Novo fórum da cultura de Campos tem muito a dizer, mas precisa ser ouvido
06/04/2025 | 11h38
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Uma bela e comprida mesa de madeira já estava quase completa quando cheguei, por volta de 19h30, na casa do arquiteto e empresário Edvar Júnior. Era uma terça-feira, primeiro dia de abril, e logo percebi que não seria mentira que a ideia do encontro  seria atendida — havia um debate intenso já acontecendo e estavam presentes gente de várias vertentes da cultura campista.

A ideia de promover um encontro plural não seria possível sem que houvesse representantes da “rua” à mesa. A arte urbana, os terreiros, o jongo, a mana-chica e o carnaval precisavam de representantes no fórum que estava se formando ali. E estavam, e tiveram voz, assim como todos os outros presentes. Os temas da defesa do patrimônio histórico, orçamento público, ausência de secretaria de cultura, os editais da leis de fomento (e suas tentativas de serem aplicados em Campos), a Bienal e o FDP! estavam por lá também, como sempre estiveram e, sempre, trazendo angústias.

Um fórum precisa ser plural e aberto (pelo menos, o mais aberto possível) e deve, para cumprir seu intento, ser despudorado na composição dos foristas e dos temas. Explico: não se faz um fórum propositivo e com possibilidades de gerar algum tipo de ação do poder público e da própria classe cultural se houver censura sobre falas e proposições e, pior ainda, quando se quer censurar previamente um tema.

Na mesa da casa de Edvar — cenário, palco e plateia do primeiro encontro do Fórum — não tinha censura no cardápio e, mesmo tendo vinho e cerveja à vontade, não foi visto nenhuma exaltação, além das habituais de quem vive e é apaixonado pela cultura campistas; e verdades não se furtaram a serem ditas.

Entre as verdades, falou-se da falta de uma secretaria de cultura em Campos (o papel é exercido por uma Fundação, a FCJOL) e da incapacidade orçamentária e de pessoal para fazer acontecer, como se deve, todas as ações da “pasta”. Embora vista como secundária e “coisa de artista”, a cultura é geradora de receitas e de empregos como poucos outros setores — quando bem administrada e com condições para tal. Aliada ao turismo, a cultura movimenta economias em cidades grandes e importantes no mundo inteiro, assim como patrimônios históricos preservados levam milhões de pessoas para continentes distantes. Em Campos não seria diferente, mas é, na prática, por diversos fatores.
Reproduçao


O encontro foi promovido por Edvar Júnior, pelo produtor cultural Wellington Cordeiro e pelo jornalista Matheus Berriel. Dividiram entre eles as responsabilidades dos convites aos foristas e da organização do espetáculo. Com alto prestígio na classe, os três não tiveram dificuldades em preencher todos os assentos. E deles também veio a promessa de independência do fórum que, não fosse a conhecida postura dos anfitriões, seria difícil de acreditar: haveria gente do governo à mesa, da FCJOL e o próprio Edvar Júnior está como subsecretário de Turismo.

Ser independente não é apenas uma questão de postura. É preciso de condições materiais mínimas para exercê-la e muitas vezes a necessária resistência para as inevitáveis desavenças advindas da independência. E é preciso olhar para o próprio umbigo para ser independente, não por ego ou por interesse, mas para tratar das próprias ambiguidades. No fórum estavam gente da literatura, do patrimônio histórico, da música, do cinema, da fotografia, da educação, da produção e gestão cultural, da imprensa e da iniciativa privada; e nenhum deles se furtou a agir assim.

Edmundo Siqueira
Como anfitrião e exercendo um cargo de comando na prefeitura, Edvar não precisou de esforço para reforçar sua independência, pois ela já era conhecida de todos ali. Como um agregador nato, alguém com capacidade para juntar gente muito diferente em um propósito comum, Edvar chamou para a foto, ao final do encontro, e todos foram posar com um sorriso no rosto.


Todos estavam ali unidos pela cultura. Ele, o caldo cultural campista, era o elemento que dava corpo e sabor ao fórum. Esse caldo já foi reduzido muitas vezes por todos presentes e invariavelmente havia ficado azedo, por falta de apoio governamental, por burocracia, por vaidade, por falta do conhecimento do campista de sua terra ou por insensibilidade do empresariado. Mas, pelo menos pareceu, que todos saíram com esperança, novamente, e com a insistência ingênua de alma de artista.

Mesmo sendo 1º de abril, não faltou verdade no primeiro encontro do fórum. Resta saber se elas chegarão a ser ouvidas nos ouvidos insensíveis.
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A cultura no segundo governo Wladimir e o museu de grandes novidades
04/01/2025 | 06h22
Edmundo Siqueira
Edmundo Siqueira / Arte digital por IA
Quando alguém do poder executivo é reeleito, é comum haver mudanças no secretariado. Mudar a equipe é fundamental para oxigenar as pastas e incentivar novas políticas públicas. Mas é preciso que as movimentações de pessoas estejam acompanhadas da definição de novas prioridades, ou ao menos reforçar antigas que ainda não foram cumpridas.

No caso da cultura campista, há diversas questões em jogo que não serão oxigenadas com uma simples mudança de comando. Campos não tem uma “secretaria de cultura”, uma Fundação assume o seu papel: a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL). Há prós e contras da institucionalidade cultural ser exercida por uma Fundação, mas certamente isso não está entre os problemas principais da cultura campista.

A primeira questão é orçamentária. Dos recursos próprios do município, pouco é destinado à FCJOL. Este ano estão previstos míseros R$ 11 mil ao Fundo Municipal de Cultura. Os recursos mais volumosos estão nas leis federais de incentivo, como Aldir Blanc e Paulo Gustavo, porém a gestão desses recursos — desde a definição inicial de valores — depende de uma ação municipal efetiva, que passa por planejamento, base de dados de empresas e agentes culturais, criação de projetos e definição de políticas públicas da área.

O que o município vem mostrando é que a estrutura da FCJOL não permite que essas ações sejam feitas como se deve. Há atrasos nos editais, dificuldade no repasse, falhas de comunicação e insatisfação no setor cultural da cidade. O que deveria ser parte da solução e uma excelente forma de desenvolver toda cadeia produtiva, passa a ser um transtorno.

A segunda questão passa pelo desenho institucional da Fundação. A FCJOL acaba por ser um guarda-chuva de várias áreas afins que não dialogam, não apresentam resultados e não recebem os recursos que deveriam. Caberia à Fundação agir no planejamento e execução de políticas públicas para a área cultural, passando pela captação de recursos. Seria esse seu campo de atuação fundamental. Porém, está entre suas atribuições boa parte dos eventos municipais, inclusive o carnaval e shows do verão. Embora seja um campo importante de atuação, a falta de estrutura da FCJOL não permite que ela o abrace. A recém criada secretaria de Turismo poderia assumir a parte de eventos, ou mesmo outras secretarias em conjunto.

Por outro lado, Campos poderia perfeitamente estar no cenário nacional de teatro, cinema e arte. Há infraestrutura para isso. Além de vasta rede hoteleira e de restaurantes. Peças teatrais, exposições de arte, festivais de cinema e de literatura, dança e tantas outras manifestações artísticas poderiam ter em Campos uma referência e a cidade ser uma das rotas de agenda dos espetáculos.

A terceira questão está relacionada ao patrimônio histórico. Há no município imóveis com tombamento federal e estadual, protegidos, portanto, que podem servir de atrativo, gerar receitas e abrigar instituições. Citando apenas três deles — Solar dos Airizes, Solar da Baronesa e Solar do Colégio — é possível demonstrar o quanto de potencial se perdeu até aqui.

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Os solares dos Airizes e do Colégio passam por intervenções importantes, ambas conseguidas pelo esforço do município, é preciso fazer justiça aqui. Caso essas ações sejam levadas adiante, será um passo importante para criar em Campos alternativas no campo da educação patrimonial, cultural e turística. Porém ainda muito incipiente.


Mas, outras construções chamam a atenção pelo abandono. O Palácio da Cultura e o Museu Olavo Cardoso poderiam ser referências da área central e abrigar diversas iniciativas culturais. Porém, há anos estão fechados. O Olavo Cardoso com sério risco de ruína e o Palácio como um símbolo gritante de desperdício em pleno coração da área comercial mais valorizada da cidade.

No Centro, o Museu Histórico cumpre um papel importante em meio a tanta descaracterização, e realiza eventos de sucesso de público e crítica. Mas carece de integração e valorização.

Prioridades e políticas públicas

As características e complexidades da área cultural em uma cidade histórica como Campos exige políticas públicas de “estado”, não de governo. O Plano Municipal de Cultura e o Conselho de Cultura são instrumentos importantes que a cidade já possui, além de ter um órgão de tombamento, o Coppam.

É preciso definir prioridades e que os setores dialoguem. Falta muito por parte do município, mas falta bastante do setor também. É preciso abandonar vaidades e colocar os projetos e instituições acima das individualidades.

Viver em um eterno museu de novidades pode ser poético, mas não gera resultado.
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Um Arquivo único que querem fazer de ordinário
11/11/2024 | 10h01



Talvez o atraso nas obras do Arquivo Público Municipal de Campos não seja culpa da Uenf. Aliás, devemos penalizar, quando há dolo, as pessoas à frente das instituições; e não a institucionalidade. Mas toda essa história tragicômica talvez mostre a cara de alguns outros vilões.

Mas antes de apresentá-los, é preciso fazer algumas ponderações históricas.

O Arquivo de Campos nasceu de uma iniciativa legislativa, em maio de 2001, proposta pelo então vereador Edson Batista. Na ocasião, a Uenf havia começado a preparar um solar do século XVII, em Tocos, para abrigar sua escola de cinema. A ideia não deu certo — havia uma dificuldade de preenchimento de vagas dos docentes e uma cultura de produção e comercialização cinematográfica teria que ter certa aceitação na região. Com a descontinuidade, esse prédio, o Solar do Colégio, ficaria novamente abandonado, apesar de sua importância. E para aproveitá-lo, o Arquivo nasceu ali, como Campos, na Baixada.

Como o nome sugere, se tratava de um solar jesuítico. Foi construído para impor religião e a “domesticação” indígena, essencialmente. Após a expulsão da Companhia de Jesus dessas terras, em 1759, a edificação é vendida a Joaquim Vicente dos Reis por 187 contos 953 mil réis. Depois, Sebastião Gomes Barroso, genro de Joaquim, cria ali um grande engenho de açúcar.

O Solar do Colégio e o Solar dos Airizes (às margens da BR-356) são representantes fiéis de como Campos e a região se constituíram: enormes fazendas, plantações de cana-de-açúcar e escravidão. As fazendas eram centros de serviços públicos, havia hospitais e maternidades, escolas e amontoados de casebres que formavam pequenas comunidades.

O centro urbano de Campos crescia sustentado pela plantation, e queria a todo custo ser o Rio de Janeiro, ou qualquer cidade europeia. Cafés, livrarias, hotéis e teatros eram frequentados por motivo de status, não de cultura. Os preços das commodities eram definidos nos cafés e os teatros apresentavam musicais enlatados vindo do Rio.

Pois bem, Campos acabou se tornando uma cidade de costas para sua história, querendo ser o que não era e consumindo cultura alheia. Havia alguns elementos culturais orgânicos, que vinham principalmente da baixada. Até de costas para o rio Paraíba Campos está.

Parte significativa dessa história está no Arquivo Público. Jornais, documentos de tribunais, cartas testamento, registros de nascimento e morte, comprovações dos movimentos revolucionários contra a Coroa Portuguesa, cartas de fundação das primeiras Câmaras, e toda sorte de atrocidades registradas em comercialização de seres humanos advindos da diáspora africana.
Citei o Airizes acima por ele também ser um estorvo para a maioria dos campistas — algo a ser demolido para dar espaço a algum condomínio.

Há pouco mais de entrei no Solar e vi no fundo de um cômodo algumas dezenas de sacos de lixo. Eles encobriram milhares de fotos, documentos, obras de arte, mapas, livros e correspondências pessoais dos antigos moradores. Certamente, muito a ser contado dali, caso o destino não fosse a fogueira.

Além desse acervo recente, o que havia de valioso (valor histórico, cultural e financeiro) foi vendido para um museu em Niterói e para a USP. O geógrafo e escritor Alberto Lamego, proprietário do Solar dos Airizes e garimpeiro desse acervo, era visto com desconfiança pelos campistas, que achavam que era tudo falso e sem valor, mas o Solar era constantemente visitado por gente como Oswald de Andrade.

Mas o assunto aqui é o Solar do Colégio e o Arquivo Público. E os vilões.

A Uenf recebeu R$ 20 milhões há quase três anos para restaurar o prédio e fazer a digitalização do acervo. Além de oferecer as mínimas condições de funcionamento e visitação de ambos. Por diversas desculpas, uma parte minúscula do dinheiro foi aplicado, e o Solar continua sob risco, assim como o acervo que guarda.

A Uenf não tem expertise para tocar uma obra dessa complexidade, e não faz parte de sua atividade fim fazer intervenções em patrimônios históricos. E ao que parece, a aceitação da missão aconteceu sem ouvir a universidade e seu Conselho. Mas o fato é que aceitou. E também é fato que a lei que rege o Fundo Especial da Assembleia Legislativa, de onde veio o recurso, exigia à época que fosse destinado a alguma instituição estadual ou federal.

Mas, ficam algumas perguntas.

Deveria a Uenf ter aceitado? Sim. O Solar do Colégio tem uma relação próxima e bela com a universidade, e tratar documentos históricos, possibilitando que eles sejam fonte de pesquisa, é algo que a Uenf deve zelar, além de ser uma universidade que nasceu para cooperar com a comunidade que está inserida.

Precisava de tanta burocracia? Sim. Trata-se de dinheiro público e de um patrimônio histórico de alta relevância. Além de abrigar um acervo inestimável. É preciso dar transparência, lisura e abertura ao processo. E contratar empresas de alto gabarito. E existem leis que regem com muita rigidez algo assim.

Demora tanto assim? Não. Há um leque enorme de excelentes empresas no Brasil que aceitariam essa obra, que participariam das licitações e entregariam algo sensacional em bem menos tempo. É possível licitar obra e projeto juntos, desde que cumpra-se alguns requisitos.

Devemos culpar a Uenf? Não. A universidade, enquanto sua institucionalidade, está prestando um serviço e precisa direcionar esforços de uma estrutura apertada e sem experiência em obras. Porém, gestores podem ser culpabilizados. Prioridades foram definidas e o Arquivo e Solar não estavam nelas. Se algo acontecer nesse período de chuvas, podem e devem responder pela letargia e omissão na aplicação de recursos públicos.

O Arquivo poderia estar no centro de Campos? Claro. Seria o ideal. Um Palácio da Cultura climatizado, acessível, com funcionários concursados tratando documentos antigos e catalogando os atuais, e com agendamento frequente das escolas. Mas além de ser utópico na realidade atual, perderíamos um local único, carregado de história, exalando educação patrimonial. Desistiríamos de particularidades excepcionais para aceitar algo ordinário, comum. Isso se o comum fosse existir, de fato.

Os vilões possíveis

E então chegamos aos vilões. O mundo real dificilmente é explicável pela dicotomia herói-vilão. Há uma zona cinzenta entre essas personas que é onde a maioria está. Talvez todos estejamos, instituições e pessoas.

Mas o descaso com o Solar do Colégio, dos Airizes e com o Arquivo é a metástase de um patologia que Campos arrasta através dos séculos. A culpa, caso seja possível definir, é de uma sociedade que quebrou os espelhos, que vive olhando para as sombras na parede da caverna.

Mas se há um verdadeiro vilão possível, está entre os que olham para a história, a entende, compreende sua riqueza, percebe a existência de um elemento extraordinário, que alia patrimônio e pesquisa, algo de potencial inexaurível, e diz que é melhor abandonar. “Deixa cair”; “não gosto de fulano e fulana, melhor que aquilo acabe”; “aqui é assim mesmo”.

Se há vilão possível, está em quem lava as mãos.
 
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O avanço pedagógico do mar de Atafona e da decadência campista
14/09/2024 | 07h59
Crianças de Atafona brincam nas ruínas da cidade, que perdeu 14 quarteirões devido ao aumento do nível mar e à erosão costeira. Na maré baixa, surgem da areia construções que foram tragadas pelo mar há décadas.
Crianças de Atafona brincam nas ruínas da cidade, que perdeu 14 quarteirões devido ao aumento do nível mar e à erosão costeira. Na maré baixa, surgem da areia construções que foram tragadas pelo mar há décadas. / Felipe Fittipaldi - National Geographic
 
No início do século passado, ali pelos anos 1920, Campos experimentava um apogeu sucroalcooleiro. Quase três dezenas de usinas operavam no município. Abadia, Barcelos, Caconda, Cambahyba, Outeiro, Sapucaia…eram nomes do cotidiano de Campos, tanto nas áreas rurais como no centro urbano. O açúcar movia a cidade.

Havia diversas cadeias produtivas que as usinas movimentavam: comércio, mercado imobiliário, agronegócio, serviços e até arte e cultura. Elegantes cafés — como o emblemático Café High Life, na 7 de setembro —, teatros — sendo o Trianon como o mais importante —, restaurantes, hotéis, livrarias e o novo prédio de inspiração francesa do Mercado Municipal são pontos de convivência nesse período.

Campos se modernizava, e tentava construir uma elite culta, que se espelhava no Rio de Janeiro, que por sua vez ansiava o modo de vida europeu. Não por acaso, essa elite campista dava vida ao centro da cidade e estruturava a convivência urbana. Mas também, com consequências até hoje, sem se preocupar muito com a desigualdade que vinha a reboque.

Existe uma praia campista: Farol de São Thomé. Contudo, a distância do centro desmotivou a maioria das famílias que buscavam uma casa de veraneio que proporcionasse a ida e vinda para a cidade de modo constante. Isso era possível nas praias do município vizinho, São João da Barra, o que levou a até então bucólica e mágica praia de Atafona, onde o rio encontra o mar, ser um dos principais destinos dos campistas mais abastados, que primeiro alugavam casas de pescadores e depois passaram a construir palacetes à beira mar.
 
Reprodução gráfica do Café High Life, no centro de Campos, apresentada no podcast "Elas tem História", das historiadoras Rafaela Machado e Larissa Manhães.
Reprodução gráfica do Café High Life, no centro de Campos, apresentada no podcast "Elas tem História", das historiadoras Rafaela Machado e Larissa Manhães. / Podcast Elas tem História


Esse movimento de ocupação das praias sanjoanenses se intensificou na segunda metade do século XX, quando houve uma ascensão econômica de profissionais liberais, comerciantes e comerciários e os proprietários e trabalhadores das usinas de cana-de-açúcar de Campos. E foi preciso criar núcleos com características urbanas ao redor, com a oferta de serviços públicos como saneamento e asfalto. E também problemas de toda ordem.

Ações, omissões e o inevitável

Não é impossível fazer uma correlação do avanço do mar nesses locais com a ocupação territorial. O aumento da urbanização e da exploração dos recursos naturais — não só em Atafona mas em toda região, ao longo da bacia do Rio Paraíba do Sul — contribuíram para a diminuição da vazão do Paraíba, o aumento do assoreamento e a redução do aporte de sedimentos na foz em delta que tem Atafona como seu estuário.

Claro, não foi apenas isso que levou Atafona a uma situação de dramaticidade apontada pela mídia mundial. Começa a partir da década de 1950, quando o Rio Paraíba do Sul passou por grandes intervenções, como a transposição de suas águas para o Rio Guandu e, mais tarde, para o Sistema Cantareira (maior produtor de água da região metropolitana de São Paulo), com o objetivo de abastecer as metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo.
Ruínas em Atafona, praia de São João da Barra.
Ruínas em Atafona, praia de São João da Barra. / Rafael Duarte - site Mongabay

O equilíbrio da foz do Rio Paraíba foi rompido por diversos fatores. Não apenas ambientais, diga-se de passagem. Ações ou omissões políticas foram também determinantes. Talvez a ocupação de Atafona pelos campistas fosse inevitável, assim como desviar uma quantidade abissal de água do Paraíba para abastecer grandes e populosos centros urbanos. Porém, mesmo o inevitável pode ser feito mantendo-se um sistema equilibrado, em medidas mais justas, mantendo-se direitos e ordenando quais áreas poderiam ser construídas, tendo os impactos compensados, ao menos.

Muito poderia ter sido feito: controle do assoreamento, recuperação da vegetação ciliar, estruturas de contenção, recuperação da vegetação de dunas, implementação de zonas de recuo, entre outras providências que reduzissem os impactos e contivessem o avanço do mar. Mas pouco decidiu ser colocado em prática.

O avanço de um mar de decadência

É preciso buscar compreender os porquês dos abandonos e qual contexto histórico se impôs à Campos no último século. O açúcar que movia a cidade foi ganhando contornos de amargura administrativa. As usinas, uma a uma, foram desligando suas máquinas e interrompendo um ciclo econômico virtuoso.

A derrocada sucroalcooleira, assim como o avanço do mar em Atafona, não pode ser explicada por um único fator, ou mesmo fatores isolados. A mudança na política nacional de produção de álcool, a falta de matéria prima em Campos, problemas na administração das usinas que configuravam-se essencialmente como empresas familiares de pouca sofisticação organizacional, falta de diálogo entre os industriais, e outros tantos problemas que começaram a se acumular.

Usina São João, na margem esquerda do Rio Paraíba, nos anos 1970.
Usina São João, na margem esquerda do Rio Paraíba, nos anos 1970. / Instituto Federal Fluminense (IFF) - portal2015.iff.edu.br
A decadência das usinas avançou como um mar furioso sobre a região. O fato de se ter descoberto uma bacia de petróleo gigantesca em Campos, durante o mesmo período, poderia ter sido a redenção, mas o dinheiro “fácil” dos royalties e de participação especial acelerou a deterioração do parque industrial campista — como sintoma evidente da chamada de “doença holandesa”, ou “maldição dos recursos naturais”.

O avanço do mar de decadência também não foi contido e deixou ruínas na paisagem urbana de Campos e na praiana, em Atafona. São marcas de um passado recente, visíveis após o recuo de um oceano de desmandos.

Estátua em homenagem a Tiradentes, no centro de Campos. Ao fundo, as ruínas do Hotel Flávio, que não faz mais parte da paisagem desde o carnaval de 2023.
Estátua em homenagem a Tiradentes, no centro de Campos. Ao fundo, as ruínas do Hotel Flávio, que não faz mais parte da paisagem desde o carnaval de 2023. / Folha1
O período áureo produziu lideranças políticas, a derrocada também. Com espaços de poder esvaziados pela falta de dinheiro dos prefeitos ligados às usinas, novos grupos políticos surgiram, e não por acaso evidenciando essas mesmas ruínas. Palanques foram erguidos com os tijolos das usinas desativadas e dos teatros e cafés do Centro Histórico.


O mar, o rio, a cana, o açúcar, o álcool e o petróleo são implacáveis. Não coadunam com omissões e pecados políticos. Podem ser elementos de desenvolvimento ou de destruição, a depender do uso dado. As ruínas deixadas podem servir de exemplo, como um aviso do que acontece quando há desleixo e mudanças no equilíbrio entre os recursos.

Mas, o que se vê até agora em Campos, é que nos habituamos com a paisagem, chutando os destroços que ainda estão pelo caminho, sem aprender com eles. E apagando definitivamente o Café High Life e do Trianon. E os desastres, pouco a pouco, vão perdendo o valor pedagógico.
 
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Como cultura e patrimônio estão inseridos nos planos de governo dos candidatos à prefeitura de Campos?
08/09/2024 | 12h19
Campos dos Goytacazes é uma cidade de orçamento bilionário. Desde meados dos anos 1980, vem recebendo vultosos recursos oriundos da exploração de petróleo, e, antes disso, beneficiava-se dos ciclos econômicos da pecuária e da cana-de-açúcar. Constituiu-se como um centro urbano importante ainda no Brasil Império e possui localização privilegiada.
Por esses e outros fatores, estabeleceu-se como uma referência regional em saúde, comércio, imprensa, universidades e serviços, além de ter produzido lideranças políticas de relevância nacional.
Porém, alguns setores foram negligenciados ao longo do tempo. Cultura, turismo, meio ambiente e mobilidade urbana estão certamente entre eles. A negligência de sucessivos governos e o desinteresse do empresariado campista em investir nessas áreas deixaram provas inequívocas na paisagem de Campos: diversos patrimônios materiais históricos deixaram de existir, outros tantos estão em ruínas; o movimento turístico é irrisório; áreas como Lagoa de Cima e Imbé foram abandonadas; e há poucas opções de modais de transporte.
Interligados em uma cidade histórica como Campos, cultura e turismo começaram a ganhar algum destaque recentemente. O uso de áreas como o Cais da Lapa e o centro histórico está em discussão; solares como os Airizes e Colégio receberam investimentos e também estão sendo debatidos, assim como o Mercado Municipal.
Embora sejam setores com potencial para gerar empregos, divisas e impostos — além de promover pertencimento e educação — cultura e turismo carecem de políticas públicas em Campos. Décadas de negligência não se resolvem sem ação efetiva e perene, e movimentos isolados não possuem força suficiente para mudar o cenário.
Mas, como estão as áreas cultural e patrimonial nos planos dos sete candidatos à prefeitura nesta eleição? Quais compensações foram apresentadas como propostas? Cultura está entre as prioridades nos planos de governo? Qual plano se destaca?
Essas questões são respondidas a seguir, com uma análise dos planos de governo dos candidatos em ordem alfabética, conforme os respectivos nomes de campanha (veja números das últimas pesquisas aqui):
 
DELEGADA MADELEINE
 
  • Candidata a prefeita: Madeleine Dyckman Farias (Delegada Madeleine)
    Partido: União Brasil
    Candidato a vice-prefeito: Oziel Baptista (Ozielzinho)
    Partido: PSB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
O tema da cultura é tratado de forma tímida no programa de governo da candidata. No eixo turismo, o item 2.6.3 propõe "incentivar a cultura do turismo interno, inclusive com a preparação de recursos humanos com impacto direto". O item também cita como “importante, ou fundamental, pessoas que falam outros idiomas, como inglês e espanhol”
Há também a proposta de "inserir a cultura como um tema relevante para o desenvolvimento do turismo", e a priorização dos "eventos tradicionais da população, como a folia de reis".
O plano, entretanto, não apresenta nenhuma proposta para a preservação do patrimônio histórico.

DR. BUCHAUL
 
  • Candidato a prefeito: Alexandre Buchaul (Dr. Buchaul)
    Partido: Novo
    Candidato a vice-prefeito: Isaac Vieira
    Partido: Novo
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
A cultura aparece no 3º item dos Eixos Temáticos do plano de governo de Dr. Buchaul, porém, também trata o tema de forma superficial. No item “Educação, cultura e esporte”, o foco está na educação, sem detalhamento específico para cultura. A cultura também surge em "Segurança Pública", quando diz que irá “estruturar intervenções integradas de prevenção ao crime, em cooperação com as áreas de cultura, educação, saúde, assistência social e com as forças de segurança” propondo intervenções preventivas.
No eixo "Transporte Coletivo e Mobilidade", com projetos de revitalização de terminais , citando “revitalizar terminais de ônibus e metrô por meio de projetos que ampliem as atividades comerciais e culturais oferecidas aos usuários do transporte coletivo”.
O plano não apresenta nenhuma proposta para a questão patrimonial.

FABRÍCIO LÍRIO
 
  • Candidato a prefeito: Fabrício Lírio Rodrigues (Fabrício Lírio)
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Candidata a vice-prefeita: Vanessa da Enfermagem
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Quantas vezes “cultura” é citada: 19
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O plano de governo do candidato Fabrício Lírio também traz o tema em conjunto com educação e esporte, mas dedica um subitem específico para a cultura. Propõe a criação de “Centros Culturais” nos bairros, “para promover a cultura local” e a criação de um “Calendário Cultural”, propondo a valorização de “tradições locais”.
O plano também traz a proposta de “incentivar os artistas locais por meio de programas de investimento em arte e cultura” e “workshops culturais”, com objetivo de “identificar artistas locais”.
A cultura volta no item 9 do plano de governo do candidato Fabrício Lírio, também dividindo espaço com o turismo, mas traz propostas específicas sobre o patrimônio histórico: “implementar políticas de preservação do patrimônio histórico e cultural, revitalizando áreas e prédios históricos locais”.
Também cita como ideia fomentar “parcerias com as universidades para garantir a pesquisa contínua sobre nossa cultura” e a criação de “Roteiros Turísticos”, com objetivo de “desenvolver roteiros turísticos que valorizem a cultura, história e natureza do município, promovendo o turismo sustentável”.

PASTOR FERNANDO
 
  • Candidato a prefeito: Fernando Sergio Trindade Crespo (Pastor Fernando)
    Partido: PRTB
    Candidata a vice-prefeita: Dr. Carlito
    Partido: PRTB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 50
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
Assim como os demais até aqui, traz a cultura como tema acessório, em conjunto com o “esporte” e “lazer”. Mas dedica um subitem exclusivo à cultura, dizendo na introdução que “a cultura e um elemento vital para a identidade e a coesão social” e que “promover a cultura e essencial para valorizar nossa historia, nossas tradições e nossa criatividade”.
Entre as propostas para a cultura, o plano traz a criação de “Espaços Culturais”, apoio para “artistas locais” e a criação de “festivais e eventos culturais”. No fechamento do item dedicado à cultura, o candidato traz novamente a ideia de “valorizar nossa identidade e promover a coesão social” e cita a cultura como um elemento capaz de “impulsionar o desenvolvimento econômico”.
Sobre patrimônio histórico, o candidato insere o tema em conjunto com o turismo, onde pretende “explorar o potencial turístico do município, promovendo as belezas naturais e o patrimônio histórico cultural”. A questão patrimonial também aparece quando é tratado o tema da “Revitalização de Áreas Urbanas Degradadas”.

PROFESSOR JEFFERSON
 
  • Candidato a prefeito: Jefferson Manhães de Azevedo (Professor Jefferson)
    Partido: PT
    Candidata a vice-prefeita: Mayra Coriolano Freitas
    Partido: PT
    Quantas vezes “cultura” é citada: 40
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 6
 
O plano de governo do candidato traz a cultura associada à questão patrimonial, dedicando um item exclusivo para isso, denominado como “Cultura, Patrimônio Histórico e Turismo”. Como proposta central, pretende destinar “1% do orçamento municipal para o Fundo Municipal de Cultura”, onde, segundo a proposta, deverá custear o que está previsto no Plano Municipal de Cultura.
O Plano Municipal de Cultura foi instituído em Campos através da Lei 9.065, de 31 de maio de 2021, e traça diretrizes e políticas públicas da área para a cidade até 2031. Constituir um plano é uma obrigação dos municípios brasileiros, conforme diretriz do Ministério da Cultura, e é requisito para receber algumas verbas estaduais e federais.
O candidato Professor Jefferson cita ainda como proposta o “reconhecimento do papel dos órgãos representativos do Sistema Municipal de Cultura do município”, como o Comcultura, Coppam e Funcultura. Apresenta também como proposta a realização de concurso público para a área.
Também traz o uso da educação patrimonial nas escolas municipais, para “atuação como elo entre a cultura, o patrimônio e as unidades escolares e os munícipes” e para identificar “potenciais artistas nas diversas modalidades culturais e artísticas” entre os alunos. Propõe a utilização do CEPOP como “equipamento cultural” e garante a realização de eventos “já tradicionais”, como o carnaval, Bienal do Livro, Festival Doces Palavras (FDP!) e Rock Goitacá. Cita ainda o “reconhecimento da cultura do povo negro e periférico do município”.
Sobre a questão patrimonial, o candidato propõe a criação de uma “política pública de recuperação e preservação do patrimônio histórico-cultural municipal”, e a “implantação de museus temáticos para divulgar e preservar a memória e a história da população campista”. Também propõe “a criação de mais duas Casas de Cultura em distritos mais distantes do centro”.

THUIN
 
  • Candidato a prefeito: Raphael Elbas Neri De Thuin (Thuin)
    Partido: PRD
    Candidata a vice-prefeito: Clodomir Crespo
    Partido: DC
    Quantas vezes “cultura” é citada: 57
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O candidato inicialmente traz a cultura dentro do eixo “comércio”, com o subitem “Cultura e Entretenimento”. trazendo como proposta “promover eventos culturais e de entretenimento no centro da cidade” e “parcerias com artistas locais para revitalizar fachadas e espaços públicos com murais e intervenções artísticas”.
No eixo “turismo”, propõe a organização de “eventos e festivais temáticos que celebrem a cultura” e a criação de um “calendário anual de eventos”. O candidato dedica o item 16 do plano de governo para a “cultura e entretenimento”, onde propõe a “valorização da cultura local” e o “desenvolvimento de eventos e espaços culturais que enriqueçam a vida dos cidadãos”. Cita a ideia de “transformar Campos dos Goytacazes em um polo cultural dinâmico”, e “fomentando a diversidade cultural”.
O plano segue com outras propostas para a cultura, como a “formação e capacitação cultural”, pretendendo “desenvolver programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas” e oferecer “programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas”. Também propõe a “realização de festivais de cinema, teatro e música”, feiras exposições, “festivais culturais” e “centros culturais e comunitários”.
Como inovação, propõe a criação de “Programas de Residência Artística”, onde pretende “desenvolver programas de residência artística para atrair artistas de outras regiões e países, promovendo o intercâmbio cultural”. Como continuidade (a Secretaria Municipal de Captação de Recursos e Convênios foi criada pela Lei 9.463, de 14 de março de 2024), cita a criação de “Subsecretaria para Captação de Recursos e Fomento a Projetos Culturais”, para “promover a captação de recursos através de leis de incentivo à cultura”, “parcerias com empresas” e “suporte técnico e financeiro para a elaboração e execução de projetos culturais”.
Na questão de patrimônio histórico, o candidato propõe que seja realizado um “inventário e divulgação do patrimônio cultural (...) material e imaterial de Campos dos Goytacazes, incluindo monumentos, edificações históricas, festas populares, artesanato e tradições locais”. Também cita como ideia “divulgar amplamente o patrimônio cultural através de exposições, publicações, mídias sociais e campanhas educativas”.

WLADIMIR GAROTINHO
 
  • Candidato a prefeito: Wladimir Barros Assed Matheus de Oliveira (Wladimir Garotinho)
    Partido: PP
    Candidata a vice-prefeito: Frederico Paes
    Partido: MDB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 10
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 1
 
O plano de governo do candidato traz inicialmente a cultura inserida em outros itens, nas propostas para a “terceira idade”, “infância e juventude” e “turismo”. Entre as propostas, cita que irá “implementar levantamento georreferenciado para atualizar inventário turístico de pontos históricos, culturais, belezas naturais” e a criação de um “Portal digital”, trazendo informações turísticas de Campos.
Cita ainda a capacitação de “alunos da rede pública municipal para atuarem como condutores turísticos mirins, incentivando o interesse pelo patrimônio cultural local e enriquecendo a experiência de aprendizagem”.
No item dedicado à cultura, o plano evidencia o Arquivo Público Municipal, o Solar dos Airizes, o Teatro Trianon e o Teatro de Bolso, relacionando com o tema do patrimônio material de Campos.
Propõe “manter e prover o Arquivo Público Municipal, para preservação e acesso ao acervo de documentos públicos e privados de interesse da população”, e a criação do “Museu Campos de Energias”, no Solar dos Airizes, “visando resgatar a importância histórica de atividades produtivas, manifestações históricas e culturais, relativas à matriz elétrica e sucroenergética de nossa cidade”.
Para os teatros, propõe a “expansão dos serviços oferecidos pelo Teatro Trianon e Teatro de Bolso, para impulsionar a cultura, criação, inovação e a diversidade artística no Município”.

*
Cultura e patrimônio ainda não vistos como um potencial 
A análise dos programas de governo dos sete candidatos à prefeitura de Campos dos Goytacazes revela uma tendência recorrente: a cultura, o patrimônio e o turismo ainda são tratados como temas periféricos, mesmo em uma cidade com histórico e potencial econômico para explorá-los de maneira estruturada. Apesar do reconhecimento de sua importância, poucos planos apresentam propostas verdadeiramente robustas e detalhadas para enfrentar décadas de negligência.

Campos, com seu orçamento bilionário, localização privilegiada e herança histórica, tem o potencial de se tornar um polo cultural e turístico. No entanto, esse caminho requer ações integradas e políticas públicas contínuas, capazes de preservar o patrimônio material e imaterial e fomentar o turismo de forma sustentável.
Infelizmente, a maioria dos candidatos falha em reconhecer o papel estratégico dessas áreas, limitando-se a propostas pontuais, sem a necessária articulação com o desenvolvimento econômico e social da cidade.

Sem o uso sustentável do patrimônio histórico, e com os empresários locais, historicamente alheios a esses setores, o poder público, seja quem for ocupar a cadeira em 1º de janeiro de 2025, precisa incentivar o investimento, pois a revitalização desses setores não será possível sem uma parceria público-privada sólida.

Campos precisa mais do que intervenções isoladas. A cidade carece de um projeto ambicioso e consistente que posicione a cultura e o patrimônio como motores de desenvolvimento econômico e de pertencimento. Sem isso, a paisagem seguirá marcada pelo abandono, e as promessas de campanha permanecerão vazias.
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A goleada de 11 a 1 do Goytacaz, no Coppam
27/07/2024 | 08h06
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No último dia 23, o Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam) decidiu pelo tombamento do estádio Ary de Oliveira e Souza (veja aqui), a casa do Goytacaz Futebol Clube, um dos clubes centenários de Campos.

Não foi uma reunião apenas de conselheiros do órgão. Pelo seu caráter público, as reuniões são abertas, e os visitantes, além de ouvir os votos e as discussões dos que possuem assento no Conselho, têm direito à fala. E assim ocorreu, com alguns torcedores do clube externando as memórias afetivas com o patrimônio material que estava em discussão.

O Coppam não tem o poder de impedir que o estádio seja vendido, ou determinar quais ações a diretoria do Goytacaz deve ou não colocar em prática. O órgão de preservação discute se um patrimônio — material ou imaterial — possui as características necessárias para receber uma proteção legal que impede, aqui sim, a descaracterização e a demolição.

O Aryzão — apelido pelo qual o estádio Ary de Oliveira e Souza é conhecido — foi a leilão há cerca de dois meses, com lance inicial determinado em mais de R$ 51 milhões. No segundo certame, pela metade do preço: quase R$ 26 milhões (veja aqui). Em nenhuma das oportunidades houve proposta de compradores interessados.

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O clube mudou sua diretoria em movimentação recente (veja aqui), tendo alterado também a decisão de leiloar o estádio. O grupo que administra a agremiação atualmente não concorda com a venda, e se diz favorável à preservação. Não sem polêmica, a mudança da diretoria do Goytacaz ainda é contestada pelo grupo que comandava anteriormente, e que queria o leilão do estádio para sanar as dívidas que se acumularam.


A decisão de vender o patrimônio para pagar dívidas não é algo condenável. Se há obrigações a serem pagas, o que restou de pé de uma empresa ou de um clube de futebol pode ser usado. Porém, é preciso saber se há viabilidade em continuar um clube com tamanha história em Campos. Se é possível criar fontes de receitas para mantê-lo em funcionamento.

O Coppam ‘quase’ unânime

O que foi decidido na reunião do dia 23 é que o Aryzão é relevante cultural e historicamente em Campos. A despeito de toda situação econômica do clube, o que o Coppam determinou é que cabe a proteção à uma construção na Rua do Gás onde tantos campistas viveram grandes momentos. O que o Coppam discutiu foi a necessidade de preservar uma história, uma página da cidade que ainda deve ser escrita e vista por novas gerações.

É bastante claro que há interesse econômico e especulação imobiliária quando se pretende leiloar uma grande área na região central da cidade. Substituir um estádio de futebol por um condomínio pode parecer lógico financeiramente, mas não atende ao interesse público. Basta olharmos estádios emblemáticos em outras cidades, que geram divisas, turismo e preservam a memória de uma sociedade.

Após diversas falas — de conselheiros do Coppam e de convidados — o órgão decidiu pelo tombamento do estádio do Goytacaz, ou seja, decidiu por sua proteção, que impede a demolição ou a descaracterização. Foram 11 votos favoráveis e uma abstenção, vinda do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes (IHGCG).

A abstenção vinda de uma instituição que se pretende ser de “pesquisa, memória, difusão do conhecimento sobre história e geografia e proteção de acervos históricos” é estranha, mas segue uma lógica anti-preservacionista em Campos, uma cidade que deixou tanto se perder.

Além da proteção ao estádio, a reunião mostrou que o Coppam pode e deve agir ouvindo a sociedade, e de forma também técnica, decidir. O interesse público deve ser a tônica, e a preservação de elementos culturais e históricos como o Aryzão, a regra. Exceções podem existir, mas sempre a confirmam.




 
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A destruição das Casas Grandes em Campos e o despertencimento
16/06/2024 | 10h55
Vista do interior do Solar dos Airizes
Vista do interior do Solar dos Airizes / Foto: Edmundo Siqueira


É preciso reconhecer que o campista, em sua maioria, não valoriza sua história. A destruição sistemática do patrimônio histórico, o desconhecimento dos vultos, as datas importantes ignoradas, e tantas outras provas dessa desvalorização são evidentes.

Porém, apenas apontar dedos preconceituosos para os que não sabem quem foi Benta Pereira ou Nilo Peçanha, ou onde fica o Solar dos Airizes, não resolve. E pior: estimula o distanciamento das pessoas, e faz com que apenas um grupo restrito mantenha-se como um autoproclamado guardião do conhecimento histórico local.

José do Patrocínio
José do Patrocínio / Câmara dos Deputados
Se alunos das escolas públicas de Campos não sabem quem foi José do Patrocínio, não é culpa deles. Não foram apresentados, e se foram, não da maneira correta. Caso sejam “obrigados” a decorar seu nome e seu local de nascimento, o personagem perde completamente o apelo. Primeiro precisam saber que ele era filho de um vigário com uma escravizada e se tornou um dos maiores abolicionistas do Brasil, exercendo um papel determinante, inclusive na conscientização da princesa Isabel. Além de grande jornalista e orador. E a partir de sua história, dizer que ele é campista, criado em Lagoa de Cima.


Esses mesmos discentes precisam saber que uma mulher liderou um movimento revolucionário que mudou a história de Campos, em um tempo em que a participação política feminina era extremamente difícil. Precisam admirar Benta Pereira antes de saber que ela é de Campos, e que o hino da cidade faz referência à sua pessoa.

Existe uma máxima quando falamos em pertencimento e valorização de patrimônios: só é possível gostar do que se conhece. A obviedade da afirmação não elimina sua importância. Não é possível criar envolvimento e preservação histórica de algo amplamente desconhecido.

Cultura sem público para além dos eventos

Os shows e eventos são parte importante do que chamamos de “política cultural” — mas estão longe de ser a sua essência. Os eventos devem ser a consequência de um trabalho de valorização de artistas e expressões locais, sob pena de trazer apenas fazedores de cultura estrangeiros para se apresentar.

Temos exemplos bem sucedidos. O FDP! - Festival Doces Palavras é um deles. E justamente é um evento que se mostra como consequência de um trabalho prévio. A ideia do festival é a apresentação de literatura e doces regionais produzidos em âmbito local. O FDP! não existiria sem que gente de Campos, da literatura e dos doces, tivessem produzido e de alguma forma sendo consumidos.


Embora educação e cultura não sejam medidas por resultados e lucro (seus ganhos por vezes são aferidos de outras formas), pensar em subsistência a partir de expressões culturais locais é essencial. Eventos e festivais não são apenas formas de valorização, mas também podem ser usados como forma de oferecer retorno financeiro aos expositores.

A destruição das Casas Grandes

Campos dos Goytacazes é uma cidade de pelo menos 370 anos. Toda essa história deixou uma enormidade de patrimônio materiais e imateriais. Se nos atermos às construções, vemos em Campos duas expressões quase determinantes: os solares e as igrejas.
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Os solares têm relação direta com os ciclos econômicos que a cidade sofreu. O gado e depois a cana-de-açúcar determinaram um tipo de moradia das elites econômicas locais. Era preciso demonstrar força e riqueza a partir de grandes casas, ou os solares, que também davam aos seus donos títulos de nobreza. A chamada “nobreza da terra”.

As construções religiosas trazem a história da presença da igreja católica na região, que veio com a missão de catequizar os povos originários e garantir a presença portuguesa na cidade que se constituía.

Apesar da beleza desses casarões e do simbolismo das igrejas, toda essa história também se constituiu com violência. Escravizados e indígenas eram explorados ao máximo para garantir que o “desenvolvimento” acontecesse. Como uma das características da colonização que tivemos por aqui, foi imposto todo tipo de apagamento das culturas locais originárias e das trazidas pelos escravizados.
Solar do Colégio, prédio que hoje abriga o Arquivo Público de Campos foi restaurado pela Uenf nos anos 1990 para ser uma Escola de Cinema. Construído pelos jesuítas, foi sede de uma enorme fazenda em Campos
Solar do Colégio, prédio que hoje abriga o Arquivo Público de Campos foi restaurado pela Uenf nos anos 1990 para ser uma Escola de Cinema. Construído pelos jesuítas, foi sede de uma enorme fazenda em Campos / Reprodução


Campos talvez tenha optado pelo abandono dessas construções por ter alijado a maioria de sua população de seus significados. As “casas grandes” possivelmente foram destruídas por terem se mantido assim com o passar dos anos.

Solar dos Airizes
Solar dos Airizes / Foto: Edmundo Siqueira
Dois dos principais patrimônios materiais que temos de pé em Campos refletem isso fortemente. O Solar dos Airizes representando o poder econômico e o Solar do Colégio o poder religioso. Embora tragam todo histórico de violência, trazem também o potencial de ensinar, de promover educação patrimonial e a necessária consciência do que foi feito.


Além de conscientizar, construções assim precisam hoje assumir usos opostos dos assumidos antes. O Solar do Colégio abriga o Arquivo Público de Campos atualmente, e já foi preparado para ser uma escola de cinema pela Universidade Estadual do Norte Fluminense - Uenf. Uma construção histórica servindo para democratizar o acesso à arte, cultura, história, memória e educação.

O Airizes passa por um processo de salvamento, depois de anos de abandono. E caso seja realmente salvo, deverá ter seu uso discutido com ampla participação social, para que o pertencimento aconteça da única forma possível: conhecendo. A partir disso, a criação de um museu ou centro de memória não deve ser fechado e elitizado.
Deve trazer a história de todos que construíram a cidade, a apresentá-la de forma mais democrática possível. Principalmente para os que ainda hoje não conhecem sua história. 

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Cravos e músicas como armas: a Revolução de Abril
14/04/2024 | 03h46
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Quando ouviram a música “Grândola, Vila Morena” tocar no rádio, os revolucionários portugueses entenderam como uma senha. Era isso que estava acordado entre os conspiradores: às 22h55, o poema musicado de Zeca Afonso deveria ser reproduzido em ondas curtas e a revolução teria início. E teve.

O que iniciou-se em Portugal naquele 25 de abril de 1974, após ser reproduzida a música que viria a se tornar o hino da revolução — “Grândola, Vila Morena” —, mudaria não apenas o país, mas principalmente romperia com a lógica colonialista que imperava há alguns séculos por lá.
Portugal ainda mantinha colônias na África e na Ásia quando o século XX iniciou, e assim como o Brasil fez em 1822, até então sua maior colônia, os países africanos e asiáticos tentavam suas independências, principalmente em Angola, na Guiné-Bissau e em Moçambique. Esses conflitos ficaram conhecidos como “Guerra Colonial”.

As guerras coloniais custavam caro a Portugal. As baixas eram constantes, os campos de batalha levavam os jovens portugueses (estima-se que cerca de 90% da população masculina jovem do país havia morrido, ou estava inválida) e a guerra corroía a economia. O reino estava ameaçado, e a coroa que havia fugido de Napoleão e se instalado no Brasil, estava novamente com medo.

As ambições coloniais portuguesas não apenas saqueavam o próprio país como atrapalhava os interesses, também coloniais, dos britânicos. Até que em 1890 o Reino Unido deu um ultimato: ou Portugal retirava as tropas de algumas colônias e paravam os avanços, ou entraria em guerra com a superpotência inglesa. Com a crise crescente no reinado português, sem representatividade e sem dinheiro, o pior aconteceu, e em 1º de fevereiro de 1908, D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe são assassinados.

A monarquia ainda tentou ficar de pé por mais dois anos, mas era evidentemente insustentável. A República era o caminho óbvio naqueles tempos, e em 5 de outubro de 1910 ela foi implantada em Portugal. Mas democracia e republicanismo não são soluções mágicas, e as questões financeiras continuavam difíceis, além das negociações políticas seguirem extremamente desgastadas. Para piorar — e muito —, em julho de 1914 eclode a Primeira Guerra Mundial e não era possível deixar Portugal de fora.

Em guerra, socialmente destruído, sem juventude, sem recursos e com um governo não representativo, só restou um caminho para Portugal: o autoritarismo ditatorial. O exército tomou o poder em 1926, nomeando o ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, então professor da Universidade de Coimbra, a Presidente do Conselho de Ministros, e deu-se início a uma ditadura militar. Em um regime autoritário de corporativismo de Estado, com partido único e sindicatos estatais, com afinidades diretas com o fascismo, Portugal tentava, pelo menos, colocar as finanças em dia.

A Revolução dos Cravos
Cenas da Revolução de 25 de Abril  em Portugal.
Cenas da Revolução de 25 de Abril em Portugal. / Reprodução

Ao contrário do Brasil, o fim da ditadura em Portugal não foi negociado. Revolucionários armados e militares dissidentes do governo derrubaram o regime ditatorial do Estado Novo (mesmo nome dado a Era Vargas no Brasil, também uma ditadura), e implantaram uma democracia.

Comemorações do 25 de Abril - A Revolução dos Cravos
Comemorações do 25 de Abril - A Revolução dos Cravos / Reprodução
A Revolução dos Cravos (em ato simbólico, cravos eram colocados nas bocas dos fuzis), também chamada de Revolução de Abril, teve seu início em 25 de abril de 1974, e exatos dois anos depois, uma nova Constituição, de forte orientação socialista, foi promulgada. Grândola, Vila Morena virou hino, e a população deu amplo apoio ao movimento.


Entre os líderes da Revolução estavam também os militares, principalmente o Movimento das Forças Armadas (MFA), composto na sua maior parte por capitães que tinham participado na Guerra Colonial. Com apoio de oficiais milicianos, e da maioria da população (apenas quatro civis mortos e quarenta e cinco feridos em Lisboa), o regime ditatorial estava deposto. O resto é história.

O povo, os cravos, a música e as armas

O que aconteceu em Portugal não se repetiu no Brasil. Embora houvesse movimentos armados revolucionários por aqui, todos foram violentamente sufocados e um regime de censura, torturas, mortes e desaparecimentos foi a tônica de uma ditadura que durou mais de 20 anos.

A escolha pelo conflito armado e pelas revoluções são sempre as últimas alternativas para enfrentar um regime autoritário e violento. Não podem ser consideradas como parte do processo civilizatório, assim como não podem as ditaduras. Ambas são deturpações civilizacionais que devem ser evitadas a qualquer custo.

A Revolução dos Cravos foi repleta de simbolismos, e o 25 de abril é comemorado ainda hoje no país. Conta-se que uma mulher, Celeste Caeiro, que trabalhava num restaurante na Rua Braamcamp, em Lisboa, andava pelas ruas da capital com um ramo de cravos brancos e vermelhos nas mãos. Ao ser avistada por um soldado, este lhe pediu um cigarro. Como ela não tinha, decidiu colocar no cano de sua arma um cravo. Depois, outros floristas repetiram o gesto.

Não é possível romantizar revoluções armadas, muita gente morreu durante o processo e as consequências de regimes ditatoriais e lutas armadas são sempre sangrentas. Ademais, Portugal, Europa e o mundo continuam instáveis e guerras continuam a acontecer; e o povo ainda não é o que "mais ordena". Mas Portugal mostrou que música e cravos são armas poderosas.

Zeca Afonso, autor da música Grândola, Vila Morena.
Zeca Afonso, autor da música Grândola, Vila Morena. / Reprodução
“Grândola, Vila Morena

Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, Vila Morena

Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, Vila Morena
Terra da fraternidade”

Esse é um trecho de “Grândola, Vila Morena”, de autoria de Zeca Afonso. A música, ainda hoje considerada perigosa, embalou e deu alma à Revolução.
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Os novos andamentos no Solar dos Airizes
30/09/2023 | 03h00
Foto: J. Pimentel

O Solar dos Airizes, casarão histórico localizado na BR-356, Campos-São João da Barra, vem recebendo mais atenção nos últimos anos. Desde que este espaço revelou a existência de um processo judicial com trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos) determinando que o restauro do prédio seja feito pela prefeitura de Campos, o Solar passou a ser alvo de tratativas mais intensas entre poder público e sociedade.

Tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1940, três anos depois da criação daquele órgão federal, o Airizes ainda hoje pertence à família Lamego, herdeiros de Alberto Ribeiro Lamego, pesquisador renomado em todo Brasil e autor de obras fundamentais para a região Norte Fluminense, que por sua vez herdou o Solar após o casamento com a filha do Comendador Cláudio do Couto e Souza. 

Além do processo judicial, o Iphan abriu diversos andamentos internos sobre o Airizes desde que o abandono ficou demasiadamente arriscado ao patrimônio — o que acontece há mais de 20 anos. Entre as medidas, uma multa milionária foi imposta à família Lamego.
No âmbito do judiciário, o resultado foi diferente: os Lamegos conseguiram comprovar a incapacidade financeira de manter um casarão do século 19, e umas das penalidade impostas foi perder a posse do Solar para a municipalidade, em Campos, que seria responsável pelo restauro e pelo uso do prédio. 

A municipalidade

Com a obrigação judicial de restaurar o Airizes, algumas alternativas começaram a ser pensadas. Embora ainda sem efetividade, a prefeitura assinou um protocolo de intenções com a empresa Ferroport (consórcio formado pela mineradora sul-africana Anglo American e pela Prumo Logística, do Porto do Açu), que pretende captar recursos para restaurar e dar uso ao Solar.

Porém a construção não dá sinais que resistirá por muito mais tempo. Parte de uma das extremidades já foi ao chão, paredes foram destruídas tanto na fachada quanto no interior do Solar, e a cada dia aumenta a precariedade de portas, janelas e do forro de madeira.
3D realizado a a partir da visita do curso de Arquitetura do IFF.
3D realizado a a partir da visita do curso de Arquitetura do IFF. / Raphael Aquino

O escoramento e outras ações emergenciais não dependem de parcerias, ou de grandes investimentos, e o Iphan certamente autorizaria intervenções dessa natureza, como forma de garantir a sobrevivência do patrimônio. Se trata de uma obrigação da prefeitura, judicial e institucional.

Raphael Thuin leva o Airizes à Brasília
Reprodução Rede Social

O vereador Raphael Thuin (PTB), em agenda em Brasília na semana passada, esteve com o presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, Marcelo Queiroz (PP-RJ), e levou as pautas relacionadas ao Solar dos Airizes e à livraria Ao Livro Verde.

Em suas redes sociais, Thuin disse que ambos os patrimônios são de “suma relevância para a cultura da cidade de Campos”, e que "precisam da nossa atenção”. Ontem, falando a este espaço, o vereador disse que o caso do Solar dos Airizes já era de conhecimento do Ministério da Cultura, através do Iphan, mas que a sua ida à Brasília “abriu portas no Governo Federal em relação ao Airizes”.

— Eles querem ajudar. Falei com o Marcelo [deputado Marcelo Queiroz], e ele se mostrou muito sensível à causa do Solar dos Airizes, pela importância daquela construção. A aproximação com a Comissão de Cultura da Câmara Federal é essencial para fazer essa ponte com o Governo Federal e com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e também o secretário executivo da pasta. Fiquei muito satisfeito com a reunião, acho que agora temos esse caminho em Brasília — disse Thuin.

Sobre a Ao Livro Verde, o vereador disse que é um caso mais complexo por envolver uma empresa privada em situação de autofalência, mas que pela importância da história e da marca Ao Livro Verde é preciso que “soluções sejam encontradas coletivamente”.

A livraria mais antiga do Brasil recebeu ajuda da sociedade civil, e o movimento “SOS Ao Livro Verde” conseguiu mais de duas mil assinaturas e diversas entidades apoiando. Além do movimento, existe a possibilidade da criação de uma associação que poderia não apenas auxiliar na sobrevivência da livraria, mas principalmente no salvamento da marca.

Foto: J. Pimentel
A resiliência do Solar


Em uma cidade que deixou tanto se perder, em construções de beleza arquitetônica inquestionável e simbolismos culturais de alta relevância — como o antigo Trianon, a Santa Casa de Misericórdia, Correios e Banco do Brasil —, o Solar dos Airizes resiste por conta própria.

Assim como o Museu Olavo Cardoso e o prédio centenário do Mercado, o Airizes se nega a virar apenas memória. Em uma cidade que não aproveita os potenciais que esses patrimônios oferecem apenas por existir, a sobrevivência deles depende de dois fatores fundamentais: política pública cultural efetiva e engajamento social.

A família Lamego se colocou à disposição para uma conversa com a prefeitura, e tem interesse em doar o prédio ao município. Porém, entraves jurídicos e a própria multa que envolve o Solar dificultam o trâmite. O caminho possível é a desapropriação, e ela deve envolver o executivo e o legislativo municipal.

Antes que seja tarde.
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Dois pesos, duas medidas: Uenf já inicia as obras em Cabo Frio e avança pouco no Arquivo de Campos
14/07/2023 | 08h32
Arquivo Público e Solar do Colégio - simbiose
Arquivo Público e Solar do Colégio - simbiose


Em 29 de outubro de 2021, Campos dos Goytacazes recebeu a notícia (veja aqui) que o Arquivo Público Municipal seria restaurado, e seu acervo digitalizado. Através de uma parceria entre a prefeitura de Campos, Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) e Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro), foram depositados 20 milhões de reais na conta da universidade para custear a iniciativa.

O valor total do acordo foi de R$ 30 milhões, onde a Alerj repassou à Uenf oito milhões para serem utilizados na Fazenda Campos Novos em Cabo Frio, município do litoral fluminense, dois milhões na própria universidade, e os 20 milhões restantes no Solar do Colégio, prédio que abriga o Arquivo, em Campos.

O Solar do Colégio e a Fazenda Campos Novos tem muitas similaridades. Ambas são construções jesuíticas do século XVII, e ambas tombadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Campos Novos, fundada em 1690, assim como o Solar do Colégio, é uma das poucas construções jesuíticas ainda de pé no território brasileiro.

A diferença, vem sendo a atenção dispensada pela Uenf.

Conforme matéria divulgada no site oficial da prefeitura de Cabo Frio, “foi assinado na manhã desta quarta-feira (12) o contrato para o início das obras na Fazenda Campos Novos, em Tamoios. A verba para a restauração é fruto do Projeto de Lei n.º 5.275, de autoria do então deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano”.

Em Cabo Frio, grupos de trabalho foram criados e atuam no projeto de restauro desde o início deste ano. No final de abril, o patrimônio cabofriense foi objeto de um pregão eletrônico realizado pela Uenf, sendo um passo importante para que o contrato fosse assinado nesta quarta-feira.

No caso de Campos Novos, já existia no Iphan o projeto básico, documento chamado de “Termo de Referência”, o que facilitou que o processo fosse mais rápido. Além do auxílio direto do Iphan, o reitor da Uenf, Raul Palacio, destacou durante a cerimônia da assinatura do contrato, o papel da prefeitura de Cabo Frio: “não poderia deixar de iniciar destacando o empenho do prefeito José Bonifácio para que pudéssemos firmar essa parceria (...) ele é o principal incentivador dessa reforma da Fazenda Campos Novos”.

Em contraste com a situação de Cabo Frio, no Solar do Colégio nada de concreto relacionado às obras foi feito, tampouco existe qualquer Termo de Referência no Iphan. Após uma reunião na Alerj — com representantes da Uenf, da prefeitura e da sociedade civil — em novembro de 2022, foi acordado que a universidade faria, em um prazo de 30 dias, a licitação para o início das obras, como aconteceu em Cabo Frio. Mas não aconteceu.

Apesar de disponibilizar no caso da Fazenda Campos Novos, o Iphan não tem a obrigação de fornecer esse material, mas é previsto na utilização dos recursos vindos da Alerj, também devendo ser por processo licitatório, a contratação de empresa para produzir o Termo de Referência e o projeto para a restauração do Solar.

Uenf e Arquivo: andamentos e dificuldades
Equipe do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho durante reunião sobre as obras no Solar do Colégio.
Equipe do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho durante reunião sobre as obras no Solar do Colégio. / César Ferreira


Apesar da morosidade em relação ao restauro do Solar dos Colégio, foi lançado no final de junho pela Uenf um edital de processo seletivo para o preenchimento de vagas de estágio nas áreas de História, Geografia, Pedagogia e Ciências Sociais, para atuar no Arquivo. Estão previstas 20 vagas, distribuídas nessas áreas do conhecimento, de forma remunerada, para atuar na instituição por um período de 12 meses.

O Arquivo Público de Campos exerce duas funções igualmente complexas e essenciais para a sociedade fluminense: guardar, tratar e tornar público acervos documentais de grande importância, e cuidar de um solar secular, tombado por um ente federal, em um local distante do centro da cidade. Para essa segunda função, atua há anos com uma equipe extremamente reduzida, poucos recursos e instalações físicas insuficientes.

A contratação de pessoal é um passo importante — também previsto nos R$ 20 milhões disponibilizados —, trazendo ao Arquivo a possibilidade de administrar seus acervos satisfatoriamente. Mas todo o restante depende do andamento das obras. Qualquer compra ou instalação de equipamento de digitalização, por exemplo, depende de instalações elétricas adequadas e equipamentos de segurança que o Arquivo ainda não dispõe.

Depois de diversos acertos entre o município, Arquivo e Uenf, um grupo de profissionais com componentes das três instituições foi formado, que originou a publicação do Edital e segue na construção do processo licitatório e posteriormente as obras. Porém, ainda caminhando a passos curtos.

Chuvas e vendavais


Considerando o ritmo da aplicação dos recursos no Solar do Colégio, o próximo período de chuvas cairá sobre o prédio sem as intervenções necessárias para proteger seu interior.

Durante as chuvas de janeiro deste ano, o Arquivo Público ficou inundado, com diversos documentos danificados. Episódios de vendavais e tempestades, cada vez mais constantes, podem ser ainda mais devastadores, principalmente no telhado do Solar, parte da construção que carece de intervenções urgentes, e com dinheiro para fazê-las há quase dois anos.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

edmundosiqueira@hotmail.com