iff.edu.br
A decadência das usinas avançou como um mar furioso sobre a região. O fato de se ter descoberto uma bacia de petróleo gigantesca em Campos, durante o mesmo período, poderia ter sido a redenção, mas o dinheiro “fácil” dos royalties e de participação especial acelerou a deterioração do parque industrial campista — como sintoma evidente da chamada de “doença holandesa”, ou “maldição dos recursos naturais”.

O avanço do mar de decadência também não foi contido e deixou ruínas na paisagem urbana de Campos e na praiana, em Atafona. São marcas de um passado recente, visíveis após o recuo de um oceano de desmandos.

Estátua em homenagem a Tiradentes, no centro de Campos. Ao fundo, as ruínas do Hotel Flávio, que não faz mais parte da paisagem desde o carnaval de 2023.
Estátua em homenagem a Tiradentes, no centro de Campos. Ao fundo, as ruínas do Hotel Flávio, que não faz mais parte da paisagem desde o carnaval de 2023. / Folha1
O período áureo produziu lideranças políticas, a derrocada também. Com espaços de poder esvaziados pela falta de dinheiro dos prefeitos ligados às usinas, novos grupos políticos surgiram, e não por acaso evidenciando essas mesmas ruínas. Palanques foram erguidos com os tijolos das usinas desativadas e dos teatros e cafés do Centro Histórico.


O mar, o rio, a cana, o açúcar, o álcool e o petróleo são implacáveis. Não coadunam com omissões e pecados políticos. Podem ser elementos de desenvolvimento ou de destruição, a depender do uso dado. As ruínas deixadas podem servir de exemplo, como um aviso do que acontece quando há desleixo e mudanças no equilíbrio entre os recursos.

Mas, o que se vê até agora em Campos, é que nos habituamos com a paisagem, chutando os destroços que ainda estão pelo caminho, sem aprender com eles. E apagando definitivamente o Café High Life e do Trianon. E os desastres, pouco a pouco, vão perdendo o valor pedagógico.
 
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Como cultura e patrimônio estão inseridos nos planos de governo dos candidatos à prefeitura de Campos?
08/09/2024 | 12h19
Campos dos Goytacazes é uma cidade de orçamento bilionário. Desde meados dos anos 1980, vem recebendo vultosos recursos oriundos da exploração de petróleo, e, antes disso, beneficiava-se dos ciclos econômicos da pecuária e da cana-de-açúcar. Constituiu-se como um centro urbano importante ainda no Brasil Império e possui localização privilegiada.
Por esses e outros fatores, estabeleceu-se como uma referência regional em saúde, comércio, imprensa, universidades e serviços, além de ter produzido lideranças políticas de relevância nacional.
Porém, alguns setores foram negligenciados ao longo do tempo. Cultura, turismo, meio ambiente e mobilidade urbana estão certamente entre eles. A negligência de sucessivos governos e o desinteresse do empresariado campista em investir nessas áreas deixaram provas inequívocas na paisagem de Campos: diversos patrimônios materiais históricos deixaram de existir, outros tantos estão em ruínas; o movimento turístico é irrisório; áreas como Lagoa de Cima e Imbé foram abandonadas; e há poucas opções de modais de transporte.
Interligados em uma cidade histórica como Campos, cultura e turismo começaram a ganhar algum destaque recentemente. O uso de áreas como o Cais da Lapa e o centro histórico está em discussão; solares como os Airizes e Colégio receberam investimentos e também estão sendo debatidos, assim como o Mercado Municipal.
Embora sejam setores com potencial para gerar empregos, divisas e impostos — além de promover pertencimento e educação — cultura e turismo carecem de políticas públicas em Campos. Décadas de negligência não se resolvem sem ação efetiva e perene, e movimentos isolados não possuem força suficiente para mudar o cenário.
Mas, como estão as áreas cultural e patrimonial nos planos dos sete candidatos à prefeitura nesta eleição? Quais compensações foram apresentadas como propostas? Cultura está entre as prioridades nos planos de governo? Qual plano se destaca?
Essas questões são respondidas a seguir, com uma análise dos planos de governo dos candidatos em ordem alfabética, conforme os respectivos nomes de campanha (veja números das últimas pesquisas aqui):
 
DELEGADA MADELEINE
 
  • Candidata a prefeita: Madeleine Dyckman Farias (Delegada Madeleine)
    Partido: União Brasil
    Candidato a vice-prefeito: Oziel Baptista (Ozielzinho)
    Partido: PSB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
O tema da cultura é tratado de forma tímida no programa de governo da candidata. No eixo turismo, o item 2.6.3 propõe "incentivar a cultura do turismo interno, inclusive com a preparação de recursos humanos com impacto direto". O item também cita como “importante, ou fundamental, pessoas que falam outros idiomas, como inglês e espanhol”
Há também a proposta de "inserir a cultura como um tema relevante para o desenvolvimento do turismo", e a priorização dos "eventos tradicionais da população, como a folia de reis".
O plano, entretanto, não apresenta nenhuma proposta para a preservação do patrimônio histórico.

DR. BUCHAUL
 
  • Candidato a prefeito: Alexandre Buchaul (Dr. Buchaul)
    Partido: Novo
    Candidato a vice-prefeito: Isaac Vieira
    Partido: Novo
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
A cultura aparece no 3º item dos Eixos Temáticos do plano de governo de Dr. Buchaul, porém, também trata o tema de forma superficial. No item “Educação, cultura e esporte”, o foco está na educação, sem detalhamento específico para cultura. A cultura também surge em "Segurança Pública", quando diz que irá “estruturar intervenções integradas de prevenção ao crime, em cooperação com as áreas de cultura, educação, saúde, assistência social e com as forças de segurança” propondo intervenções preventivas.
No eixo "Transporte Coletivo e Mobilidade", com projetos de revitalização de terminais , citando “revitalizar terminais de ônibus e metrô por meio de projetos que ampliem as atividades comerciais e culturais oferecidas aos usuários do transporte coletivo”.
O plano não apresenta nenhuma proposta para a questão patrimonial.

FABRÍCIO LÍRIO
 
  • Candidato a prefeito: Fabrício Lírio Rodrigues (Fabrício Lírio)
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Candidata a vice-prefeita: Vanessa da Enfermagem
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Quantas vezes “cultura” é citada: 19
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O plano de governo do candidato Fabrício Lírio também traz o tema em conjunto com educação e esporte, mas dedica um subitem específico para a cultura. Propõe a criação de “Centros Culturais” nos bairros, “para promover a cultura local” e a criação de um “Calendário Cultural”, propondo a valorização de “tradições locais”.
O plano também traz a proposta de “incentivar os artistas locais por meio de programas de investimento em arte e cultura” e “workshops culturais”, com objetivo de “identificar artistas locais”.
A cultura volta no item 9 do plano de governo do candidato Fabrício Lírio, também dividindo espaço com o turismo, mas traz propostas específicas sobre o patrimônio histórico: “implementar políticas de preservação do patrimônio histórico e cultural, revitalizando áreas e prédios históricos locais”.
Também cita como ideia fomentar “parcerias com as universidades para garantir a pesquisa contínua sobre nossa cultura” e a criação de “Roteiros Turísticos”, com objetivo de “desenvolver roteiros turísticos que valorizem a cultura, história e natureza do município, promovendo o turismo sustentável”.

PASTOR FERNANDO
 
  • Candidato a prefeito: Fernando Sergio Trindade Crespo (Pastor Fernando)
    Partido: PRTB
    Candidata a vice-prefeita: Dr. Carlito
    Partido: PRTB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 50
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
Assim como os demais até aqui, traz a cultura como tema acessório, em conjunto com o “esporte” e “lazer”. Mas dedica um subitem exclusivo à cultura, dizendo na introdução que “a cultura e um elemento vital para a identidade e a coesão social” e que “promover a cultura e essencial para valorizar nossa historia, nossas tradições e nossa criatividade”.
Entre as propostas para a cultura, o plano traz a criação de “Espaços Culturais”, apoio para “artistas locais” e a criação de “festivais e eventos culturais”. No fechamento do item dedicado à cultura, o candidato traz novamente a ideia de “valorizar nossa identidade e promover a coesão social” e cita a cultura como um elemento capaz de “impulsionar o desenvolvimento econômico”.
Sobre patrimônio histórico, o candidato insere o tema em conjunto com o turismo, onde pretende “explorar o potencial turístico do município, promovendo as belezas naturais e o patrimônio histórico cultural”. A questão patrimonial também aparece quando é tratado o tema da “Revitalização de Áreas Urbanas Degradadas”.

PROFESSOR JEFFERSON
 
  • Candidato a prefeito: Jefferson Manhães de Azevedo (Professor Jefferson)
    Partido: PT
    Candidata a vice-prefeita: Mayra Coriolano Freitas
    Partido: PT
    Quantas vezes “cultura” é citada: 40
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 6
 
O plano de governo do candidato traz a cultura associada à questão patrimonial, dedicando um item exclusivo para isso, denominado como “Cultura, Patrimônio Histórico e Turismo”. Como proposta central, pretende destinar “1% do orçamento municipal para o Fundo Municipal de Cultura”, onde, segundo a proposta, deverá custear o que está previsto no Plano Municipal de Cultura.
O Plano Municipal de Cultura foi instituído em Campos através da Lei 9.065, de 31 de maio de 2021, e traça diretrizes e políticas públicas da área para a cidade até 2031. Constituir um plano é uma obrigação dos municípios brasileiros, conforme diretriz do Ministério da Cultura, e é requisito para receber algumas verbas estaduais e federais.
O candidato Professor Jefferson cita ainda como proposta o “reconhecimento do papel dos órgãos representativos do Sistema Municipal de Cultura do município”, como o Comcultura, Coppam e Funcultura. Apresenta também como proposta a realização de concurso público para a área.
Também traz o uso da educação patrimonial nas escolas municipais, para “atuação como elo entre a cultura, o patrimônio e as unidades escolares e os munícipes” e para identificar “potenciais artistas nas diversas modalidades culturais e artísticas” entre os alunos. Propõe a utilização do CEPOP como “equipamento cultural” e garante a realização de eventos “já tradicionais”, como o carnaval, Bienal do Livro, Festival Doces Palavras (FDP!) e Rock Goitacá. Cita ainda o “reconhecimento da cultura do povo negro e periférico do município”.
Sobre a questão patrimonial, o candidato propõe a criação de uma “política pública de recuperação e preservação do patrimônio histórico-cultural municipal”, e a “implantação de museus temáticos para divulgar e preservar a memória e a história da população campista”. Também propõe “a criação de mais duas Casas de Cultura em distritos mais distantes do centro”.

THUIN
 
  • Candidato a prefeito: Raphael Elbas Neri De Thuin (Thuin)
    Partido: PRD
    Candidata a vice-prefeito: Clodomir Crespo
    Partido: DC
    Quantas vezes “cultura” é citada: 57
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O candidato inicialmente traz a cultura dentro do eixo “comércio”, com o subitem “Cultura e Entretenimento”. trazendo como proposta “promover eventos culturais e de entretenimento no centro da cidade” e “parcerias com artistas locais para revitalizar fachadas e espaços públicos com murais e intervenções artísticas”.
No eixo “turismo”, propõe a organização de “eventos e festivais temáticos que celebrem a cultura” e a criação de um “calendário anual de eventos”. O candidato dedica o item 16 do plano de governo para a “cultura e entretenimento”, onde propõe a “valorização da cultura local” e o “desenvolvimento de eventos e espaços culturais que enriqueçam a vida dos cidadãos”. Cita a ideia de “transformar Campos dos Goytacazes em um polo cultural dinâmico”, e “fomentando a diversidade cultural”.
O plano segue com outras propostas para a cultura, como a “formação e capacitação cultural”, pretendendo “desenvolver programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas” e oferecer “programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas”. Também propõe a “realização de festivais de cinema, teatro e música”, feiras exposições, “festivais culturais” e “centros culturais e comunitários”.
Como inovação, propõe a criação de “Programas de Residência Artística”, onde pretende “desenvolver programas de residência artística para atrair artistas de outras regiões e países, promovendo o intercâmbio cultural”. Como continuidade (a Secretaria Municipal de Captação de Recursos e Convênios foi criada pela Lei 9.463, de 14 de março de 2024), cita a criação de “Subsecretaria para Captação de Recursos e Fomento a Projetos Culturais”, para “promover a captação de recursos através de leis de incentivo à cultura”, “parcerias com empresas” e “suporte técnico e financeiro para a elaboração e execução de projetos culturais”.
Na questão de patrimônio histórico, o candidato propõe que seja realizado um “inventário e divulgação do patrimônio cultural (...) material e imaterial de Campos dos Goytacazes, incluindo monumentos, edificações históricas, festas populares, artesanato e tradições locais”. Também cita como ideia “divulgar amplamente o patrimônio cultural através de exposições, publicações, mídias sociais e campanhas educativas”.

WLADIMIR GAROTINHO
 
  • Candidato a prefeito: Wladimir Barros Assed Matheus de Oliveira (Wladimir Garotinho)
    Partido: PP
    Candidata a vice-prefeito: Frederico Paes
    Partido: MDB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 10
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 1
 
O plano de governo do candidato traz inicialmente a cultura inserida em outros itens, nas propostas para a “terceira idade”, “infância e juventude” e “turismo”. Entre as propostas, cita que irá “implementar levantamento georreferenciado para atualizar inventário turístico de pontos históricos, culturais, belezas naturais” e a criação de um “Portal digital”, trazendo informações turísticas de Campos.
Cita ainda a capacitação de “alunos da rede pública municipal para atuarem como condutores turísticos mirins, incentivando o interesse pelo patrimônio cultural local e enriquecendo a experiência de aprendizagem”.
No item dedicado à cultura, o plano evidencia o Arquivo Público Municipal, o Solar dos Airizes, o Teatro Trianon e o Teatro de Bolso, relacionando com o tema do patrimônio material de Campos.
Propõe “manter e prover o Arquivo Público Municipal, para preservação e acesso ao acervo de documentos públicos e privados de interesse da população”, e a criação do “Museu Campos de Energias”, no Solar dos Airizes, “visando resgatar a importância histórica de atividades produtivas, manifestações históricas e culturais, relativas à matriz elétrica e sucroenergética de nossa cidade”.
Para os teatros, propõe a “expansão dos serviços oferecidos pelo Teatro Trianon e Teatro de Bolso, para impulsionar a cultura, criação, inovação e a diversidade artística no Município”.

*
Cultura e patrimônio ainda não vistos como um potencial 
A análise dos programas de governo dos sete candidatos à prefeitura de Campos dos Goytacazes revela uma tendência recorrente: a cultura, o patrimônio e o turismo ainda são tratados como temas periféricos, mesmo em uma cidade com histórico e potencial econômico para explorá-los de maneira estruturada. Apesar do reconhecimento de sua importância, poucos planos apresentam propostas verdadeiramente robustas e detalhadas para enfrentar décadas de negligência.

Campos, com seu orçamento bilionário, localização privilegiada e herança histórica, tem o potencial de se tornar um polo cultural e turístico. No entanto, esse caminho requer ações integradas e políticas públicas contínuas, capazes de preservar o patrimônio material e imaterial e fomentar o turismo de forma sustentável.
Infelizmente, a maioria dos candidatos falha em reconhecer o papel estratégico dessas áreas, limitando-se a propostas pontuais, sem a necessária articulação com o desenvolvimento econômico e social da cidade.

Sem o uso sustentável do patrimônio histórico, e com os empresários locais, historicamente alheios a esses setores, o poder público, seja quem for ocupar a cadeira em 1º de janeiro de 2025, precisa incentivar o investimento, pois a revitalização desses setores não será possível sem uma parceria público-privada sólida.

Campos precisa mais do que intervenções isoladas. A cidade carece de um projeto ambicioso e consistente que posicione a cultura e o patrimônio como motores de desenvolvimento econômico e de pertencimento. Sem isso, a paisagem seguirá marcada pelo abandono, e as promessas de campanha permanecerão vazias.
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A goleada de 11 a 1 do Goytacaz, no Coppam
27/07/2024 | 08h06
Reprodução

No último dia 23, o Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam) decidiu pelo tombamento do estádio Ary de Oliveira e Souza (veja aqui), a casa do Goytacaz Futebol Clube, um dos clubes centenários de Campos.

Não foi uma reunião apenas de conselheiros do órgão. Pelo seu caráter público, as reuniões são abertas, e os visitantes, além de ouvir os votos e as discussões dos que possuem assento no Conselho, têm direito à fala. E assim ocorreu, com alguns torcedores do clube externando as memórias afetivas com o patrimônio material que estava em discussão.

O Coppam não tem o poder de impedir que o estádio seja vendido, ou determinar quais ações a diretoria do Goytacaz deve ou não colocar em prática. O órgão de preservação discute se um patrimônio — material ou imaterial — possui as características necessárias para receber uma proteção legal que impede, aqui sim, a descaracterização e a demolição.

O Aryzão — apelido pelo qual o estádio Ary de Oliveira e Souza é conhecido — foi a leilão há cerca de dois meses, com lance inicial determinado em mais de R$ 51 milhões. No segundo certame, pela metade do preço: quase R$ 26 milhões (veja aqui). Em nenhuma das oportunidades houve proposta de compradores interessados.

Reprodução
O clube mudou sua diretoria em movimentação recente (veja aqui), tendo alterado também a decisão de leiloar o estádio. O grupo que administra a agremiação atualmente não concorda com a venda, e se diz favorável à preservação. Não sem polêmica, a mudança da diretoria do Goytacaz ainda é contestada pelo grupo que comandava anteriormente, e que queria o leilão do estádio para sanar as dívidas que se acumularam.


A decisão de vender o patrimônio para pagar dívidas não é algo condenável. Se há obrigações a serem pagas, o que restou de pé de uma empresa ou de um clube de futebol pode ser usado. Porém, é preciso saber se há viabilidade em continuar um clube com tamanha história em Campos. Se é possível criar fontes de receitas para mantê-lo em funcionamento.

O Coppam ‘quase’ unânime

O que foi decidido na reunião do dia 23 é que o Aryzão é relevante cultural e historicamente em Campos. A despeito de toda situação econômica do clube, o que o Coppam determinou é que cabe a proteção à uma construção na Rua do Gás onde tantos campistas viveram grandes momentos. O que o Coppam discutiu foi a necessidade de preservar uma história, uma página da cidade que ainda deve ser escrita e vista por novas gerações.

É bastante claro que há interesse econômico e especulação imobiliária quando se pretende leiloar uma grande área na região central da cidade. Substituir um estádio de futebol por um condomínio pode parecer lógico financeiramente, mas não atende ao interesse público. Basta olharmos estádios emblemáticos em outras cidades, que geram divisas, turismo e preservam a memória de uma sociedade.

Após diversas falas — de conselheiros do Coppam e de convidados — o órgão decidiu pelo tombamento do estádio do Goytacaz, ou seja, decidiu por sua proteção, que impede a demolição ou a descaracterização. Foram 11 votos favoráveis e uma abstenção, vinda do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes (IHGCG).

A abstenção vinda de uma instituição que se pretende ser de “pesquisa, memória, difusão do conhecimento sobre história e geografia e proteção de acervos históricos” é estranha, mas segue uma lógica anti-preservacionista em Campos, uma cidade que deixou tanto se perder.

Além da proteção ao estádio, a reunião mostrou que o Coppam pode e deve agir ouvindo a sociedade, e de forma também técnica, decidir. O interesse público deve ser a tônica, e a preservação de elementos culturais e históricos como o Aryzão, a regra. Exceções podem existir, mas sempre a confirmam.




 
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com